terça-feira, 26 de abril de 2016

“Christ The Lord Out Of Egypt”, de Anne Rice


Christ The Lord Out Of Egypt é uma novela de ficção de Anne Rice em que esta descreve os primeiros anos de Jesus, na primeira pessoa. Isto é, o próprio Jesus nos conta o relato intimista do período entre os seus 7 anos, idade em que voltou do Egipto para Nazaré, e durante o espaço do ano seguinte, até à visita ao Templo de Jerusalém onde, diz a Bíblia, Jesus teria ficado a discutir a Lei com os maiores sábios entre os Rabis.
Na verdade, a Bíblia não diz mais do que isto sobre a criança Jesus. Sabemos que, após a matança dos inocentes, Maria e José, avisados por um anjo num sonho de José, fugiram com o menino para o Egipto, de onde só regressaram após a morte do rei Herodes. Sabemos que Jesus aprendeu o ofício de carpinteiro, como José. Sabemos que a família visitou o Templo em Jerusalém onde Jesus ficou para trás, a debater com os Rabis do Templo, e quando a família, já desesperada, finalmente o encontrou, Jesus terá dito: "Porque me procuram? Não sabem que estive na casa do meu Pai?"
Anne Rice baseou-se também em evangelhos apócrifos, e inclui uma extensa nota em que descreve o grande trabalho de pesquisa que fez sobre a época, e os trabalhos académicos e religiosos que consultou sobre a vida de Jesus enquanto criança. Para os não-crentes, este livro servirá, no mínimo, para acompanhar a vida de um rapazinho e sua família nessa altura conturbada da Palestina.
Eu sou crente (gosto de dizer que tento ser Cristã, e que "tento ser" porque ser Cristão é muito difícil) e quando ouvi dizer que Anne Rice ia pôr de lado os vampiros para se dedicar a escrever a vida de Cristo, que estava "farta de escuridão e queria escrever sobre a luz", até estremeci de medo. Demorei muito tempo a preparar-me psicologicamente para o que ia ler, se bem conheço Anne Rice, temendo encontrar nestas páginas os envolvimentos românticos e controversos entre Jesus e Maria Madalena, entre Jesus e João (o apóstolo), entre Jesus e Judas... Se bem conheço Anne Rice.
Foi uma agradável surpresa que este primeiro livro da série tenha sido completamente inocente de tudo isto que imaginei. Mas polémico o suficiente, como teria sempre de ser polémica uma qualquer interpretação da vida de Jesus, criança ou adulto.
A polémica começa logo na primeira frase. Jesus fala na primeira pessoa e diz-nos que naquela idade, aos 7 anos, "what did I know?". E aqui começa a controvérsia. Anne Rice apresenta-nos um menino completamente alheio à sua natureza divina. O que não é de somenos importância, porque o debate sobre a divindade do Cristo é um assunto muito sério entre os teólogos. Este menino Jesus que Anne Rice nos apresenta não é divino, na minha opinião, mas humano, completamente humano. Sentimos por ele a empatia que podemos sentir por qualquer outra criança na situação de tentar perceber os eventos trágicos que rodearam o seu nascimento, os segredos que a família prefere guardar dele, os seus esforços, finalmente recompensados, de encontrar respostas e compreender quem é.
Jesus não tem qualquer intuição de quem é. Intrigam-no os milagres que realiza, as curas, as ressurreições, os milagres menores como pedir que deixe de chover e a chuva lhe obedecer. Intriga-o que da sua família não encontre nenhuma explicação, que mais perplexos do que ele Maria e José o aconselhem a guardar em segredo o seu poder e a não falar dele a ninguém. Jesus é uma criança muito confusa. Em certas passagens, Jesus é um menino aterrorizado pela guerra que atravessa Israel na sequência da morte do rei Herodes. Não era esta a minha ideia de Jesus, nem em criança, mas a representação de Anne Rice parece-me razoável. (Mesmo assim, não sei se concordo. Não era assim que via Jesus e não será assim que passarei a vê-lo.) Mas reconheci Jesus em certas passagens. Quando chegam a Nazaré, e alheio aos horrores da guerra à sua volta, o menino sente uma paz que transcende todo o pensamento: a paz de Cristo. Quando no regresso ao Templo Jesus deseja tanto entrar no Santo dos Santos, onde Jeová está presente, que os pensamentos o transportam até lá, numa viagem transcendental muito à maneira oriental, para lá do pátio, para lá do véu, para lá do Santo dos Santos, e ainda mais além, até Deus. Sem saber, sem imaginar, que naquele momento nada existe de mais divino naquele Templo do que a sua pessoa, e que o Templo, que o Jesus-criança admira e acha tão glorioso, e que o Santo dos Santos, nada são perante o Rei dos Céus que se senta à direita do Pai. Como é que Jesus poderia não o saber, não o intuir? Como poderia faltar-lhe algo da omnisciência divina que vem do Pai? O Jesus-criança de Anne Rice é acima de tudo humano, um Jesus-humano que faz milagres sem querer, por quem todos nos podemos enternecer, mas Anne Rice deve saber (por muito bem intencionada, como eu completamente acredito que o estivesse, porque se sente na obra uma humildade e uma espiritualidade de quem acredita no que está a dizer) que esta não é uma interpretação livre de controvérsia.
