domingo, 24 de novembro de 2013

“O Livro dos Espíritos” – Conclusão

Quando comecei a fazer esta série de comentários não contava escrever uma conclusão. Mas o “O Livro dos Espíritos” é uma obra religiosa e merece alguns reparos finais.

Se alguma coisa do que aqui disse ofendeu ou melindrou ou desgostou qualquer espírita praticante (que tenha aqui chegado, por exemplo, através de uma busca qualquer), nunca foi essa a intenção. Os meus comentários inscrevem-se no estilo do blog, sempre crítico e sempre sarcástico e sem papas na língua, mas respeito todas as religiões que pugnem pelo Bem, independentemente das minhas opiniões pessoais.
Simpatizo com o Espiritismo, e penso mesmo ler mais obras da doutrina, mas não é caminho para mim. Se por agora ou para sempre, não sei.

Se alguma coisa do que disse ofendeu algum Espírito (ainda desencarnado ou já reincarnado), bem, vamos ter muito tempo de resolver essas diferenças, um dia mais tarde, certo?

Se alguma coisa do que disse ofendeu Deus... Então ninguém tem nada a ver com isso. É entre mim e Ele.


Gostei, confesso, destas conversas com Espíritos que as ditaram algures antes de 1857, e das discrepâncias e das semelhanças de ideias entre nós apesar de mais de um século nos separar. Toda esta serie de posts foi previamente agendada, pelo que não sei, no momento em que escrevo, se mais pessoas se juntaram às conversas. Por acaso teria apreciado que a série de posts tivesse suscitado comentários. Quando chegarmos a este momento, no futuro, se verá.
Algo está muito mal quando as conversas mias interessantes que alguém consegue ter é consigo mesmo. Era bom que mais alguém as apreciasse.

É tudo.
Que a leitura de “O Livro dos Espíritos” faça os seus leitores pensarem, e meditarem, e concluírem.





quarta-feira, 20 de novembro de 2013

“O Livro dos Espíritos” – Morte

O tema é a morte. Vou deixar falar os mortos.

Capítulo “Lei da destruição”


Uma vez que a morte deve nos conduzir a uma vida melhor, que nos livra dos males desta, e, por isso, mais deveria ser desejada do que temida, porque o homem tem um horror instintivo que o faz temê-la? [pergunta]
– Já dissemos, o homem deve procurar prolongar a vida para cumprir sua tarefa; eis porque Deus lhe deu o instinto de conservação, que o sustenta nas provas; sem isso, muitas vezes se deixaria levar pelo desencorajamento. A voz secreta que o faz temer a morte lhe diz que ainda pode fazer alguma coisa para o seu adiantamento. Quando um perigo o ameaça, é uma advertência para que aproveite o tempo e a morada que Deus lhe concede. Mas, ingrato! Rende mais vezes graças à sua estrela do que ao seu Criador.

Nunca tinha pensado nisto assim: prolongar a vida para cumprir a tarefa.


Capítulo “Fatalidade”


Haverá fatalidade nos acontecimentos da vida, conforme o sentido que se dá a essa apalavra, ou seja, todos os acontecimentos são predeterminados? Nesse caso, como fica o livre-arbítrio? [pergunta]
– A fatalidade existe apenas na escolha que o Espírito fez ao encarnar e suportar esta ou aquela prova. E da escolha resulta uma espécie de destino, que é a própria consequência da posição que ele próprio escolheu e em que se acha. Falo das provas de natureza física, porque, quanto às de natureza moral e às tentações, o Espírito, ao conservar o seu livre-arbítrio quanto ao bem e ao mal, é sempre senhor para ceder ou resistir. (…)

Há pessoas que parecem ser perseguidas por uma fatalidade, independentemente do seu modo de agir; a infelicidade não é um destino? [pergunta]
– São, talvez, provas que devem suportar e que escolheram. Mas definitivamente não deveis acusar o destino pelo que, frequentemente, é apenas a consequência de vossas próprias faltas. Nos males que vos afligem, esforçai-vos para que vossa consciência seja pura, e já vos sentireis bastante consolados.

O Espírito sabe por antecipação como desencarnará? [pergunta]
– Sabe que o género de vida escolhido o expõe a desencarnar mais de uma maneira do que de outra. Sabe igualmente quais as lutas que terá de enfrentar para evitá-la e, se Deus o permitir, não fracassará.

Há homens que enfrentam os perigos dos combates com a convicção de que a sua hora não chegou; há algum fundamento nessa confiança? [pergunta]
– Frequentemente, o homem tem o pressentimento do seu fim, como pode ter o de que não morrerá ainda. Esse pressentimento vem por meio dos seus protectores*, que querem adverti-lo para estar pronto para partir, ou estimulam sua coragem nos momentos em que é mais necessária. Pode vir ainda pela intuição que tem da existência escolhida, ou da missão que aceitou e sabe que deve cumprir.

* Espíritos protectores que acompanham a existência de cada um de nós. Semelhante à noção de “anjo da guarda”. [Nota minha]


Porque os que pressentem a morte a temem menos que os outros? [pergunta]
– É o homem que teme a morte e não o Espírito; aquele que a pressente pensa mais como Espírito do que como homem: ela a compreende como sua libertação e a espera.

