domingo, 22 de janeiro de 2012

E apagou-se a luz

Queridos amigos...

*evil grin*

2010 foi um ano muito divertido. 2011 ainda foi mais. Fartei-me de rir. (Bem vos disse que riria.)
Não, não fiquem indignados. Não vale a pena. Este ano já não vou rir. Já perdeu a piada.
Quando, há meia dúzia de anos, comecei a escrever neste blog sobre o estado da nação, e expliquei como a mediocridade havia de afundar o país, porque o mérito não era reconhecido, porque a Justiça não funciona, porque sem a Justiça a funcionar a democracia não funciona, porque nos íamos tornar todos escravos sem escolha, etc...
Nessa altura, e já pude falar do assunto pessoalmente com pessoas que me lêem desde então, houve comentários de gente de todas as idades -- deixem-me salientar, de todas as idades -- a chamarem-me doente, depressiva, a sugerirem que tomasse medicação para a depressão, a culparem-me de ter ido parar ao call center por falta de mérito. Coisas assim. Meia dúzia de anos mais tarde...

*evil grin*

... meia dúzia de anos mais tarde, dizia eu, aconteceu-lhes o impossível: alguns cresceram, e agora estão no call center também ou nas lojas do centro comercial ou nas caixas de supermercado. É à escolha. Ganha-se o mesmo.
(Mesmo assim, meus amigos, já houve uma evolução nas mentalidades, por isso não se queixem muito. Na minha altura, apenas há meia dúzia de anos, tive de mentir, tive de fingir que não era licenciada, tive de falsificar o meu currículo, para ser aceite sequer numa entrevista de emprego para call center! Actualmente, meninos mais novos, graças a pioneiros e pioneiras como eu, já não precisais de mentir. Podeis sair das faculdades e ir directamente à agência de trabalho temporário-permanente com a vossa licenciatura que eles já não se importam e vos esperam de braços abertos assim que terminardes o estágio não remunerado financiado pelos vossos papás na qualquer área do saber que vos passou pela cabeça prosseguir, cheios de esperança do tal mérito.)
Outros, os que tiveram a sorte de nascer um bocadinho mais cedo, uma geração privilegiada a que eu chamo "os irmãos mais velhos", que vieram ao mundo uns anos antes do 25 de Abril e se viram de repente no País das Maravilhas, indignam-se muito ao ver os filhos, os irmãos mais novos, e a eles próprios, num desemprego e numa desesperança que nunca lhes cruzou o espírito deslumbrado que lhes tocasse na pele. Excepto à meia dúzia de "irmãos mais velhos" que chegaram ao poder desde o tempo do engenheiro. [Cuidado com eles. Mudaram de cor mas são a mesma cambada. Não sabem sequer o que é querer limpar o rabo e faltar o papel higiénico mas não se importam de dizer aos outros 'limpem-se aos dedos'. Sempre vos avisei quanto a eles. Quem não os conheça que os compre.]
Os mais velhos que esses, coitados, dividem-se entre os alucinados que ainda julgam viverem no PREC e os que se contentam em dar graças ao Governo pela pensãozita. Destes nem vale a pena falar. É natural que estejam loucos. Depois de nascerem no tempo da guerra ou no período em que ainda lhe sentiam os efeitos de penúria, e passarem a maior parte da vida sob uma ditadura, e da esperança que foi saírem dela, e caírem a seguir... nisto, não é de estranhar que estejam afectados da cabeça. (Eu também estou, e não sou tão velha como eles, mas ainda estou suficientemente lúcida para saber que estou doida.)
Todos estes pobres deslumbrados se indignam.
Houve uma altura, aqui neste blog, em que se repetia a graça, em post ou nos comentários: "todos os dias acorda um". (Lembram-se?)

Acreditem ou não, ainda não acordaram todos, isso é que é intrigante!!!

Mas indignam-se, e indignam-se tarde.
Muito, muito tarde.

Sabem quando é que eu me indignei, meus amigos? Há vinte anos atrás.
Foi precisamente nos anos 90, há vinte anos atrás, sensivelmente, estava eu a acabar o meu curso quando vi a escuridão. Mas lá está, era eu que estava doente. Era eu que estava a ver fantasmas.
Agora indignam-se, e vão para o Facebook chamar nomes ao mesmo homem que há vinte anos foi um dos responsáveis pela minha indignação (mas longe de ser o único!). Estive a ler a página de comentários do fulano, e a mim o que me indigna é a falta de memória de quem tinha obrigação de se lembrar. Só os mais novinhos têm desculpa. Os outros, lamento, se não fizeram a vossa cova ajudaram a cavá-la. Onde estavam vocês, indignados, quando eu me indignei nos anos 90? Eu lembro-me. Vocês lembram-se? Ou fumaram assim tanta ganza que já não há nenhum neurónio nessa cabeça?
Acabei de dar a resposta à minha própria pergunta. Pois foi. Fumaram muita ganza. Eu sei porque me lembro. Não se ofendam, porém, porque eu não estou melhor. A benzodiazepina também não faz melhor ao neurónio, e há coisas que uma pessoa mais vale esquecer. De certa forma, tinham razão. O que me faltava era medicação, não anti-depressivos, porque já não há cura para estas trevas, mas ansiolíticos. Anestesia. O que é preciso é anestesia.