Outro problema que encontrei nesta obra é a personagem de Maria. José é exactamente o que eu esperava dele, sem tirar nem pôr. Anne Rice preferiu enveredar pela tradição católica de Maria sempre virgem, indicando que o casamento com José nunca foi consumado, nem antes de Jesus nem depois de Jesus, e que os irmãos de Jesus, de que fala a Bíblia, são irmãos adoptivos, um deles do primeiro casamento de José e alguns outros primos órfãos que sendo criados por Maria podiam mais tarde ter sido chamados de irmãos de Jesus. Em suma, Maria, puríssima, nunca conheceu carnalidade. Ora... (Não, nem vou por aí.) O que direi de Maria, sem perceber se Anne Rice fez isto de propósito ou não, é que me parece uma jovem mulher à beira de um ataque de nervos. É certo que ela dá o consentimento ao anjo "Faça-se em mim conforme a vontade do Senhor", mas tudo o resto me dá a entender que Maria tem um calado rancor ao que lhe aconteceu, ao que lhe estragou a reputação e a vida, ao que lhe estragou o casamento. Tenho a sensação, à medida que vou lendo, que a qualquer momento Maria vai agarrar os cabelos e desatar a gritar histericamente. Não vejo nela, nada de nada, a Maria Sereníssima. Sinceramente, até tive pena da personagem. Não sabemos, da Bíblia, quem era Maria na intimidade, mas sempre a imaginei alguém profundamente religioso, uma jovem tão devotada a Deus que foi por isso a escolhida, a abençoada entre as mulheres, o que na Idade Média se chamava uma "mística", uma santa, com visões e tudo. A Maria de Anne Rice também não percebe muito bem o que lhe aconteceu. E a minha sensação, errada ou não, é de que não gosta do que lhe aconteceu.
Outro aspecto digno de nota, pela sua possibilidade de polémica, é a família de Jesus. Não faço ideia de como era a espiritualidade dos judeus na época de Cristo, mas a família de Jesus, segundo o livro, era tão religiosa que nos nossos dias lhe chamaríamos fanática. Toda a vida daquela família, das orações da manhã às orações da noite, revolvia em torno das Escrituras, da Lei, da sinagoga. Seria fácil, para os críticos, atribuírem àquilo que hoje nos parece fanatismo as visões de anjos, a influência religiosa no pequeno Jesus, a sua inevitável conclusão de que é o Filho de Deus, o seu delírio religioso que o levaria à execução como Rei dos Judeus. Partidários desta opinião considerarão que os milagres foram alucinações ou pura e simplesmente não aconteceram.
Mas arriscando tudo isto, a própria Anne Rice diz, na nota de autora:
 "I wanted to write the life of Jesus Christ. I had known that years ago. But now I was ready. I was ready to do violence to my career. I wanted to write the book in the first person. Nothing else mattered. I consecrated the book to Christ. I consecrated myself and my work to Christ. I didn't know exactly how I was going to do it."
Mas fez, e explica porque o fez, quase como numa necessidade, digo eu, de proclamar desta forma o evangelho, o que é um dever de todos os cristãos, da maneira que ela sabe fazer melhor, pela escrita.
Não sei, não faço ideia, se a leitura deste livro terá alguma influência nos não-crentes. Em mim, teve apenas a influência que aqui exponho, o confronto entre as minhas próprias ideias sobre a Sagrada Família e a interpretação de Anne Rice, mas a minha opinião quase não conta porque Anne Rice, no meu caso, está a pregar para o coro (eu já estou convertida). Não aconselho este livro aos leitores do trabalho mais bem conhecido de Anne Rice, as Vampire Chronicles, se acharam que os momentos religiosos não tinham ali razão de ser. Não aconselho a quem leu Memnoch e não gostou por achar o livro demasiado religioso. Christ The Lord Out Of Egypt é religioso, e quem não estiver interessado em religião não conseguirá, acho eu, suportar as cerca de 120 páginas a contar a vida da criança-Jesus. Posso estar enganada, mas não me parece. Aconselho exactamente aos outros, aos que leram Memnoch e gostaram, aos crentes, aos que se interessam por religião.
Por falar em Memnoch, e como não podia deixar de ser, digo eu que conheço Anne Rice, um dos episódios mais empolgantes do livro é quando Jesus tem um sonho perturbador com um ser lindíssimo e alado que lhe coloca questões a que o próprio Jesus não sabe responder. O ser alado também não sabe quem ele é, o que demonstra o grau de afastamento entre Lúcifer e os planos divinos. Pois, claro, este ser alado é Lúcifer, e basta ele aparecer para reconhecermos o melhor de Anne Rice em todo o seu esplendor. Anne Rice escreve melhor sobre a escuridão. Nada a fazer.
Mas não sei se esta obra é exactamente o que ela disse, uma "obra sobre a Luz". Eu achei-a algo triste e até abaladora, aqui e ali. E pensei, quando vi o reduzido tamanho do livro, que era pequeno. Mas o conteúdo, estranhamente, tão intenso e tão profundo, torna-o grande, imenso. Fiquei convencida, e tenciono ler os livros seguintes desta série apesar de todas as minhas reservas quanto à interpretação pessoal da autora.




