quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

De "lost" a "walking dead"s

Já aqui tinha dito algures que há séries capazes de definir uma época. "Lost", na minha opinião, foi a série-ícone da primeira década do século XXI, tal como "The X-Files" e "Twin Peaks" o foram para os anos 90. Falei de "Lost" primeiro aqui (e não acertei muito) e depois aqui (onde já acertei mais). Adiei pelo tempo infinito ver o fim da série. Parte de mim tinha medo que os autores não conseguissem descalçar a bota. A outra parte não queria que acabasse. E quando aconteceu, quando vi o fim, fiquei sem palavras. Ainda tentei fazer um esboço de post mas nada do que diga, ainda agora, pode descrever por palavras o choque emocional, espiritual e filosófico daquele final. Na falta de palavras as lágrimas corriam-me pela cara episódio após episódio.
Muitas vezes disse às pessoas que "Lost" era uma experiência pessoal. Daquelas em que se tem de participar voluntariamente, mas criticamente. A genialidade da série não se deixa ficar refém de uma única interpretação. Eu tenho a minha, outros terão a deles.
Passou muito tempo e acabei por não conseguir vir aqui expressar esta única palavra: genial. Como tudo o que é genial, transcendente. Não me parece que alguém que tenha acompanhado "Lost", a experiência, tenha permanecido indiferente.
Estava a massacrar-me não ter vindo fazer aqui este último comentário, e entretanto o tempo passou e quase desisti de voltar a falar da série... Mas é impossível. "Lost" deixou um legado cinemático e filosófico de que não se pode recuar. Está em tudo, desde o mais provável "Fringe" ao mais improvável "Diários do Vampiro". De repente, já não era possível fazer episódios como dantes: princípio, acção, final. Também no estilo "Lost" foi revolucionário. O flashfoward, e o cliffhanger (como se chama na gíria àqueles últimos minutos ou segundos de suspense como dantes só se fazia no cinema para dar lugar à sequela), trouxeram às séries um dinamismo e esforço mental que não fazia parte do antigo conceito de "episódio". Exige-se ao espectador a a atenção que dantes se reservava a um filme. A série, antes remetida a um papel próximo da telenovela, ganhou estatuto.
[Nada me desconvence que a própria série  "Flashforward", onde de certeza não acidentalmente um dos protagonistas é um actor de "Lost", foi buscar o nome à técnica que "Lost" impôs. Talvez não apenas o nome mas todo o conceito!... Vi a primeira temporada. Ainda não tive curiosidade de ir pesquisar se a série continuou.]

Agora, o futuro. "The Walking Dead" arrisca-se a tornar-se um ícone desta década. Nunca pensei vir a dizer isto de uma série de mortos-vivos. Os miúdos que vão crescer com "The Walking Dead" não são os miúdos que julgaram que "The Night of the Living Dead" era uma boa paródia para ocupar uma noite de lazer. Agora parece mais real. É mais real. Agora a humanidade não é apenas acossada por mortos-vivos, agora a humanidade começa a devorar-se a si própria. Como na série. E é por isso que parece mais real, mesmo aqui ao lado. Já não na ilha distante e isolada onde os personagens travavam uma batalha pela sobrevivência contra inimigos invisiveis. Agora os inimigos vêem-se, e cheiram-se, e devoram-nos. Os mortos e os vivos. Quais deles os piores, quais deles os mais perigosos. E em tempos perigosos não há lealdade sequer dentro do grupo. Como se antevia em "Lost", onde já tudo desmoronava excepto pela fé, já tudo desmoronou, até a fé. O mundo devora-se, a turba de zombies-rebanhos avança, os mais vivos caçam-se uns aos outros. E o mundo vê e sabe. O cenário apocalíptico retrata o que se passa lá fora, se calhar cá dentro, das nossas casas. O mundo tem fome do fim e acredita que o fim ia ser em 2012. O mundo sabe que entre zombies e sociopatas, posta fora a civilização e regressando à sobrevivência selvagem, a Humanidade caminha para o precipício. Estamos todos infectados. Uns poucos tentam resistir, sobreviver, e escolher entre ficar zombificados ou perder a humanidade. Já aconteceu antes e pode acontecer outra vez, mas agora o mundo já não pode clamar inocência. Uns poucos vêem. Os outros são zombies. O mundo tem fome de fim.
Se em "Lost" havia tempo para filosofar sobre o que fazer no futuro, na ilha inacessível e distante, agora o futuro está à porta. E não é bonito. E o tempo esgotou-se.
O tsunami de zombies marcha das sombras sobre uns incautos pai e filho de costas voltadas ao perigo, embrenhados num dilema dramático para o qual não terão tempo, mas não sabem. Alguém acredita que se safam? Alguém ainda tem fé? Porque eu não tive. E se um grupo de sobreviventes ainda respira, correndo e pilhando de casa abandonada em casa abandonada, aquilo já não é Humanidade. Aquilo é a pré-história do futuro. Homens, mulheres, crianças, recém-nascidos, de volta ao estado de caçadores-recolectores. A civilização constrói-se mas também se perde.









