quarta-feira, 25 de abril de 2018

The Walking Dead

[crítica à oitava temporada da série: temporada da guerra contra o Negan, para quem já se perdeu]

!!! CONTÉM SPOILERS !!!




 
Rick Grimes na 101ª temporada de The Walking Dead.

O que é que fizeram a esta série? The Walking Dead já foi a minha série preferida. Uma série que me assombrava a nível inconsciente, que me causava pesadelos. Actualmente o meu maior pesadelo é que tencionem prolongá-la indefinidamente.
Quanto aqui falei de The Walking Dead, ainda sem perceber que ia ser o fenómeno de massas em que se tornou, aventei que o único que se ia safar naquele novo mundo apocalíptico era o miúdo. Mal sabia eu que a série ia durar tanto tempo que o miúdo cresceu e já tem idade de ir para a universidade. Nem teria passado pela cabeça de ninguém que acontecesse o que aconteceu, uma vez que na banda desenhada em que a série se baseia Carl é o futuro. Mas já torno a esse assunto.

A austeridade chegou ao apocalipse zombie?
The Walking Dead tem sido criticado por tudo e o seu oposto: acção a menos, acção a mais, desenvolvimento psicológico a mais, desenvolvimento psicológico a menos, exposição a mais, exposição a menos, falsas bases científicas do vírus zombie (o que eu me rio sempre que alguém começa com essa conversa como isto não fosse ficção), realismo, irrealismo, e, a minha preferida, “telenovela com zombies”. É normal que as opiniões sejam tão extremadas, até mesmo contraditórias. É uma série vista por milhões de pessoas em todo o mundo, um verdadeiro fenómeno global. Impossível seria agradar a todos.
Mas agora a esmagadora maioria das críticas concorda: a oitava série é um descalabro. Diria mesmo que é o maior descalabro que já vi em televisão numa série deste nível.
É caso para uma pessoa se perguntar: onde estão os criadores da série, os do início, os que tornaram uma série de zombies que nada prometia numa série de qualidade artística, filosófica, psicológica? O que se passou com esta série?
De tão decepcionada, fui investigar. Os motivos não são bons. Tudo indica, e vê-se na série, que o objectivo é fazer um produto o mais lucrativo possível ao menor custo possível. Série baratucha para ganhar dinheiro. (E isto nota-se, penosamente, no episódio em que só aparecem meia dúzia de zombies carunchosos a dominar um tigre. Não houve dinheiro para mais figurantes? O resultado é completamente absurdo e inverosímil, de dar vontade de atirar o comando à televisão. E é apenas o exemplo que na minha opinião foi o mais escandalosamente mau e que estragou completamente uma cena dramática que podia ter resultado. Assim, ninguém ficou convencido. Vi esta parte nas tiras do comic e percebi como é que aí funcionou: mais zombies, muitos mais zombies. A série quis fazer o mesmo em versão low cost.)

Pobre Shiva! Só apareceste para espremer dos espectadores as lágrimas que já ninguém derrama pelos outros animais que andam na série.

Mas pelo menos tivemos a cena possivelmente mais genuína e comovente da série inteira, que foi esta:



O descalabro
Há uma forte corrente de opinião que aponta o início do descalabro à temporada sete (a que começa com Negan a matar Glenn) e até à temporada seis (chegada a Alexandria). Na minha perspectiva, a série atingiu o seu pico com o horror de Terminus e nunca mais se conseguiu igualar. A partir daí tem sido uma curva decrescente. Aponto como causas a má adaptação do enredo/personagens da banda desenhada à televisão. Não gosto de banda desenhada e sou suspeita para falar, mas sei que toda a série se baseia no comic e durante as primeiras temporadas o enredo funcionou. Não sem alterações, mas funcionou. Não vou aqui discutir se o enredo/personagens teriam igualmente funcionado sem estas alterações, noto apenas que as alterações resultaram. Noto também que desde que a série começou a seguir o enredo do comic ponto-a-ponto, tudo descambou. Nomeadamente, desde que Negan apareceu. Negan é um péssimo vilão. A personagem que saiu do comic não foi adaptada à televisão. O que pode parecer giro no comic (se é que alguma coisa parece gira, porque não gosto de nada) aparece como caricatural no écran.
O que é nem o pior de tudo. O Governador foi o último vilão tridimensional da série (e nem tridimensional por aí além; apenas mais um sociopata). Depois vieram os Wolfs (o que é que eles queriam mesmo?), e antes deles os canibais do Terminus (com motivações muito pouco convincentes que não vou aqui analisar). Negan é apenas mais um vilão bidimensional como os anteriores e não lhe atribuo todas as responsabilidades.
Culpo mesmo é a falta de direcção do enredo, que de episódio para episódio tem transformado boas personagens em marionetas inconsequentes que chegam a mudar de ideias três vezes por temporada e acabam exactamente como começaram. E repete e repete de novo.
O que eu mais gostava nesta série (fora os zombies, claro) era mesmo do desenvolvimento psicológico das personagens. Até os erros estúpidos que se tornaram imagem de marca da série podiam ser compreendidos em função do stress resultante das condições extremas que têm de enfrentar. Personagens incoerentes é que não! Infelizmente, os fãs tiveram quota-parte de culpa nesta desastrosa opção “criativa” ao criticarem o desenvolvimento de personagem como “telenovela”. Não sei se são a maioria, mas lá que são barulhentos online, são.
O que aconteceu nesta temporada é que os autores decidiram (?) calar estas críticas transformando a série numa coisa acéfala. Conseguiram mesmo tornar a guerra contra o Negan numa seca insuportável e interminável, o que é uma proeza considerando a quantidade de tiroteios e pancadaria: cenas de acção mal filmadas em que nem se percebe onde é que estão os personagens (no espaço e no tempo) e quem está a disparar contra quem, falta de munições num dia e desperdício de munições no outro, estratégias que não fazem sentido nenhum. Nem os maiores fãs conseguiram tragar o que se passou nesta temporada.
O exemplo mais flagrante, a cena em que Negan e todos os seus tenentes estão à frente das forças de Rick, apenas a poucos metros, sem qualquer obstáculo entre eles, e estes disparam contra tudo menos Negan. Ou, pelo menos, foi assim que vimos a cena. (Já para não falar das duas outras vezes em que Rick está em perfeitas condições de matar Negan e falha “inexplicavelmente”. Isto é, a explicação é que ainda faltavam muitos episódios para acabar a temporada. Mas o falhanço não precisava de ser tão idiota.)

 Lucille também é à prova de fogo.