Por isso não me indigno. Nem me queixo. Para mim já é tarde. O meu barco já partiu. Já tive mérito mas já não tenho. Nem para caixa de supermercado porque me engano nos trocos e era logo despedida. Imaginem vocês que de um dia para o outro até já nem sei escrever português! Não há, de facto, neurónio que aguente tanta injustiça. Fundiu-se tudo.
Completo este ano os 40. Posso dizer que até tive sorte em arranjar um trabalhinho antes dos 35, ou já não arranjava nada. Assim haja saúde e transportes públicos para ir trabalhar, e até se sobrevive. Por enquanto.
Depois não sei, nem sei quando será o depois.
Isto de ser oráculo tem muitas desvantagens. Como diria o Nostradamus, "depois de 2000 não vejo nada". Eu também, lamento, não vejo nada no futuro. Nada de nada.
Há certas alturas em que até um oráculo decide fechar os olhos para não viver a tragédia duas vezes. (Esta aprendi no "Flashforward", o que se aprende com a televisão!)

Quem quiser saber como chegou aqui, clique ali em baixo na etiqueta com o nome do país. É possível que não apareçam os posts todos mas alguns hão-de aparecer.
Aos outros (poucos) visionários que também viram o futuro: coragem!
Aos recém-indignados: mais vale tarde do que nunca, mas olhem que é tarde, tão tarde! Mas tão, tão tarde que nem há palavra no dicionário para descrever o quão tarde.

Agora apagou-se mesmo a luz.
E olhem, meus amigos, até apagaram a televisão. Sempre dá jeito que as pessoas não estejam informadas, especialmente aquelas que não têm dinheiro para pagar tv-cabos e televisões novas e aparelhómetros.
Se me estão a ler, considerem-se pessoas de sorte. Muitos há que ainda não descobriram sequer que existe internet.

Vou acabar com uma pequena nota sobre algo que me está a impressionar profundamente, algo do país real, do país quotidiano. Desde há uns dois anos para cá, tenho notado uma crescente falta de bens à venda no supermercado, em quantidade e em variedade. Não é que não haja procura. Já não há sequer oferta. Nestes 40 anos de vida, ouvi falar dos tempos em que as pessoas queriam comprar e não havia à venda como uma coisa dos tempos da guerra, lá muito muito longe. Nunca pensei, na minha existência privilegiada, entrar num supermercado e não encontrar bens básicos como cotonetes, pacotes de sal, amendoins. Nunca pensei ter de andar de supermercado em supermercado à procura de bens tão básicos. E nem sequer estou a falar de uma determinada marca. Estou a falar de não terem o produto, seja de que marca, porque esgotou. E pode estar esgotado dias a fio. Não porque não haja procura. Mas porque não se investe para que haja oferta. Da mesma forma, por exemplo, alguns produtos únicos que eu usava, tipo sabonetes e afins, e não estou a falar de um ou dois mas de número significativo, deixaram de ser fabricados. Vendiam-se, mas deixaram de ser fabricados. Ora, se há procura, se há quem compre, se dava lucro, porque é que já não dá? Porque é que as fábricas fecham se há encomendas? Quem é que anda a fomentar uma economia de tempo de guerra? Quem é que anda a amealhar? O que vem por aí?...
Sintomático dos tempos.

Pensem nisto e até à próxima.

xoxos




post scriptum

Segui o meu próprio conselho e carreguei na etiqueta, para ver se ela ainda funcionava, e descobri este post engraçadíssimo de Janeiro de 2009, que até é giro e reproduzo na íntegra para não acabarmos isto em lágrimas, porque afinal rir é o melhor remédio:

Crise, qual crise?

Então nos últimos dias descobri que neste próximo ano, a manter o meu emprego, apesar da crise (qual crise?) até posso elevar o meu padrão de vida porque os combustíveis e a prestação da casa vão baixar.



Esta gente droga-se. Não há crise nenhuma. Não tenho acções, não tenho casa, não tenho automóvel. Vou ficar perfeitamente na mesma. Perfeitamente na mesma merda. E aqueles sem abrigo a dormir na rua também não vão perceber nada.
Às vezes dá gozo ser pobre. São gargalhadas, são barrigadas de riso, saber que um gajo se atirou para debaixo de um comboio porque perdeu milhões na bolsa. Idiota materialista. Com tantas boas razões para se suicidar foi-se matar por dinheiro.