Estavam perdidos e estão cada vez mais perdidos.





8 comentários:

Fashion Faux Pas disse...

Hmhm, eu vivi o Lost como se fosse sanhue que me corresse nas veias. Mas não gostei da últmia série e achei um final facilitista de quem já não sabia muito bem se queria continuar a ir contra os status quos de que são feitos os elementos televisivos norte americanos e a sua moral fácil e falsa. Outros 300. Já o The Walking Dead, também me rendi imediatamente, e pela mesmissima razão que lhe apontas: a perda de humanidade na humanidade já cá anda. Ok, que a série camufla-se em showstoppers também tão americanizados - tem de vender, não é? E será que há assim tanto público que consegue ver para lá dos "efeitos especiais"? - e eu própria me encontro presa a esses mesmos truques hollywoodescos que me retiram o elemento choque. E um dia comecei a ver os Sobreviventes. E ainda não acabei de ver o último episódio da primeira série por isso mesmo, não há cá zombies nem
efeitos de hollywood para americano ver, aquilo é a civilização (ou falta dela) escarranchada em cima do mundo que fornicou. Essa série sim, custa-me a ver de tão real que é, não me distrai os olhos como o The Walking Dead faz, obriga-me a ver o touro de frente e a pega-lo pelos cornos, coisa que me falta força para fazer.

katrina a gotika disse...

Uma vez que falas de Survivors... Também gosto de ver. Acho até que Survivors pode estar a apresentar uma versão muito optimista do que aconteceria de facto naquela situação. Acho que ia ser muito mais caótico e violento. Acho que iam aparecer mais "bullies" a tentar impor a sua lei aos outros. Em suma, um mundo muito menos civilizado.

Como amante do sobrenatural, preferiria sempre The Walking Dead. Neste caso, contudo, acho que temos de dar a mão à palmatória e admitir que os americanos sabem fazer melhor estas coisas. As relações inter-pessoais estão muito melhor construídas em The Walking Dead do que em Survivors. Falta em Survivors o dramatismo, o estar no fio da navalha. Talvez tenha a ver com o extremismo norte-americano que custa tanto aos europeus compreender. Este extremismo, que é bem real, e não é um truque de Hollywood, está bem patente nas eleições americanas. Se pensarmos que Obama ganhou por um triz... A cobertura noticiosa das eleições americanas foi uma vergonha. Quase não existiu.
Tudo isto para dizer que se calhar não é uma questão de demasiado dramatismo. Para eles é mesmo a sério. A série é o espelho desse dramatismo que para eles é real. Mas aqui na Europa não conseguimos compreender. É natural que uma série europeia sobre um tema semelhante também pareça mais moderada.

My two cents.

katrina a gotika disse...

