quinta-feira, 8 de setembro de 2016

The Night Listener / Uma Voz na Noite (2006)


Primeiro que tudo, este é um filme que toda a gente devia ver. Não por ser bom ou mau, mas porque é um filme educativo. Gente nova, gente menos nova, toda a gente, hoje em dia, devia ter bem presente que as pessoas que se "conhecem" online podem não ser pessoas reais. A maior probabilidade é que a grande maioria de personagens que se conhecem online não o sejam. Isto acontece em vários graus e feitios, desde o username que se cria só para comentar em determinado sítio até aos casos mais graves de extorsão e burla, e outros tipos de criminalidade, e o perigo extremo de psicopatologias várias à procura de vítimas. A maioria destas personagens internéticas não serão, obviamente, violadores e assassinos, mas existe todo um leque de permeio que nos deve fazer pensar, na minha opinião, que quando se conhece uma pessoa online se deve partir do pressuposto de que a pessoa não é real, em vez do contrário. Porque o seguro morreu de velho.
Este filme nem é sobre pessoas que se conhecem online, mas o princípio aplica-se perfeitamente porque as circunstâncias são idênticas. Robin Williams faz o papel de um locutor de rádio que começa a receber chamadas telefónicas de um fã do seu programa que, tudo indica, é um rapaz que sobreviveu a uma infância de abusos sexuais que o infectaram com o vírus da SIDA. Impossível não sentir empatia por este jovem com uma vida tão injusta e fatalmente curta agora que a doença se manifesta! O locutor, comovido, quer fazer tudo o que puder para tornar este rapaz mais feliz, como qualquer pessoa decente faria. É aqui que reside a armadilha, porque a nenhuma pessoa decente passaria pela cabeça que alguém inventaria este rapaz traumatizado e às portas da morte para obter atenção. E é aqui que a pessoa decente se enganaria, e é aqui que a psicopatologia do impostor ganha vantagem à partida. O impostor está a contar com o bom coração da pessoa decente e sabe o que dizer e fazer para a manipular.
O locutor não desconfia de nada, o que me leva à personagem mais importante do filme em termos de desenvolvimento do enredo. O ex-namorado do locutor não tem uma mente assim tão crédula e começa a achar que toda aquela história tenebrosa do rapaz é um pouco "má demais para ser verdade" (abusado pelo pai e pelos amigos do pai, a morrer de SIDA...), o que o transforma imediatamente num "monstro insensível" aos olhos do locutor-vítima. O ex não é um monstro insensível, mas é assim que essa postura céptica é encarada pelo locutor emocionalmente fragilizado. (Quem é que nunca passou pela situação de chegar a um ponto da relação em que tudo o que o ex diz é automaticamente "errado" porque é o ex quem o diz?) Mas o ex tem razão, e um ex-amante menos fragilizado talvez lha reconhecesse. Talvez tenha mesmo ficado algo daquilo a remoer, subconscientemente, logo de início. Mas este homem acabado de sair de uma longa relação, desorientado e sozinho, lança-se de cabeça nesta nova amizade, tão especial e importante, com o seu jovem fã. Uma amizade que acaba por vir preencher o vazio que subitamente se instalou na sua vida após a partida do companheiro. (E quem é que nunca passou por isso?) É exactamente nestas alturas, em que as pessoas estão mais frágeis e sozinhas, que ficam mais vulneráveis a ataques de todos os tipos de predadores. O predador cheira vulnerabilidade como o tubarão cheira sangue na água.
Apesar de separados, o ex ainda vai aparecendo lá por casa para acabar de levar as suas coisas. Entretanto, a relação entre o locutor e o rapaz, e a mãe adoptiva do rapaz, já tinha evoluído das conversas radiofónicas com o programa no ar para outras muito mais pessoais e íntimas, ao telefone. O ex calha em ouvir uma mensagem deixada no gravador, pela mãe adoptiva, logo seguida por outra do rapaz, e novamente semeia a dúvida: "Não achas que as vozes são parecidas? Até parecem iguais!"
É claro que rebenta o drama: "O que estás a insinuar, monstro insensível, que o rapaz não existe, que é alguém a aproveitar-se da minha credulidade, que alguém seria tão monstruoso que seria capaz de inventar uma história de um rapaz com uma infância de abusos sexuais, doente com SIDA, a quem resta tão pouco tempo de vida?! O que ganharia alguém em fazer isso?" Etc. A completa negação.
Mas algo ficou mesmo a remoer, desta vez, porque o locutor leva as gravações a uma amiga e pergunta-lhe a opinião, uma opinião imparcial como não consegue obter do ex-namorado. E o facto é que esta outra amiga acha exactamente o mesmo, que podia ser a mesma voz.
Sentindo-se muito culpado por sequer duvidar, o locutor prefere explicar o assunto com justificações plausíveis ("há vozes parecidas"...), mas secretamente começa a investigar. E em conversa com a mãe do rapaz oferece-se para ir visitá-los, pessoalmente, pelo Natal. A mãe adoptiva concorda, e o locutor pensa que foi tudo um disparate, pois como é que ela poderia concordar com uma visita se não fosse uma pessoa real, numa morada real, no mundo real?...
Mas pelo Natal, o drama com o rapaz sobe de nível. A mãe adoptiva cancela a visita, porque agora o rapaz está no hospital, ventilado, a morrer ou quase. De seguida, o número para o qual o locutor telefonava começa a passar a mensagem "este número foi desligado ou não está atribuído". E o rapaz, e a mãe adoptiva, desvanecem-se no ar... (Se isto não vos soa familiar, cuidado. Um dia isto vai soar familiar, esperemos que sem gravidade porque "homem prevenido vale por dois".)
Entre a dúvida que lhe atormenta a culpa por duvidar, e o desejo, que já se tinha tornado obsessão, de descobrir a verdade, o locutor faz a viagem à mesma, sem ter uma morada certa, como pontos de referência apenas este ou aquele pormenor que o rapaz deixou escapar durante as conversas telefónicas. Ao entrar no café da terra, o locutor toma conhecimento de que a mãe adoptiva do rapaz existe mesmo, e já foi vista. Mas resta a pergunta: "e o rapaz, alguém o viu?"
Não vou contar mais para não estragar, mas os dias e noites que se seguem são os de um homem alucinado à procura da verdade, que não vai conseguir ter paz até a encontrar. E o que vai encontrar é monstruoso, talvez não tanto como alguns espectadores gostariam, mas é um monstruoso da vida real.