Zombificação
Alguns episódios conseguiram recordar-nos pequenos vestígios do que fez esta série grande, mas nada que a consiga tornar “grande outra vez”. O desnorte é absoluto. Não se vislumbra qualquer movimento em direcção a um fim. Os autores ameaçam espremer enredo e personagens enquanto a galinha continuar a pôr ovos de ouro. O problema é que a qualidade, muito graças à  produção low cost, desceu a um nível de filme B. E as audiências desceram a níveis que a série só teve nas primeiras temporadas (ironicamente, quando a série era excelente mas ainda desconhecida). Parece que a galinha parou de pôr ovos de ouro.
Em desespero de causa, pensei eu [*], decidiram matar Carl. E ainda por cima mataram-no mal. Carl teve um momento em que podia ter morrido como um herói, matando Negan, mas não dava jeito ao plot. Em vez disso, a morte de Carl arrastou-se numa série de monólogos que me puseram a olhar para o relógio. Ora, eu até sou sensível e tudo, e compreendo que tenha sido feito para apaziguar os fãs, mas aquela morte foi efectivamente esticada para lá do limite. A todo o momento esperava que alguém se distraísse e que Carl se transformasse. Não seria menos estúpido do que o mais estúpido que já vimos na série e teríamos a satisfação de ver o zombie Carl. Afinal o miúdo estava a planear dar um tiro na cabeça. Se era assim, Carl, o que está perdido perdido está, porque é que não deste um tiro ao Negan quando ele foi bater à porta de Alexandria?
Mas, para dizer a verdade, o cérebro do miúdo já estava a ficar zombificado ou não se compreenderia como é que lhe passava pela cabeça perdoar Negan. Perdoar Negan?! Negan é irredimível! Carl, que estás no Céu, lembras-te do Glenn? Já nem falo do Abraham e dos outros todos, mas o Glenn, lembras-te? O teu pai não te contou a história do tanque, em Atlanta, quando estava completamente à rasca e foi o Glenn que o safou? Sim, sei que nessa altura tinhas ido acampar com a mamã e o tio Shane, mas o pai não te contou? Que foi Glenn quem lhe salvou a vida? Pobre Carl, ainda estavas vivo e já estavas a ficar cerebralmente zombificado!
[* Pensei eu que foi em desespero de causa, e que a série se estava a afastar do enredo do comic porque não estava a resultar em televisão, mas as más línguas de Hollywood têm outra versão. A princípio dizia-se que Chandler Riggs podia ter de sair da série para ir para a universidade (bom para ele). Mas depois veio à tona que o contrato do actor tinha de ser renegociado por este fazer 18 anos, o que implicaria pagar-lhe mais. E soube-se que mesmo antes de sair da série Chandler Riggs tinha acabado de comprar uma casa perto do local de filmagens. Isto é, nem ele nem a família estavam a prever que saísse da série, e os pais reagiram publicamente muito mal. Quem quiser que investigue a fundo e tire as suas próprias conclusões. Mas não deixa de ser curioso que por esta altura do campeonato se discuta mais os bastidores – quem sai e quem fica e porquê – do que a série propriamente dita.]
O preocupante, aqui, é que a decisão de matar Carl pode não ter sido motivada pela necessidade de melhorar o enredo mas pelos motivos comerciais mais ridículos. Esta é, afinal, uma das séries mais lucrativas dos últimos anos (direitos de transmissão, publicidade, digressões, merchandising…). Não faz qualquer sentido. Nem acreditaria se não visse, mas efectivamente a série está a cortar no orçamento. Nota-se nos cenários repetidos, na escassez de filmagens exteriores que nos dêem a percepção do espaço, até na falta de figurantes. A partir da oitava temporada a desorçamentação começou a prejudicar a qualidade e é no mínimo triste assistir a isto de uma série como esta.

Adeus puto. Eras o futuro.

Levanta-te e acaba!
Mas de volta à ficção.
Então, mataram Carl. E agora? Carl era o futuro, o miúdo que já cresceu no mundo apocalíptico e melhor adaptado que ninguém a estabelecer uma nova civilização. Este símbolo fulcral desapareceu. Pensarão, porventura, em transferir o símbolo para Judith? Durante temporadas e temporadas e temporadas de The Walking Dead até que ela cresça? Sou fã, mas já chega.
A única coisa que ainda pode salvar esta série é uma resolução, e depressa: que apareça uma cura para o vírus, que comecem a reconstruir a sociedade, que morram todos e ganhem os zombies. Qualquer coisa, desde que acabe! Pode ter-se tornado um cliché dizer isto mas efectivamente The Walking Dead é um zombie televisivo e precisa de ser abatido. Já foi suficientemente penoso observar a série arrastar-se durante a oitava temporada. A série não merecia isto e os fãs não mereciam isto. Que ao menos o fim valha a pena.


1 comentário:

katrina a gotika disse...

Acabei de saber que Andrew Lincoln vai deixar a série na próxima temporada.
https://www.independent.co.uk/arts-entertainment/tv/news/andrew-lincoln-walking-dead-leaving-rick-grimes-season-9-norman-reedus-a8375196.html
O que é a série sem Rick Grimes? Não estou a ver. Saber que Rick Grimes vai sair de cena antes ainda da temporada começar é uma catástrofe anunciada.
Mas compreendo Andrew Lincoln. É tempo de avançar com a carreira. Esta seria uma tragédia evitável se a história tivesse acabado em meia dúzia de anos e os actores principais não tivessem de sair a meio por terem ofertas melhores.
Parece mesmo que a série já não se levanta. É pena.