Ah! Esqueci-me!
Não concordo nada como que dizes sobre "Lost". Não achei de modo algum um final facilitista. Não esperava de maneira nenhuma que arranjassem um final tão surpreendente. Não foi exactamente um final feliz... excepto se considerarmos uma interpretação espiritual/religiosa em que ninguém morre, nunca.
Eu tenho a minha interpretação.

Fashion Faux Pas disse...

Pois, eu a dado momento a meio da penúltima série virei-me para um amigo meu tb grande fã e disse "tu queres ver que estes gaijos me vão transformar isto numa busca espiritual, num afterlife teológico?" e foi o que aconteceu. Infelizmente foi um final que a mim me deixou tipo balão furado... Quanto ao TWD e aos Sobreviventes, não me expliquei bem: prefiro o TWD de longe. É feito como dizes "no fio da navalha". E para mim muito menos realista. Não me deixa com aquele pulsar constante do "this can happen to you too" que os Sobreviventes me deixam, se bem que sim, concordo que a série está feita de modo moderado. A minha imaginação é que começa logo a pintar o cenário que seria o mais realista. No TWD a minha imaginação não pinta cenários, estão lá todos.

katrina a gotika disse...

numa busca espiritual, num afterlife teológico?

Mas eu gosto disso. :)

Tenho uma correcção:
Em cima referi-me a "Walking Dead" como sobrenatural. O género não é sobrenatural, é ficção científica, mais propriamente ficção científica de terror.

Se bem que, só aqui entre nós, quem é que acredita que possa haver qualquer explicação minimamente científica?... Zombies sem barriga que ainda têm fome. Onde é que eles metem o que comem se já não têm estômago? Como é que têm fome se o estômago já não produz contracções? Como é que o cérebro sabe que precisa de nutrientes se o cérebro já está tão desligado que não sente dor? E fazem cocó, os zombies? Não me parece, lol!
Daí que o meu lapso até seja plausível. Mas tecnicamente o género é mesmo ficção científica.

Fashion Faux Pas disse...

Daí a ficção, não??? Digo eu;) O estado Zombie é algo que eu ainda não consigo compreender na totalidade, se por um lado a minha tendencia quanto a zombies é reverter-me sempre sempre para o Voodoo e para o erguer de mortos protagonizado pelas forças de uma qualquer Baron Samedi - e daí que sim, aqui estão mesmo mortos, são cadáveres andantes, não comem nada nem ninguém, mordem para matar pois o intuito ao serem erguidos da campa é matar - por outro lado os zombies do TWD não me parece que sejam estes zombies do Haiti. Até que ponto é que os estômagos não produzem contracções? Será que não, será que o facto de estarem mortos - em todos os sentidos - mas com estômagos constantemente esfomeados, constantemente a pedir ingestão de carne (humana, bem visto) não é de facto o que lhes dá a condição de mortos vivos??? É que de facto aqui nunca ninguém lhes chamou zombies, eu é que sim, burra!, são mortos vivos. Mortos. Mas vivos. No fundo são a maioria, já hoje, não são? Mortos. Vivos.

katrina a gotika disse...

Mortos. Mas vivos. No fundo são a maioria, já hoje, não são? Mortos. Vivos.

É a minha teoria. :)

Quanto aos zombies de TWD, também comem animais. Parece que só comem é aquilo que se mexe, porque tentaram dar-lhes um fiambre e não resultou. Por outro lado, não agitaram suficientemente o fiambre. Tendo em conta que estes zombies não são muitos inteligentes (por exemplo, não sabem como ultrapassar uma vedação sem ser a empurrar) também os enganavam com o fiambre em movimento.
Isto se fosse mais científico, mas então tornava-se tão hilariante que as pessoas perdiam o medo. Já dizia logo num dos primeiros Harry Potter: a maneira de perder o medo é achar algo ridículo.
E lá se ia o nosso gozo.

Fashion Faux Pas disse...

Ah pois ia.