   

Capítulo “Medo da morte”


O medo da morte é para muitas pessoas um motivo de perplexidade; de onde vem esse medo, se têm o futuro diante de si? [pergunta]
– É um erro terem esse medo. Mas o que quereis! Procura-se convencê-las desde crianças de que existe um inferno e um paraíso, e que é mais certo irem para o inferno, porque lhe dizem que ao agirem de acordo com a natureza cometem um pecado mortal para a alma: então, quando se tornam adultas, se têm algum discernimento, não podem admitir isso, e tornam-se ateus ou materialistas. É assim que se conduzem as pessoas a crer que além da vida presente não há mais nada, e as que persistiram nas suas crenças de infância temem esse fogo eterno que deve queimá-las sem destruí-las.
A morte, entretanto, não inspira ao justo nenhum temor, porque, com a fé, tem a certeza do futuro; a esperança lhe faz esperar uma vida melhor, e a caridade que praticou dá-lhe a certeza de que não encontrará no mundo para onde vai nenhum ser do qual deva temer o olhar.




Capítulo “Intuição das penalidades e prazeres futuros”


No momento da morte, qual é o sentimento que domina a maioria dos homens? A dúvida, o medo ou a esperança? [pergunta]
– A dúvida para os descrentes endurecidos, o medo para os culpados, a esperança para os homens de bem.

Quanto a mim, a curiosidade. Uma curiosidade que não será satisfeita se não houver nada para ver. Se houver algo para ver, dúvidas, medos, esperanças (ou desapontamentos), tudo isso é para depois da curiosidade. Prefiro assim. Sem expectativas.


Porque existem descrentes, uma vez que a alma traz ao homem o sentimento das coisas espirituais? [pergunta]
– Existem menos do que se acredita; muitos se fazem espíritos fortes durante a vida por orgulho, mas no momento da morte não são tão fanfarrões.

Muito boa pergunta.

Excelente resposta.


Capítulo “Natureza das penalidades e prazeres futuros”


O laço de simpatia que une os Espíritos da mesma ordem é para eles uma fonte de felicidade? [pergunta]
– A união dos Espíritos que simpatizam com o bem é, para eles, um dos maiores prazeres, porque não temem ver essa união perturbada pelo egoísmo. Eles formam, no mundo espiritual, famílias com o mesmo sentimento, e nisso consiste a felicidade espiritual, assim como na Terra vos agrupais por categorias e sentis um certo prazer quando estais reunidos. A afeição pura e sincera que sentem e da qual são os agentes é uma fonte de felicidade, porque lá não há falsos amigos nem hipócritas.

A minha permanência na Terra já deve ir muito longa porque não há maneira para mim de acreditar nisto.
A não ser que estejamos a falar de Espíritos que já não são seres humanos, em que o homem se transforme noutra coisa superior ao humano, e aí o caso é outro. Se melhor ou pior... É o mesmo que conjecturar sobre extraterrestres. Talvez. Mas já não são humanos, pois não?


Existe para a condição futura do Espírito uma diferença entre aquele que durante a vida temia a morte e outro que a encarava com indiferença e até mesmo alegria? [pergunta]
– A diferença pode ser muito grande; entretanto, acaba frequentemente diante das causas que geram esse medo ou esse desejo. Tanto quem a teme quanto quem a deseja pode estar movido por sentimentos muito diferentes e são esses sentimentos que influem na condição do Espírito. É evidente, por exemplo, naquele que deseja a morte unicamente porque vê nela o fim de suas aflições, revelar-se uma espécie de revolta contra a Providência e contra as provas que deve suportar.

Esta foi a resposta mais próxima à pergunta que ninguém n'"O Livros dos Espíritos" se atreveu a fazer. E a pergunta é esta: o que acontece se alguém quiser sair do jogo? Se alguém olhar para trás do pano, e conhecer as regras, e se fartar das provas ou discordar da perfeição e pedir o fim? O verdadeiro fim. Segundo a resposta (à pergunta que não se fez, quer porque ninguém estava interessado no fim, quer por medo de a fazer), é a "revolta contra a Providência". Compreende-se que haja medo em fazer a pergunta. Pode ser a última pergunta que se faz.






domingo, 17 de novembro de 2013

Conclusões existenciais (sobre a pobreza)

As pessoas que dizem que gostam do frio devem ter ricas casinhas aquecidas para onde voltar. Ou pior, devem ter daqueles casarões com lareira e tudo. Não devem saber o que é estar a escrever a um teclado com os dedos gelados. Não devem saber que até dói pensar em tomar banho porque é preciso tirar a roupa numa casa de banho gelada. Não devem saber que até dói pensar em despir a roupa e vestir o pijama pela mesma razão. E outras coisas que me levam a concluir que não sabem mesmo o que é passar frio.
Gostar do frio deve ser assim, tipo, um passeio na neve, muito divertido. Como ir à praia.

Se eu tivesse percebido isto aos 15 anos, e não aos 40, teria mudado alguma coisa?...
Ou, o que interessa mais: teria mudado alguma coisa para melhor?
Talvez não. Talvez a minha ignorância [ou subconsciente ignorância] tenha sido um mecanismo de sobrevivência. De que já não necessito. Tudo é tão mais simples quando o mundo já não tem importância.

... / ...

