domingo, 9 de dezembro de 2012

Gotika: arquivos Janeiro 2004

janeiro 31, 2004

O terror não desconhecido

Espero que não tenham detestado a estorinha que escrevi aqui durante esta semana. Começou por ser uma história de terror mas eu não consigo escrever histórias de terror por isso acabou por se tornar uma história "boris vianesca", quase kafkiana (passe a presunção). Nunca tive a pretensão de assustar ninguém. A razão porque eu gosto tanto de filmes de terror é porque essa capacidade criativa me transcende. Tal como a música. Nunca vou conseguir compor uma canção. Nunca vou conseguir escrever uma história de terror.

Não me aborrece, mas já tentei e acabo sempre por cair no simbolismo. Terei medo de me assustar a mim própria e por isso me vejo obrigada a mudar o rumo à história antes que vá longe de mais? Terei medo de atrair os demónios sobre os quais escrevo? Talvez. É muito provável.

E depois, as histórias de terror já estão todas inventadas. O que existe são variantes. Basicamente, o terror pode provir de duas fontes:
- a ameaça localizada (a casa assombrada, o planeta hostil, o lugar amaldiçoado, o terramoto, a catástrofe natural, o cemitério onde dorme o vampiro...)
- a ameaça interna (o possesso, o louco, o amaldiçoado...)
E a combinação das duas anteriores. Um bom exemplo, "Amityville", onde o protagonista se muda para uma casa assombrada (ameaça localizada) e fica possuído por ela (ameaça interna). Ou o "Shinning", que conta quase a mesma história.
E tem mesmo que ser assim. Porquê? Porque a história de terror, para ser verosímil e assustar alguém, não pode ser generalizada a toda a gente em todo o mundo. Ninguém acredita na invasão dos tomates assassinos. O verdadeiro terror não pode estar disseminado (excepto o terrorismo, que é outra história). O verdadeiro terror não se encontra todos os dias na rua.
Mas há quem o encontre, mesmo assim, todos os dias na rua. É por isso que tenho tendência para ser "boris vianesca". E para ser gótica, acho eu.

Actualmente, os filmes de terror resumem-se a ser "filmes de sustos": os grandes planos inesperados, o som demasiado alto que nos fura os tímpanos... Aquele susto que se esquece assim que o filme acaba.
O verdadeiro terror é aquele que persiste quando se vai para cama e se apaga a luz. É aquele que se recorda mesmo quando não se quer pensar nele. E poucos autores conseguem essa proeza.

Edgar Allan Poe conseguiu-o com o conto em que explora o terror de ser enterrado vivo por engano.
Sim, porque as histórias de terror vivem muito da ameaça da morte. Quem não tem medo da morte não se assusta com um "Psycho" ou mesmo com um "Pesadelo em Elm Street". Um assassino é um acidente de percurso. Pode acontecer a todos. Que o diga quem já foi assaltado. Coisa pouca, portanto.
Mas ser enterrado vivo...

Para o resto da teoria sobre os filmes de terror, vejam o "Screams". Fartei-me de rir quando vi no cinema. Para saberem o que vos assusta pessoalmente, vejam nos vossos pensamentos. Vocês sabem. Toda a gente sabe.

A última tirada de génio que me impressionou realmente foi um episódio dos "Ficheiros Secretos" em que uma criatura acordava de x em x anos para comer uns quantos fígados e voltava a hibernar. Não por ser uma criatura medonha e comer fígados, mas porque tinha a capacidade de se estreitar e fazer caber por buracos pequenos como os do ar condicionado. Nunca tinha pensado nisso.
OK, também não é uma ideia nova. O vampiro tradicional também se transforma em pequeno morcego, em nevoeiro, e consegue entrar em quartos fechados.
O que é novo nesta versão dos "Ficheiros Secretos" é a forma como se explica "cientificamente" que é possível, se determinados factores e condicionantes estiverem presentes, se o ADN da criatura for xyz, e sob a coberta da ciência lá vamos assimilando a ideia.
O que também não é novo. Frankenstein também criou o monstro com o recurso à ciência mais avançada da época, a electricidade...

Um dia, quando até o fenómeno do chupa-cabras estiver explicado, vamos deixar de ter medo dos monstros científicos. Mas vamos continuar a ter medo de sermos enterrados vivos.
Ou de que a morte não seja o fim nem o começo de nada mais que pairar na escuridão, no silêncio, no vazio.

E acho que já chega. Sweet dreams.

Publicado por _gotika_ em 05:28 AM | Comentários: (3)


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Comentário:
A "estorinha" a que me refiro foi efectivamente publicada em "episódios" mas decidi não re-publicar.

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