sábado, 16 de abril de 2016

Ajuda e partilha

Preciso de ajuda com um projecto literário. Nem sei porque é que não me lembrei disto mais cedo, dizê-lo aqui, neste blog que já me deu tantas alegrias. Talvez só agora tenha chegado a esse ponto de cansaço (ou desespero).
Há alguns anos que ando a escrever uma história e sinto que perco demasiado tempo a fazer tudo sozinha. A escrita, a revisão, a espera até conseguir o suficiente distanciamento para nova leitura e nova revisão. Seria tão útil ter um par de olhos, isentos e frescos, que me apontassem o que muitas vezes me demora anos a ver. Desde gralhas a sobressaltos na transição de um parágrafo para outro, a proximidade do autor cega-o ao que salta à vista a um leitor experiente.
Então, a minha tentativa de não ter de fazer tudo sozinha. O meu pedido de ajuda.
Procuro pessoa, ou pessoas, que queiram ajudar. Pessoas que gostem de ler, que sejam leitores ávidos e de mente aberta, que saibam oferecer uma opinião fundamentada e uma crítica construtiva. Até preferia, não sendo essencial, que fosse pessoa ou pessoas que também escrevam, que saibam do que falo, que levem a escrita a sério, que queiram ajudar e ser ajudadas, que gostem de opiniões fundamentadas e críticas construtivas. Alguém a quem perguntar o que acha desta ou daquela frase, deste ou daquele parágrafo, deste ou daquele adjectivo. Uma partilha que ajudasse mutuamente em projectos presentes e futuros. Ou uma troca de ideias entre autor e leitor, frutífera e positiva.
Quem tiver essa disponibilidade e interesse, escreva-me para blog.gotika@gmail.com .
E tu aí, que estás a ler a isto, e que conheces alguém que te está sempre a azucrinar e a pedir que lhe dês opiniões sobre o que escreve, e tu que não gostas de dar opiniões, mostra-lhe este post.
Agora fica nas mãos do destino.

Deixo-vos com um excerto do que ando a escrever. Não uma das partes de que gosto mais, pelo contrário. É precisamente um excerto que me tem dado problemas. Um daqueles excertos para os quais preciso de olhos isentos e frescos que me digam de sua justiça. Este fica já aqui, aberto a considerações.