Este post era para ficar por aqui e chamar-se apenas "conclusão existencial" mas parece que hoje estou numa de dizer umas verdades.
Aqui há uns tempos, no último ano, a propósito da crise, vejo na televisão um marmanjo da minha idade a queixar-se, muito indignado, ao presidente da república, que agora já não tinha casa e era obrigado a morar no local de trabalho (empresa dele próprio, isto é).
Na verdade, esta crise fez-me perceber como a maioria das pessoas estão mal habituadas, muito mal habituadas. No reverso da medalha, fez-me perceber como eu sou miserável, como eu sempre fui tão miserável. E como eu não percebi o miserável que era na idiotice de me julgar igual aos outros.
Pois eu nasci e cresci num escritório. O meu pai tinha uma oficina e a nossa casa era o escritório. Isto, para mim, era a realidade. Às vezes perguntava-me para onde iam os outros meninos quando as lojas fechavam. (Este post já está a tomar-me tempo a mais para o que quero dispor nele, mas cá vai.) Os outros meninos, quando não estavam na escola, iam para as lojas da rua onde os pais trabalhavam. Não havia cá creches para ninguém e amas eram só para os ricos. Estes meninos de que falo não eram ricos, eram a maioria. Durante o dia andavam na rua, comigo, ou andávamos pelas lojas dos pais deles. Devo-me ter perguntado, embora não me lembre, mas devo-me ter perguntado, para onde é que eles iam quando fechava a mercearia, quando fechava a drogaria, quando fechava a papelaria. Eu, no escritório e na oficina, estava sempre em casa. Até atendia os clientes ao telefone! Mas não pensava no assunto. Se calhar nem me passava pela cabeça que eles tinham uma casa, da maneira que as pessoas entendem ter uma casa, para onde se vai, depois do trabalho ou da escola. As minhas ambições eram muito mais limitadas. Ter uma Tucha (para quem não sabe, era uma imitação mal-amanhada da Barbie) já me fazia as delícias. Desde que eu tivesse uma Tucha, como elas, e uma colecção de carrinhos, como eles, estava toda feliz. Casa para ir depois do trabalho? Nem me passava pela cabeça!
Depois ouço este gajo queixar-se que tem de viver na empresa... Enfim, ri-me. Tive de me rir. E se tivesse de tomar banho numa oficina malcheirosa, cheia de aranhas e centopeias (para não falar dos ratos, de que nunca desgostei), o que não se queixaria?... Sei lá, deu-me para rir.
Ainda nesta onda de reflexões, tive o meu primeiro quarto, um quarto só para mim, já depois dos vinte anos. Nesse dia, ao telefone com o meu namorado, disse-lhe: "Nem imaginas como me sinto feliz por ter um quarto! É que me sinto muito melhor!", e ele respondeu-me: "Que parvoíce! Ninguém se sente melhor por ter um quarto!"
Eu calei-me, e senti-me estúpida, e não percebi porque me senti estúpida. Envergonhada. Envergonhada, mesmo, por me estar a sentir feliz por ter um quarto.
É claro que este menino sempre teve um quarto, onde cabiam duas ou três famílias, cama de casal e grande roupeiro, aparelhagem, tudo.
E depois pergunto-me, como é que eu não percebi que não era possível, que não ia dar?! Que não posso imaginar sequer que as pessoas percebam, porque sempre tiveram tudo?...

Mas não sabiam que tinham tudo. Da mesma maneira que eu não sabia que não tinha nada. Isto é que é assombroso! Verdadeiramente assombroso!

Como as pessoas sempre viveram noutro mundo, até as pessoas da minha própria família, como por exemplo a minha tia quando me ofereceu sais de banho tendo a obrigação de saber que eu não tenho banheira! E eu perguntei-lhe: "e faço o quê, com isto?..." Está bem, a mulher tem desculpa, não bate muito bem da cabeça. Mas a sério, sais de banho? Para um escalda-pés na bacia, quiçá?...
Também houve aqueles imigrantes em França, amigos dos meus pais, era eu miúda, que resolveram trazer-me um disco com um êxito infantil qualquer. É difícil não associar estas duas memórias, porque eu não tinha gira discos! A cara com que eles ficaram! (Não interessa também, porque a minha avó tinha gira discos e eu pude ouvir aquilo uma ou duas vezes antes de decidir que era uma porcaria. Ainda se fossem os Abba!) Mas a cara daquela gente, quando lhes disse: "Não tenho onde ouvir."! Impagável! Verdadeiramente impagável!

Mas a melhor de todas foi a da torneira. Acreditem ou não, durante alguns anos da minha adolescência tive de viver sem uma torneira. Era uma casa completamente degradada, não tinha casa de banho, só uma pia redonda (daquelas de buraco no mármore). Onde tomava banho? Na oficina, pois claro! Mas seguindo em frente. Não havia torneira. Abria-se directamente o cano, enchia-se o jarro de água (um daqueles jarros plásticos verdes com a boca em forma de jarro vegetal, muito populares na altura) e depois lavava-se a cara na bacia. Só se abria o cano uma vez por dia. Ah, sim, e a água era sempre fria. De inverno, gelada!
Finalmente, lá se arranjou uma torneira. Estranho que pareça, eu sempre tive muitos amigos. Que iam a minha casa, esta casa. Esta amiga em particular era mais do que uma amiga, mas não interessa nada agora, e eu mostrei-lhe a torneira. Ela gozou, por eu estar feliz por finalmente ter uma torneira e poder abri-la várias vezes ao dia e não precisar do jarro, e eu ri-me também. Porque me ri? Porque achei ridículo. Estava-me a rir como se não fosse eu naquela situação. Como se eu fosse como ela, com torneiras de água quente e fria, e banheira e tudo. A ponto de gozar com a minha torneira! Mas no fundo, no fundo, acho que também me ria para ela não perceber que eu estava envergonhada. Acho que me ria para eu não perceber que eu estava envergonhada.
Aquilo era muito giro, para ela. Devia ser também como um passeio à neve, uma ida à praia. E eu a fingir que era divertido para mim também. Original. Excêntrico. Não ter uma torneira, não é giro?