sábado, 16 de abril de 2016

Ajuda e partilha

Preciso de ajuda com um projecto literário. Nem sei porque é que não me lembrei disto mais cedo, dizê-lo aqui, neste blog que já me deu tantas alegrias. Talvez só agora tenha chegado a esse ponto de cansaço (ou desespero).
Há alguns anos que ando a escrever uma história e sinto que perco demasiado tempo a fazer tudo sozinha. A escrita, a revisão, a espera até conseguir o suficiente distanciamento para nova leitura e nova revisão. Seria tão útil ter um par de olhos, isentos e frescos, que me apontassem o que muitas vezes me demora anos a ver. Desde gralhas a sobressaltos na transição de um parágrafo para outro, a proximidade do autor cega-o ao que salta à vista a um leitor experiente.
Então, a minha tentativa de não ter de fazer tudo sozinha. O meu pedido de ajuda.
Procuro pessoa, ou pessoas, que queiram ajudar. Pessoas que gostem de ler, que sejam leitores ávidos e de mente aberta, que saibam oferecer uma opinião fundamentada e uma crítica construtiva. Até preferia, não sendo essencial, que fosse pessoa ou pessoas que também escrevam, que saibam do que falo, que levem a escrita a sério, que queiram ajudar e ser ajudadas, que gostem de opiniões fundamentadas e críticas construtivas. Alguém a quem perguntar o que acha desta ou daquela frase, deste ou daquele parágrafo, deste ou daquele adjectivo. Uma partilha que ajudasse mutuamente em projectos presentes e futuros. Ou uma troca de ideias entre autor e leitor, frutífera e positiva.
Quem tiver essa disponibilidade e interesse, escreva-me para blog.gotika@gmail.com .
E tu aí, que estás a ler a isto, e que conheces alguém que te está sempre a azucrinar e a pedir que lhe dês opiniões sobre o que escreve, e tu que não gostas de dar opiniões, mostra-lhe este post.
Agora fica nas mãos do destino.

Deixo-vos com um excerto do que ando a escrever. Não uma das partes de que gosto mais, pelo contrário. É precisamente um excerto que me tem dado problemas. Um daqueles excertos para os quais preciso de olhos isentos e frescos que me digam de sua justiça. Este fica já aqui, aberto a considerações.