Eric tencionava um dia ir visitar a sua prima, mas não o fizera ainda porque os seus domínios eram de difícil acesso, numa região montanhosa e rodeada de cerrada floresta, longe de tudo, e o conflito não o levara nessa direcção. Ademais, nunca as gentes das Terras Verdes tinham levantado armas contra ele, apesar de serem, oficialmente, inimigos, pelo menos desde que os seus tios tinham conspirado para matar o rei. Aquela era uma situação que, de tão nebulosa, o próprio Eric fazia questão de adiar para depois da guerra, quando vencesse e se vencesse.
Um pouco antes de raiar a madrugada da grande batalha em que se percebeu que desta vez o exército do jovem rei ia enfrentar uma aliança de inimigos, tão numerosos que o próprio Ian se mostrava apreensivo, não obstante por essa altura já ter granjeado a alcunha de o Valente, os sentinelas trouxeram a notícia de um grupo de duas centenas de homens armados que se encaminhavam do norte naquele sentido, empunhando o estandarte do Unicórnio e declarando ter vindo combater nas suas fileiras.
Eric não os viu chegar, porque era ainda noite escura, mas quando alguns cavaleiros se aproximaram da luz das tochas reconheceu a bandeira que traziam, e impressionou-o a soberba com que apresentavam, direitos e orgulhosos nas suas montadas como se desprezassem o perigo para onde se dirigiam. E irritou-o, o imaculado fulgor daquelas armaduras brilhantes, quando o seu exército espelhava o desgaste enlameado e exausto de muitas batalhas.
– Não sabia que restava ainda um homem nobre capaz de montar a cavalo nas Terras Verdes! – exclamou, incapaz de conter-se nessa hostilidade, como se perguntasse ao líder quem era e porque tinha demorado tanto se tencionava lutar do seu lado. Mas os homens permaneceram em silêncio, e um cavaleiro mais pequeno, que todos julgaram um jovem rapaz, avançou enfim por entre a barreira de guardiões que pareciam assim colocados de propósito para o proteger.
– Tens razão. Não resta um homem nobre capaz de montar a cavalo. O meu pai sofre de paralisia. Quem aqui está sou eu, Hildegaard, a tua prima. – disse ela, e levantou a viseira do seu elmo, descobrindo os olhos verdes. Eric deixou cair o queixo. Um silêncio abismado calou as bocas de todos os presentes, e não era para menos. Hildegaard vinha pronta para lutar, de armadura e espada e arco e flechas a tiracolo. – Fomos atacados. Os nossos inimigos estão naquele exército. É por isso que lutaremos neste.
– Bruxa! É uma bruxa! – gritou um padre, um daqueles que acompanhavam sempre os exércitos para confessar os homens antes de cada batalha e dar-lhes a extrema unção em caso disso, erguendo um grande crucifixo perante ela. Hildegaard não pareceu estranhar a recepção mas não escondeu a raiva que tais palavras lhe causavam. – Ide de volta para os infernos! Não queremos aqui bruxas e demónios a lançar sobre as nossas cabeças a ira de Deus!
– Cala-te, desgraçado! – exclamou então Malkom, furioso, e com os seus cabelos cor de palha a esvoaçar cavalgou até ele e arrancou-lhe o crucifixo da mão. Por momentos pareceu a todos que ponderava seriamente bater com ele na careca do padre, mas em vez disso atirou-o para longe, como se temesse ceder a essa forte tentação. – A minha ira é que vai cair sobre a tua cabeça! Estamos em menor número e todos os que quiserem lutar são bem vindos, venha até o próprio Satã e todos os demónios do inferno! Mulheres, bruxas, padres! E se não vais lutar não fazes cá falta nenhuma! Aconselho-te a fugir porque isto não vai ser bonito assim que o sol raiar e essa batina não me parece grande armadura!
A partir daí, Malkom ficou definitivamente apelidado de o Cínico. Quem o conhecia imaginava-o perfeitamente capaz de cumprir a promessa e dar as boas vindas ao diabo se este estivesse do seu lado… ou corrê-lo a pontapé se não estivesse. E naquele momento era aquele padre que ameaçava ofender os recém-chegados, bruxos ou não, que traziam cavalos e armaduras e espadas, e em tudo aparentavam ser guerreiros de valor, e tendo em conta o exército que os esperava do outro lado da colina não era tempo de ser esquisito.
O padre levantou as mãos ao céu, horrorizado, e fugiu daquele blasfemo. Ninguém o tornou a ver até à manhã seguinte. Hildegaard ficou bem impressionada, e os homens que a ladeavam, e que por momentos tinham parecido dispostos a começar a batalha logo ali, tiraram as mãos do punho das suas espadas.
Eric reparou nisso, e que a sua prima era a senhora incontestada daqueles súbditos, e tentou disfarçar a perplexidade. Aquela não era a menina simpática de que se recordava! Se calhar essa menina não tinha mesmo passado de um sonho… Reconheceu-a, mesmo assim, pelos olhos verdes e pelos cabelos louros que lhe escapavam, presos num rabo de cavalo, da parte de trás do seu elmo. De tão atordoado, mal conseguiu pronunciar uma palavra enquanto aquela rapariga de bizarros costumes e aparência arrapazada lhe explicava rapidamente o que sucedera nas suas terras. Eric quase não a ouvia. Pensava apenas que afinal sempre lhe restava uma familiar, e que não sabia sequer como agir perante ela. Pois se até o facto de se declarar sua aliada era uma tão grande surpresa!... Tinha uma imensidão de perguntas a pôr-lhe, mas não houve tempo.
Aos primeiros clarões da aurora um temível exército inimigo avançou pelo vale. Eram tão numerosos os adversários, a pé e a cavalo, que um silêncio ansioso se instalou entre os homens. Dizia-se que o exército do jovem rei, cujos guerreiros lutavam por convicção, não obstante menor em proporção valia três vezes o seu número. Era agora que se provaria se mereciam a fama que tinham conquistado. As perspectivas eram sombrias, mas não havia ali ninguém que não estivesse preparado para o perigo que defrontavam e valentemente todos tomaram as suas posições. Só então Eric percebeu que a sua prima lançava mão das suas armas para se colocar entre os arqueiros.
– Não pensas mesmo ir combater, pois não?... – interpelou-a, com tal aflição que naquele momento, se houvesse tempo para tal, a teria amarrado de pés e mãos se preciso fosse. Hildegaard, contudo, não era mulher que se amarrasse.
– São aqueles os homens que atacaram o meu castelo? – perguntou apenas, apontando com o queixo os nobres que ao longe se alinhavam atrás das suas tropas, e Eric compreendeu que nada se interporia entre ela e a vingança. – Não deviam tê-lo feito.
Isto dito, Hildegaard juntou-se aos arqueiros e ergueu o arco ao lado deles. A partir daí, no iminente início da batalha, Eric não teve outro remédio senão aceitar que estavam todos entregues à sua sorte e a única coisa que podia fazer para proteger a sua prima era vencer.
Não era só ele a pensar assim, pois ao ser dado o sinal para que a cavalaria avançasse foram os homens de Hildegaard os primeiros a investir, e tão destemidamente o fizeram, apesar do seu pequeno número, que abriram uma clareira entre o exército inimigo. Eric meditou, ao vê-los irromper daquela maneira, que devia ter sido com tal ímpeto que a mão divina partira o mar em dois. Cavalos e cavaleiros pareciam imunes, envoltos na nuvem de poeira que levantavam atrás de si, e inspiravam todos os outros que os seguiam. Ninguém ali presente jamais esqueceria a coragem dos guerreiros das Terras Verdes.
Tinha começado uma batalha longa e sangrenta. Muito mais longa do que esperavam os adversários, que se odiavam entre si, aliados somente no propósito de reunir o número bastante que abatesse de vez o jovem rei e o seu exército. E o número teve o seu peso, e as suas consequências. Naquele dia o exército do rei provou que nenhum dos seus homens se deixaria cair sem levar consigo o triplo da sua vida. Teria sido uma batalha ainda mais sangrenta não fossem as incontáveis deserções do outro lado assim que se percebeu qual era a parte mais inabalável. Mas demorou tempo, e sangue e sacrifício. No pior caos do combate, Eric perdeu de vista a sua prima, e os seus amigos, e os capitães das suas tropas. Muitos que lhe eram próximos pereceram, entre eles o nobre que tinha sido inimigo e se tornara aliado. Mas ninguém parava de lutar, e cada morte era repetidamente vingada, e os grandes números vacilaram. Confundidos pela inesperada reviravolta, quando contavam com um triunfo esmagador, os oponentes decidiram bater em retirada.
Alguns capitães queriam persegui-los mas Eric impediu-os. Ainda eram em maior número e os homens estavam demasiado cansados, e a vitória final já não lhes escapava se apenas se poupassem até ao momento certo. Aquela tinha sido uma vitória decisiva, uma vitória que instalara medo no coração dos inimigos e que os quebraria da próxima vez que se confrontassem. Por agora deviam parar, e tomar fôlego e preparar-se para ganhar a guerra. Tinha-lhe parecido tão longe, e agora estava tão perto! Tão perto que quase se podia estender a mão e agarrá-lo!