É assombroso, perfeitamente assombroso, como eles não viam a diferença. Como eu não via a diferença. Mas foi melhor assim. Que eu me risse. Enquanto houve paciência para me rir. Acho que se gastou, e a paciência não é coisa que se compre com dinheiro.

E agora já gastei muito tempo com isto.





sábado, 16 de novembro de 2013

“O Livro dos Espíritos” – Infelicidade

Capítulo “Os deficientes mentais e a loucura”


Qual pode ser o mérito da existência para seres que, como os loucos e os deficientes mentais, não podendo fazer o bem nem o mal, não podem progredir? [pergunta]
– É uma expiação obrigatória pelo abuso que fizeram de certas faculdades; é um tempo de prisão.

A superioridade moral nem sempre está em razão da superioridade intelectual, e os maiores génios podem ter muito para expiar. Daí resulta frequentemente para eles uma existência inferior à que tiveram e causa de sofrimentos. [Allan Kardec]


Porque a loucura leva algumas vezes ao suicídio? [pergunta]
– O Espírito sofre com o constrangimento e a impossibilidade de se manifestar livremente, por isso procura na morte um meio de romper seus laços.
  
Capítulo “Felicidade e infelicidade relativas”


Porque, na sociedade, as classes sofredoras são mais numerosas do que as felizes? [pergunta]
– Nenhuma é perfeitamente feliz, e o que se acredita ser felicidade esconde frequentemente grandes aflições. O sofrimento está por toda a parte. Entretanto, para responder ao vosso pensamento, direi que as classes que chamais de sofredoras são mais numerosas porque a Terra é um lugar de expiação. Quando o homem fizer dela morada do bem e dos bons Espíritos, não será mais infeliz e viverá no paraíso terrestre.

A Terra é um lugar de expiação. Para uns mais do que para outros. Mas volto ao que disse no princípio destes comentários: isto, aqui, não é bom. As próprias lei da natureza o tornam um lugar de crueldade, de dor, de sofrimento, de doença e de morte. Há quem consiga fechar os olhos a isto. Há quem não consiga. Não são loucos os que não fecham os olhos. Do que se fala aqui é o mesmo do que se fala em "Memnoch" de Anne Rice, que lhe chama o "jardim selvagem". Eu chamo-lhe outra coisa.

  
Capítulo “Decepção. Ingratidão. Afeições destruídas”

  
As decepções causadas pela ingratidão e a fragilidade da amizade também não são para o homem de coração uma fonte de amargura? [pergunta]
– Sim, mas já vos ensinámos a lastimar os ingratos e amigos infiéis: eles serão mais infelizes que vós. A ingratidão é filha do egoísmo, e o egoísmo encontrará mais tarde corações insensíveis, como ele mesmo foi. Pensai em todos que fizeram mais o bem do que vós, que valeram muito mais do que vós, e que foram pagos com ingratidão. (…)

Esse pensamento não impede o seu coração de ser magoado; portanto, isso não poderia originar a ideia de que seria mais feliz se fosse menos sensível? [pergunta]
– Sim, se preferir a felicidade do egoísta, que é muito triste! Que ele saiba que os amigos ingratos que o abandonam não são dignos da sua amizade e que se enganou sobre eles; portanto, não deve lamentar sua perda. Mais tarde, encontrará outros que o compreenderão melhor. Lamentai aqueles que têm para convosco um comportamento ingrato que não merecestes, porque terão amarga recompensa, um triste retorno; e também não vos aflijais com isso: é o meio de vos colocar acima deles.

Nunca foi para mim consolação esta espécie de vingança cósmica ("vais pagar o que me fizeste") ou de orgulho encapotado ("sou superior"). Antes me pergunto, como o participante, se não seria melhor ser insensível.
Por outro lado, também não me dou à bondade de lastimar a sorte de quem fez a sua própria cama. Não lastimo nem odeio, esqueço ou faço por esquecer.
A propósito:

 
Capítulo “Natureza das penalidades e prazeres futuros”


Os Espíritos, não podendo esconder os pensamentos uns dos outros e sendo todos os actos da vida conhecidos, significa que o culpado esteja na presença perpétua da sua vítima? [pergunta]
– Isso não pode ser de outro modo, o bom senso o diz.

Essa divulgação de todos os nossos actos condenáveis e a presença constante das vítimas são um castigo para o culpado? [pergunta]
– Maior do que se pensa; mas apenas até que tenha reparado suas faltas, como Espírito ou como homem em novas existências corporais.