Eric tencionava um dia ir visitar a sua prima, mas não o fizera ainda porque os seus domínios eram de difícil acesso, numa região montanhosa e rodeada de cerrada floresta, longe de tudo, e o conflito não o levara nessa direcção. Ademais, nunca as gentes das Terras Verdes tinham levantado armas contra ele, apesar de serem, oficialmente, inimigos, pelo menos desde que os seus tios tinham conspirado para matar o rei. Aquela era uma situação que, de tão nebulosa, o próprio Eric fazia questão de adiar para depois da guerra, quando vencesse e se vencesse.
Um pouco antes de raiar a madrugada da grande batalha em que se percebeu que desta vez o exército do jovem rei ia enfrentar uma aliança de inimigos, tão numerosos que o próprio Ian se mostrava apreensivo, não obstante por essa altura já ter granjeado a alcunha de o Valente, os sentinelas trouxeram a notícia de um grupo de duas centenas de homens armados que se encaminhavam do norte naquele sentido, empunhando o estandarte do Unicórnio e declarando ter vindo combater nas suas fileiras.
Eric não os viu chegar, porque era ainda noite escura, mas quando alguns cavaleiros se aproximaram da luz das tochas reconheceu a bandeira que traziam, e impressionou-o a soberba com que apresentavam, direitos e orgulhosos nas suas montadas como se desprezassem o perigo para onde se dirigiam. E irritou-o, o imaculado fulgor daquelas armaduras brilhantes, quando o seu exército espelhava o desgaste enlameado e exausto de muitas batalhas.
– Não sabia que restava ainda um homem nobre capaz de montar a cavalo nas Terras Verdes! – exclamou, incapaz de conter-se nessa hostilidade, como se perguntasse ao líder quem era e porque tinha demorado tanto se tencionava lutar do seu lado. Mas os homens permaneceram em silêncio, e um cavaleiro mais pequeno, que todos julgaram um jovem rapaz, avançou enfim por entre a barreira de guardiões que pareciam assim colocados de propósito para o proteger.
– Tens razão. Não resta um homem nobre capaz de montar a cavalo. O meu pai sofre de paralisia. Quem aqui está sou eu, Hildegaard, a tua prima. – disse ela, e levantou a viseira do seu elmo, descobrindo os olhos verdes. Eric deixou cair o queixo. Um silêncio abismado calou as bocas de todos os presentes, e não era para menos. Hildegaard vinha pronta para lutar, de armadura e espada e arco e flechas a tiracolo. – Fomos atacados. Os nossos inimigos estão naquele exército. É por isso que lutaremos neste.
– Bruxa! É uma bruxa! – gritou um padre, um daqueles que acompanhavam sempre os exércitos para confessar os homens antes de cada batalha e dar-lhes a extrema unção em caso disso, erguendo um grande crucifixo perante ela. Hildegaard não pareceu estranhar a recepção mas não escondeu a raiva que tais palavras lhe causavam. – Ide de volta para os infernos! Não queremos aqui bruxas e demónios a lançar sobre as nossas cabeças a ira de Deus!
– Cala-te, desgraçado! – exclamou então Malkom, furioso, e com os seus cabelos cor de palha a esvoaçar cavalgou até ele e arrancou-lhe o crucifixo da mão. Por momentos pareceu a todos que ponderava seriamente bater com ele na careca do padre, mas em vez disso atirou-o para longe, como se temesse ceder a essa forte tentação. – A minha ira é que vai cair sobre a tua cabeça! Estamos em menor número e todos os que quiserem lutar são bem vindos, venha até o próprio Satã e todos os demónios do inferno! Mulheres, bruxas, padres! E se não vais lutar não fazes cá falta nenhuma! Aconselho-te a fugir porque isto não vai ser bonito assim que o sol raiar e essa batina não me parece grande armadura!
A partir daí, Malkom ficou definitivamente apelidado de o Cínico. Quem o conhecia imaginava-o perfeitamente capaz de cumprir a promessa e dar as boas vindas ao diabo se este estivesse do seu lado… ou corrê-lo a pontapé se não estivesse. E naquele momento era aquele padre que ameaçava ofender os recém-chegados, bruxos ou não, que traziam cavalos e armaduras e espadas, e em tudo aparentavam ser guerreiros de valor, e tendo em conta o exército que os esperava do outro lado da colina não era tempo de ser esquisito.
O padre levantou as mãos ao céu, horrorizado, e fugiu daquele blasfemo. Ninguém o tornou a ver até à manhã seguinte. Hildegaard ficou bem impressionada, e os homens que a ladeavam, e que por momentos tinham parecido dispostos a começar a batalha logo ali, tiraram as mãos do punho das suas espadas.