Uma pessoa não se mata por dinheiro mas porque SIM! Poseur!!!

Devo dizer que desde que a crise dos ricos começou me tenho rido à fartazana, e parece que o ano de 2009 tem tudo para ser uma festa de endorfinas sem recurso a estupefacientes. Basta-me ouvir meia hora do telejornal da 2. Gostei daquela do Monstro do Bolo Rei vir dizer que as ilusões se pagam caras, e com esta se cala, (que ilusões, outro tabu?), e o Histérico nem sequer o ouço porque assim que aparece na televisão carrego no mute (é para isso que ele serve). O Vítor Constâncio, esse, é o melhor palhaço da televisão. Mais ou menos, a piada é esta: se não for despedido, até vai viver melhor do que os outros, mas se for vai amargar. Fantástico! Como se Portugal não fosse já, a par dos Estados Unidos, porque nisso somos uma potência mundial, o país com maior desigualdade! A começar pelo Vítor Constâncio, que devia (a não ser preso) receber o novo ordenado mínimo de 450 euros por incompetência, e o resto do ordenado ser distribuído equitativamente por todos os sem abrigo que aparecessem para o receber à porta do Banco de Portugal.
E como parece que hoje já me estiquei demais e tenho bocas para alimentar, desculpem lá não querer ser presa mas não dava muito jeito. O nome do jogo, dizia outro dia um vampiro qualquer, é "sobrevivência". Depois não se queixem, quando perceberem o verdadeiro significado da palavra que tão levianamente invocam: sobrevivência.


quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

O capitalismo no Antigo Egipto




Os antigos egípcios acreditavam que para chegar ao Além a alma teria de enfrentar numerosos testes e perigos no caminho, muitos deles em que a alma poderia morrer novamente (e para sempre). Não era necessário possuir um corpo físico para viver no Além, mas de forma a usufruir melhor dos prazeres, comidas e bebidas do Céu era preferível jogar pelo seguro e salvaguardar o corpo físico através da mumificação. Mas o que era mesmo crucial era possuir um exemplar do Livro dos Mortos, uma espécie de mapa e encantamento de protecção para o Além, que era colocado junto à múmia dentro do túmulo. Este Livro dos Mortos era uma colecção mais ou menos extensa de feitiços e orações desenhados em rolo de papiro. Quanto maior o rolo, mais caro era o livro.
Cada Livro dos Mortos era destinado a uma só pessoa e/ou família. Mas não era feito de encomenda. Havia uma "produção em série" em que os sacerdotes iam preparando rolos e rolos e deixando em branco o nome do comprador, que só era acrescentado no acto da compra.
Um Livro dos Mortos era caro e não acessível a todas as bolsas, e quanto maior fosse em tamanho mais caro se tornava e mais lucro proporcionaria ao investimento prévio dos sacerdotes produtores. Era, pois, previsível que estes convencessem os crentes que quanto mais feitiços contivesse o Livro dos Mortos "pessoal" mais seguramente a alma encontraria o caminho para os prazeres do Além. Quanto mais se pagasse, nesta vida, mais probabilidade haveria de garantir a próxima.
A princípio, o Livro dos Mortos destinava-se unicamente ao Faraó, que era considerado divino. Com o tempo, porém, a nobreza e as elites também quiseram garantir o acesso ao Além e começaram a encomendar mumificações e Livros dos Mortos. Para os sacerdotes, abriu-se uma oportunidade de negócio.
Mas os pobres não tinham dinheiro para mandar fazer múmias ou comprar Livros dos Mortos. As probabilidades de um pobre chegar ao Céu eram muito escassas, se não impossíveis. Todavia, os pobres sempre foram de ter fé. As pirâmides propriamente ditas estavam reservadas à realeza, mas os outros logo a seguir, as classes altas, tinham os seus próprios túmulos, mais modestos, onde sepultar as múmias e os respectivos Livros dos Mortos. Os pobres iam enterrar os seus mortos na areia junto destes túmulos, na esperança de que estes conseguissem "seguir" o rico até ao Além.
O que me faz pensar no seguinte: que irracionalidade os tomaria para serem levados a acreditar que o rico desprovido de solidariedade em vida seria solidário depois de morto?... Ou talvez não fosse uma questão de solidariedade. Se ele ia em frente, a caminho do Além, guiado pelo mapa enfeitiçado que era o Livro dos Mortos, não se conseguia livrar da legião de miseráveis que o seguiam. Pensando bem, até faz todo o sentido.