Não sei se percebi esta parte. Significa que a vítima permanece junto do culpado (para o castigar com a sua presença) ou que a exposição dos actos não permite que o culpado esqueça a vítima?...
Não me entra na cabeça que a vítima permaneça junto do culpado, neste mundo ou no outro. Concebo que algumas vítimas gostariam de se encarregar da punição do culpado com as suas próprias mãos mas isso não é para mim. Que o culpado vá pagar bem longe e a outras mãos, e de preferência apagado da minha memória.

  
Capítulo “Decepção. Ingratidão. Afeições destruídas”


A falta de simpatia entre os seres que têm de viver juntos não é igualmente uma fonte de desgostos amarga e que envenena toda a existência? [pergunta]
– Muito amarga, de facto; mas é uma dessas infelicidades de que, frequentemente, sois os principais responsáveis. Primeiro, são vossas leis que estão erradas. Porque acreditais que Deus obriga a ficar com aqueles que vos desagradam? E depois, nessas uniões, procurais muitas vezes mais a satisfação do orgulho e da ambição do que a felicidade de uma afeição mútua. Então suportais a consequência de vossos preconceitos.

Mas, nesse caso, não existe quase sempre uma vítima inocente? [pergunta]
– Sim, e é para ela uma dura expiação. Mas a responsabilidade da sua infelicidade recairá sobre quem a causou. Se a luz da verdade já penetrou na sua alma, terá consolação na sua fé no futuro; além disso, à medida que os preconceitos forem enfraquecendo, as causas dessas infelicidades íntimas também desaparecerão.

Parece-me que se fala em especial do casamento ("Porque acreditais que Deus obriga a ficar com aqueles que vos desagradam?"). Há muitas outra combinações, familiares e profissionais, em que as pessoas são obrigadas a viver e a conviver com quem não querem e de quem não gostam. Situações de abuso, não por ambição, longe disso, mas por mera sobrevivência.
A Terra é um lugar de expiação e isto aqui não é bom.






terça-feira, 12 de novembro de 2013

“O Livro dos Espíritos” – Suicídio

Capítulo “Desgosto da vida. Suicídio.”


De onde vem o desgosto pela vida que se apodera de certos indivíduos sem motivos razoáveis? [pergunta]
– Efeito da ociosidade, da falta de fé e frequentemente da satisfação plena de seus apetites e vontades, do tédio. Para aquele que exerce suas actividades com um objectivo útil e de acordo com suas aptidões naturais, o trabalho não tem nada de árido, e a vida escoa mais rapidamente. Suporta as contingências da vida com mais paciência e resignação quando age tendo em vista uma felicidade mais sólida e mais durável que o espera.

Confesso que me custou a perceber imediatamente que raio de resposta era esta. Faltava-me ponderar o contexto. Século XIX, classes superiores e ociosas, período romântico. Quando as pessoas da alta sociedade se suicidavam por tédio. (É curioso que "O Livro dos Espíritos" tem alguns parágrafos dedicados ao tema do duelo, denunciando-o como suicídio e homicídio. O que vem na mesma linha desta resposta.)

O homem tem o direito de dispor da própria vida? [pergunta]
– Não, apenas Deus tem esse direito. O suicídio voluntário é uma transgressão dessa lei.

O que pensar do suicídio que tem como causa o desgosto da vida? [pergunta]
– Insensatos! Porque não trabalhavam? A existência não lhes teria sido pesada!

Insensatos! Porque não trabalhavam?! (Porque estavam desempregados, talvez?...)
Esta resposta, na sequência da primeira, é tão para gente rica que me lembra a outra "Não têm pão? Que comam brioche!"
Não gostam do que fazem? Que façam o que gostam.
(Uma pessoa tem de se perguntar como seriam as vidas desta gente privilegiada!)

O que pensar do suicida que tem por objectivo escapar das misérias e decepções deste mundo? [pergunta]
– Pobres Espíritos, que não têm coragem de suportar as misérias da existência! Deus ajuda aqueles que sofrem, e não aos que não têm força nem coragem. As aflições da vida são provas ou expiações; felizes aqueles que as suportam sem queixas, porque serão recompensados! Infelizes, ao contrário, os que esperam sua salvação do que, na incredulidade deles, chamam de acaso ou sorte! O acaso ou a sorte, para me servir da vossa linguagem, podem, de facto, favorecê-los transitoriamente, mas é para fazê-los sentir mais tarde e mais cruelmente o vazio dessas palavras.

Nunca mostrem esta resposta a um suicida. "Deus ajuda aqueles que sofrem, e não aos que não têm força nem coragem" reduz a pessoa deprimida a um estado de tal insignificância que nem Deus se interessa por ela. Dizer isto a um suicida poderia até conduzi-lo mais depressa ao suicídio.
Não podemos esperar que gente do século XIX, viva ou morta, compreenda o psiquismo da depressão. É preciso não esquecer que não se conhecia a mente inconsciente e os seus meandros. (A falta que Freud fazia, e a ingratidão de que (ainda) é alvo devido à ignorância e ao preconceito!)
  
Aqueles que conduziram um infeliz a esse acto de desespero sofrerão as consequências disso? [pergunta]
– Como são infelizes! Pois responderão por homicídio.