in "Elysion"


As opiniões são bem vindas.




2 comentários:

estrela666 disse...

Olá! Não sou escritora, mas sou leitora. O que tenho a dizer deste excerto, é que se o tivesse lido num site de venda de livros, já estava no carrinho! Adorei a parte do padre e do Malkom, a descrição da situação está muito boa. Confesso que o inicio foi um pouco confuso, de resto, só espero que continues e que um dia veja este livro à venda nas livrarias!

katrina a gotika disse...

Muito obrigada pelo teu comentário tão gentil!
Publiquei este excerto porque foi muito difícil de escrever. As opiniões alheias, principalmente as opiniões de alguém que não se conhece, que não é um amigo ou conhecido ou colega, são opiniões valiosíssimas. É muito difícil para um autor distanciar-se da sua obra e conseguir vê-la com objectividade, especialmente quando o autor é o pior crítico de si próprio, o que é o caso. Muitas vezes só consigo reconhecer alguma qualidade ao que faço uma dúzia de anos depois. O problema é que a vida é muito curta para se perder tanto tempo a criar distanciamento das obras, tempo que podia ser evitado se houvesse alguém com quem partilhar opiniões, como digo no post. Desta forma, o teu comentário foi valiosíssimo, e prometo não deixar que me suba à cabeça. :)
Sobre este excerto em particular, e outros que possa vir a publicar, não é de admirar que se ache confuso a princípio uma vez que são passagens tiradas de um todo maior que não pode ser publicado num blog. Compreendo que ao encontrar este tipo de excerto o leitor sinta que caiu ali de pára-quedas, como eu costumo dizer, no meio de um contexto e de personagens que desconhece. Aqui no blog, não pode ser evitado.
Sim, também gosto muito da interacção “humorística” entre Malkom e o padre. Não é meu propósito escrever humor mas, sendo quem sou, até era impossível que não acontecesse humor aqui e ali. É verdade, é sempre engraçado quando um padre ouve o que precisa de ouvir. :)
Tenciono ir publicando aqui mais excertos. Se tiveres a amabilidade de passar por aqui e ler, por favor deixa uma palavra. Mesmo que seja uma crítica, é bem vinda, acredita.
Há um capítulo nesta história que funciona de forma autónoma. Da última vez que o li pensei publicá-lo. Talvez não já, ainda quero ler mais uma vez, mas certamente um dia. Se soubesse como, podia avisar-te quando o fizer.