Sem ser um thriller arrepiante, este filme sofreu muito porque foi promovido precisamente como um thriller-arrepiante-tipo-Atracção-Fatal. Eu sou da opinião de que as coisas mais prováveis de acontecerem (que até já me aconteceram a mim) são mais arrepiantes do que a probabilidade mais remota de vir a cruzar-me com um Norman Bates, e gostei muito do filme. Sem ficar empolgada, fiquei no entanto presa à cadeira e já ninguém me tirava dali enquanto não descobrisse o que se passava. O filme pode não ser muito ambicioso mas cumpre as promessas que faz. Podia acontecer a toda a gente, e explica como e porquê. E fez-me pensar, e fez-me acreditar que vou estar mais alerta para a próxima. Nem que seja por isso, como dizia, pelo seu valor educativo, já é um filme que recomendo a toda a gente.

Acho que não vou anunciar nada de extraordinário ao dizer que Robin Williams era principalmente um genial actor de comédia. Nem seria justo, na minha opinião, comparar performances que pertencem a géneros tão diferentes, se não opostos, como a comédia e o drama. Neste filme, Robin Williams consegue dizer uma piada ou duas, e a genialidade ilumina o écran, mas este não é um filme para rir e Williams consegue construir um personagem sólido e competente. Só tenho uma crítica, que não é só minha, quanto à completa falta de química entre Williams e o ex-namorado. Da primeira vez que os vi juntos, quando se cruzam no átrio do prédio onde ambos moravam, juro que pensei que eram vizinhos ou amigos chateados um com o outro. Exactamente, chateados. Até pensei que ia sair dali uma das cenas hilariantes a que Williams nos habituou, com uma daquelas bocas sarcásticas de arrasar o outro. Nem me passou pela cabeça que fossem ex-amantes, tal foi a falta de química entre os dois. Nem como amantes, nem como ex-amantes. Não sei de quem foi a culpa, mas aquilo não saiu bem. O filme é de 2006, estava na moda que o cinema apresentasse a homossexualidade pré-casamento gay como se já fosse pós-casamento gay. Não tenho nada contra o casamento gay, antes pelo contrário, mas acho que esta relação foi ali metida à força e não funcionou muito bem. De resto, nada tenho a apontar. Tudo bem feito.


15 em 20


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