O homem que na necessidade se deixa morrer de desespero pode ser considerado um suicida? [pergunta]
– É um suicida; mas os que o levaram a isso ou que poderiam impedi-lo são mais culpados que ele, e a indulgência o espera. Entretanto, não acrediteis que seja inteiramente absolvido se lhe faltaram firmeza e perseverança e se não usou sua inteligência para superar as dificuldades. Infeliz dele, principalmente se o seu desespero se originou do orgulho; quero dizer, se é desses homens a quem o orgulho paralisa os recursos da inteligência, que se envergonham por depender do trabalho das suas mãos e que preferem morrer de fome a renunciar ao que eles chamam de posição social! (…)

Vou interromper este Espírito que continua incessantemente a bater na mesma tecla (com certeza devia estar a mandar uma indirecta a alguém).
Para nós, agora, quando é o desemprego uma grande causa de depressão e suicídio, até parece de mau gosto estar a mandar alguém trabalhar para não pensar na morte.
Achei interessante transcrever a insistência no assunto porque denota o espírito de uma classe e de uma época: quando alguém "bem nascido" preferia suicidar-se ou morrer de fome em vez da vergonha de ir trabalhar, com as mãos se fosse preciso. Dá que pensar. Dá muito que pensar.
Mas abandonemos por aqui as curiosidades históricas.
  
Quais são, em geral, as consequências do suicídio sobre o Espírito? [pergunta]
– As consequências do suicídio são muito diversas: não existem penalidades fixas e, em todos os casos, são sempre relativas às causas que o provocaram; mas uma consequência da qual o suicida não pode escapar é o desapontamento. Além disso, a sorte não é a mesma para todos; depende das circunstâncias. Alguns expiam sua falta imediatamente; outros, em nova existência, que será pior do que aquela cujo curso interromperam.

Segundo a doutrina espírita, o suicídio é inútil e contraproducente. A boa notícia (a morte não existe) é também a má notícia (a morte não existe).
Volto à alegoria do jogo de computador. Interromper o jogo a meio, sem passar de nível, significa ter de começar do ponto de partida outra vez. Apesar da reencarnação, não há "fugas para a frente".
Mas cuidado ao tentar "racionalizar" deste modo com uma pessoa deprimida. O que pode parecer até uma ideia positiva e animadora (a inutilidade do suicídio, a continuidade da vida após a morte) pode ser recebido com bastante mais desespero. Não há racionalidade no desespero e nenhuma lógica garante que o suicida não tente, à mesma, a fuga do que considera insuportável, crente ou não crente.
Isto, os espíritos (mortos e vivos) do século XIX não podiam ainda saber, daí o dogmatismo e a condenação explícita, que contraditoriamente descamba até numa certa ligeireza com que abordam o assunto, como se o suicídio fosse um pecadilho e um disparate. Desconheciam os mecanismos da depressão e não sabiam do que falavam.
Aconselho por isso cautela na abordagem deste capítulo d'"O Livro dos Espíritos" junto de pessoas muito deprimidas e principalmente sem se ler a obra na íntegra. O contexto explica o raciocínio. Aqui, limito-me a comentar esta ou outra parte que mais me interessa. Fica feita a ressalva.






sexta-feira, 8 de novembro de 2013

“O Livro dos Espíritos” – Ricos e pobres

Para pensar.

Capítulo “Desigualdades sociais”

A desigualdade das condições sociais é uma lei da natureza? [pergunta]
– Não. É obra do homem e não de Deus.

Essa desigualdade desaparecerá um dia? [pergunta]
– Apenas as leis de Deus são eternas. Vós não vedes essa desigualdade se apagar pouco a pouco todos os dias? Desaparecerá juntamente com o predomínio do orgulho e do egoísmo, apenas restará a diferença do merecimento. Chegará o dia em que os membros da grande família dos filhos de Deus não se olharão como de sangue mais ou menos puro, porque apenas o Espírito é mais ou menos puro, e isso não depende da posição social.

O que pensar dos que abusam da superioridade da sua condição social para oprimir o fraco em seu proveito? [pergunta]
– Esses se lamentarão: infelizes dele! Serão por sua vez oprimidos: renascerão numa existência em que suportarão tudo o que fizeram os outros suportar.

Capítulo “Provas de riqueza e de miséria”

Porque Deus deu a uns riquezas e a outros a miséria? [pergunta]
– Para experimentar cada um de maneiras diferentes. Aliás, vós já o sabeis, essas provas foram os próprios Espíritos que escolheram e, muitas vezes, nelas fracassaram.

Qual das provas é a mais terrível para o homem, a miséria ou a riqueza? [pergunta]
– Tanto uma como outra; a miséria provoca a lamentação contra a Providência; a riqueza estimula todos os excessos.


Neste mundo tanto as posições de destaque quanto a autoridade sobre seus semelhantes são provas tão arriscadas e difíceis para o Espírito quanto a miséria. Quanto mais se é rico e poderoso, mais se tem obrigações a cumprir e maiores são as possibilidades de fazer o bem e o mal. Deus experimenta o pobre pela resignação e o rico pelo uso que faz de seus bens e do seu poder. [Allan Kardec]


À luz da doutrina espírita, faz sentido que a riqueza se torne uma prova mais perigosa do que a pobreza. Quanto maior a fortuna (e quero incluir aqui também o poder), maior a responsabilidade. Maior o risco de explorar os outros, de falhar na solidariedade, de se cair no orgulho de se considerar que se é rico porque se tem mérito enquanto o pobre é pobre porque é estúpido ou inepto (nada mais errado, a pobreza é um ciclo, a igualdade de oportunidades não existe; a própria noção de igualdade de oportunidades é uma mentira inventada pelos ricos para justificarem o seu status social pois, ao convencer o mundo de que existe igualdade de oportunidades, só não é bem sucedido quem não tem mérito para o ser...).






segunda-feira, 4 de novembro de 2013

“O Livro dos Espíritos” – O Bem e o Mal

Capítulo “Conhecimento do futuro”


Uma vez que Deus sabe tudo, sabe, igualmente, se um homem deve fracassar ou não numa prova? Nesse caso, qual é a necessidade dessa prova, que nada acrescentará ao que Deus já sabe a respeito desse homem? [pergunta]

Outra das perguntas mais pertinentes d'"O Livro dos Espíritos".