Eric reparou nisso, e que a sua prima era a senhora incontestada daqueles súbditos, e tentou disfarçar a perplexidade. Aquela não era a menina simpática de que se recordava! Se calhar essa menina não tinha mesmo passado de um sonho… Reconheceu-a, mesmo assim, pelos olhos verdes e pelos cabelos louros que lhe escapavam, presos num rabo de cavalo, da parte de trás do seu elmo. De tão atordoado, mal conseguiu pronunciar uma palavra enquanto aquela rapariga de bizarros costumes e aparência arrapazada lhe explicava rapidamente o que sucedera nas suas terras. Eric quase não a ouvia. Pensava apenas que afinal sempre lhe restava uma familiar, e que não sabia sequer como agir perante ela. Pois se até o facto de se declarar sua aliada era uma tão grande surpresa!... Tinha uma imensidão de perguntas a pôr-lhe, mas não houve tempo.
Aos primeiros clarões da aurora um temível exército inimigo avançou pelo vale. Eram tão numerosos os adversários, a pé e a cavalo, que um silêncio ansioso se instalou entre os homens. Dizia-se que o exército do jovem rei, cujos guerreiros lutavam por convicção, não obstante menor em proporção valia três vezes o seu número. Era agora que se provaria se mereciam a fama que tinham conquistado. As perspectivas eram sombrias, mas não havia ali ninguém que não estivesse preparado para o perigo que defrontavam e valentemente todos tomaram as suas posições. Só então Eric percebeu que a sua prima lançava mão das suas armas para se colocar entre os arqueiros.
– Não pensas mesmo ir combater, pois não?... – interpelou-a, com tal aflição que naquele momento, se houvesse tempo para tal, a teria amarrado de pés e mãos se preciso fosse. Hildegaard, contudo, não era mulher que se amarrasse.
– São aqueles os homens que atacaram o meu castelo? – perguntou apenas, apontando com o queixo os nobres que ao longe se alinhavam atrás das suas tropas, e Eric compreendeu que nada se interporia entre ela e a vingança. – Não deviam tê-lo feito.
Isto dito, Hildegaard juntou-se aos arqueiros e ergueu o arco ao lado deles. A partir daí, no iminente início da batalha, Eric não teve outro remédio senão aceitar que estavam todos entregues à sua sorte e a única coisa que podia fazer para proteger a sua prima era vencer.
Não era só ele a pensar assim, pois ao ser dado o sinal para que a cavalaria avançasse foram os homens de Hildegaard os primeiros a investir, e tão destemidamente o fizeram, apesar do seu pequeno número, que abriram uma clareira entre o exército inimigo. Eric meditou, ao vê-los irromper daquela maneira, que devia ter sido com tal ímpeto que a mão divina partira o mar em dois. Cavalos e cavaleiros pareciam imunes, envoltos na nuvem de poeira que levantavam atrás de si, e inspiravam todos os outros que os seguiam. Ninguém ali presente jamais esqueceria a coragem dos guerreiros das Terras Verdes.
Tinha começado uma batalha longa e sangrenta. Muito mais longa do que esperavam os adversários, que se odiavam entre si, aliados somente no propósito de reunir o número bastante que abatesse de vez o jovem rei e o seu exército. E o número teve o seu peso, e as suas consequências. Naquele dia o exército do rei provou que nenhum dos seus homens se deixaria cair sem levar consigo o triplo da sua vida. Teria sido uma batalha ainda mais sangrenta não fossem as incontáveis deserções do outro lado assim que se percebeu qual era a parte mais inabalável. Mas demorou tempo, e sangue e sacrifício. No pior caos do combate, Eric perdeu de vista a sua prima, e os seus amigos, e os capitães das suas tropas. Muitos que lhe eram próximos pereceram, entre eles o nobre que tinha sido inimigo e se tornara aliado. Mas ninguém parava de lutar, e cada morte era repetidamente vingada, e os grandes números vacilaram. Confundidos pela inesperada reviravolta, quando contavam com um triunfo esmagador, os oponentes decidiram bater em retirada.
Alguns capitães queriam persegui-los mas Eric impediu-os. Ainda eram em maior número e os homens estavam demasiado cansados, e a vitória final já não lhes escapava se apenas se poupassem até ao momento certo. Aquela tinha sido uma vitória decisiva, uma vitória que instalara medo no coração dos inimigos e que os quebraria da próxima vez que se confrontassem. Por agora deviam parar, e tomar fôlego e preparar-se para ganhar a guerra. Tinha-lhe parecido tão longe, e agora estava tão perto! Tão perto que quase se podia estender a mão e agarrá-lo!

in "Elysion"


As opiniões são bem vindas.