– É o mesmo que perguntar porque Deu não criou o homem perfeito e realizado: porque o homem passa pela infância antes de atingir a idade adulta. A prova não tem a finalidade de esclarecer a Deus sobre o mérito dessa pessoa, visto que sabe perfeitamente para que a prova lhe serve, mas, sim, para a deixar com toda a responsabilidade da sua acção, uma vez que é livre para fazer ou não. Tendo o homem a escolha entre o bem e o mal, a prova tem a finalidade de colocá-lo em luta com a tentação do mal e lhe deixar todo o mérito da resistência. Embora saiba muito bem, antecipadamente, se triunfará ou não, Deus não pode, na sua justiça, puni-lo nem recompensá-lo por um acto que ainda não foi praticado.

Mas a resposta não me convence.

Capítulo “O bem e o mal”


O mal que se comete não é, muitas vezes, o resultado da posição em que nos colocaram outros homens? E, nesse caso, quais são os mais culpados? [pergunta]
– O mal recai sobre aquele que o causou. Porém, o homem que é conduzido ao mal pela posição que exerce é menos culpado do que aqueles que o causaram; contudo, cada um será punido, não somente pelo mal que tiver feito, como também pelo que tiver provocado.

Aquele que não fez o mal, mas que se aproveita do mal feito por um outro, é culpado da mesma forma? [pergunta]
– É como se o cometesse; ao tirar proveito participa dele. Talvez não pratique a acção; mas se, ao encontrar tudo feito, faz uso disso, é porque a aprova, e ele mesmo o faria se pudesse, ou ousasse.

Basta não fazer o mal para ser agradável a Deus e assegurar um futuro melhor? [pergunta]
– Não. É preciso fazer o bem no limite de suas forças, porque cada um responderá por todo o mal que resulte do bem que não tiver feito.

Há pessoas que, pela sua posição, não têm a possibilidade de fazer o bem? [pergunta]
– Não há ninguém que não possa fazer o bem; somente o egoísta nunca encontra ocasião. Bastam as relações sociais com outros homens para encontrar ocasião de fazer o bem, e cada dia de vida dá a oportunidade a quem não esteja cego pelo egoísmo; porque fazer o bem não é somente ser caridoso, é ser útil na medida de vosso poder todas as vezes que vossa ajuda se fizer necessária.


Concebe-se que toda a gente possa estar em posição de fazer o bem. O mais intrigante é que algumas pessoas desejariam fazer mais bem do que fazem e não podem fazê-lo porque a sua posição não lhes permite. Não é um contra-senso? Não falo apenas de mim, mas tenho notado que são os pobres, os muito pobres, aqueles que sentindo na pele as privações, são também das pessoas mais dispostas a ajudar os outros. Da mesma forma que aqueles que passaram por grandes traumas são os primeiros a desejar ajudar outros que também sofreram. E muitos outros exemplos semelhantes que todos nós conhecemos.
Mas na maioria dos casos não conseguem. Pobres não conseguem ajudar outros pobres. (Falo de pobres, não de "remediados".) Ficam à mercê da caridade dos ricos. Da mesma forma, talvez as pessoas psicologicamente magoadas não consigam, embora queiram, relacionar-se com outros semelhantes. Ficam à mercê de profissionais que não fazem a mais pálida ideia do que estão a falar. E por aí fora, um contra-senso em que quem estaria em melhor condição de fazer o bem não o consegue fazer.
Poderá haver uma forma de expiação, de prisão tão absoluta, em que seja também uma punição desejar fazer o bem e não poder? Mas não levará isso à paralisia, ao desespero, à indiferença perante o destino, a um ponto em que a expiação já não adianta rigorosamente nada porque não faz efeito uma vez que o ser desiste de tentar agir? Será esse o tempo de morrer?


 Capítulo “Vida Contemplativa”


Os homens que se entregam à vida contemplativa, não fazendo nenhum mal e pensando apenas em Deus, têm mérito perante Deus? [pergunta]
– Não, porque se não fazem o mal também não fazem o bem, e são inúteis; aliás, não fazer o bem já é um mal. Deus quer que se pense n’Ele, mas não que se pense apenas n’Ele, uma vez que deu ao homem deveres a cumprir na Terra. Aquele que consome o seu tempo na meditação e na contemplação não faz nada de meritório aos olhos de Deus, porque a dedicação da sua vida é toda pessoal e inútil para a humanidade, e Deus lhe pedirá contas do bem que não tiver feito.


Capítulo “Privações voluntárias. Mortificações”


A vida de mortificações ascéticas dos devotos e dos místicos, praticada desde a Antiguidade e entre diferentes povos, é meritória sob algum ponto de vista? [pergunta]
– Perguntai para o quê e a quem ela serve e tereis a resposta. Se serve apenas àquele que a pratica e o impede de fazer o bem, é egoísmo, qualquer que seja o pretexto com o qual se disfarce. Renegar-se a si mesmo e trabalhar para os outros é a verdadeira mortificação, conforme a caridade cristã.

A resposta a estas duas perguntas esquece o mérito que existe em dar o exemplo a outros menos espirituais. Pela vida ascética e contemplativa, que não é para todos, o asceta inspira outros a pensar em Deus, outros que talvez não pensariam em Deus se não vissem tal exemplo de renúncia a que o asceta se submete, e que os impressiona. O asceta cumpre também esse papel.


 Capítulo “Marcha do progresso”


A perversidade do homem é muito grande. Não parece recuar em vez de avançar, pelo menos do ponto de vista moral? [pergunta]
– Engano vosso. Observai bem o conjunto e vereis que o homem avança, uma vez que compreende melhor  o que é o mal e a cada dia corrige abusos. É preciso o mal chegar a extremos para fazer compreender a necessidade do bem e das reformas.

A História demonstra-nos que isto não anda longe da verdade.


Capítulo “Civilização”


A civilização se depurará um dia de modo a fazer desaparecer os males que tenha produzido? [pergunta]
– Sim, quando a moral também estiver tão desenvolvida quanto a inteligência. O fruto não pode vir antes da flor.

Já esta parte, é uma questão de optimismo. Certamente que a humanidade avançou, tendo em conta séculos e milénios, mas não sem inventar a cada passo uma nova forma de barbaridade.
De barbaridade em barbaridade, lá vamos avançando.


Capítulo “Egoísmo”


Entre os vícios, qual se pode considerar o pior? [pergunta]
– Já dissemos várias vezes: é o egoísmo; dele deriva todo o mal. Estudai todos os vícios e vereis que no fundo de todos existe egoísmo. Vós os combatereis inutilmente e não conseguireis arrancá-los enquanto não tiverdes atacado o mal pela raiz, enquanto não tiverdes destruído a causa. Que todos os vossos esforços tendam para esse objectivo, porque aí está a verdadeira chaga da sociedade. Aquele que deseja se aproximar, já nesta vida, da perfeição moral, deve arrancar do seu coração todo o sentimento de egoísmo, por ser incompatível com a justiça, o amor e a caridade: ele neutraliza todas as outras qualidades.

O egoísmo, sendo próprio da espécie humana, não será sempre um obstáculo para que reine o bem absoluto na Terra? [pergunta]
– É certo que o egoísmo é o maior mal, mas ele se prende à inferioridade dos Espíritos encarnados na Terra, e não à humanidade em si mesma; os Espíritos, ao se depurarem nas sucessivas encarnações, perdem o egoísmo como perdem outras impurezas. Não tendes, na Terra nenhum homem desprovido de egoísmo e praticando a caridade? Há mais do que imaginais, porém pouco os conheceis, porque a virtude não se põe em evidência; se há um, porque não haveria dez? Se há dez, porque não haveria mil e assim por diante?

O egoísmo, longe de diminuir, aumenta com a civilização, que parece excitá-lo e mantê-lo; como a causa poderá destruir o efeito? [pergunta]
– Quanto maior o mal, mais se torna horrível. Será preciso que o egoísmo cause muito mal para fazer compreender a necessidade de extingui-lo. Quando os homens tiverem se libertado do egoísmo que os domina, viverão como irmãos, não se fazendo nenhum mal, ajudando-se mutuamente pelo sentimento natural da solidariedade; então o forte será o apoio e não o opressor do fraco, e não se verão mais homens desprovidos do indispensável para viver, porque todos praticarão a lei da justiça. É o reino do bem que os Espíritos estão encarregues de preparar.


Não acredito nisto. Não me vou rir, porque é feio rirmo-nos das utopias religiosas de cada qual, mas não posso deixar de o considerar uma utopia.






sexta-feira, 1 de novembro de 2013

“O Livro dos Espíritos” – Halloween

Capítulo “Comemoração dos mortos. Funerais”

Os Espíritos são sensíveis à saudade daqueles que amaram e que ficaram na Terra? [pergunta]
– Muito mais do que podeis supor; se são felizes, essa lembrança aumenta a sua felicidade; se são infelizes, essa lembrança é para eles um alívio.

O dia da comemoração dos mortos tem algo de solene para os Espíritos? Eles se preparam para visitar os que vão orar nas suas sepulturas? [pergunta]
– Os Espíritos atendem ao chamamento do pensamento tanto nesse dia quanto em qualquer outro.

Esse dia é para eles um encontro junto às suas sepulturas? [pergunta]
– Eles estão aí num maior número nesse dia, porque há mais pessoas que os chamam. Mas cada um deles vem apenas pelos amigos e não pela multidão de indiferentes.

Os Espíritos esquecidos, cujos túmulos ninguém visita, também aí comparecem apesar disso? Lamentam não ver nenhum amigo que se lembre deles? [pergunta]
– Que lhes importa a Terra? Eles somente se prendem a ela pelo coração. Se aí não há amor, não há mais nada que retenha o Espírito: tem todo o universo para si.