sexta-feira, 2 de outubro de 2009

O momento político

Sempre me pareceu que 2009 ia ser um ano divertido e isto até está a aquecer para o final. Prevê-se um 2010 ainda mais hilariante.
Confesso que não achei piada nenhuma à reeleição do Pinóquio -- peço desculpa, senhor engenheiro Sócrates, porque agora há que ter cuidado e piar baixinho -- mas foi esta a decisão dos 36% dos eleitores que foram votar, tirando os 40% que nem lá puseram os pés, sinal que estão muito satisfeitos com a situação e que aprovam pois "quem cala consente" e por mais argumentos que esgrimam nada me arranca daqui, e em democracia é assim que se passa e há que acatar.
Pus-me a pensar quem são estes 36%. Eu e mais gente, porque algo aconteceu. Logo no dia seguinte, no meu local de trabalho, onde se fala mais de carros e coisas das revistas cor de rosa e outras que interessam ainda menos, estava toda a gente a falar de política. Cada um tinha votado num partido diferente, e pôs-se a questão: "Mas afinal quem é que votou PS?!"
"Eu votei PS!", disse uma colega corajosa que estava claramente em minoria e fiquei bastante surpreendida. É que além de corajosa ela não é parva nenhuma, tem uma inteligência acima da média, e ao contrário do português comum está bem informada sobre questões políticas, a ponto de ter organizado um abaixo assinado contra o Código do Trabalho, razão precisamente pela qual votei Bloco! Podem imaginar, pois, a minha perplexidade por ela ter votado exactamente no partido que o lançou e aprovou! Perguntei-lhe, seriamente, pensando que ela brincava:
"Estás com vontade de ficar aqui a trabalhar horas extraordinárias sem serem pagas como tal, para um banco de horas que a empresa te devolve quando bem lhe apetecer (género "hoje não há trabalho vai-te embora, volta amanhã, se tens compromissos azar")?!"
Resposta:
"Na!"
Queria ela transmitir, naquele eloquente "Na!", que as coisas não se iam passar assim. Se calhar porque não acredita realmente que os direitos dos trabalhadores, tão dificilmente adquiridos, possam ser tão facilmente violados neste autêntico retrocesso civilizacional que é o Código do Trabalho.
Pus-me a pensar ainda mais. Até porque não é o género de pessoa que não tenha logo dado pela "coincidência" de o caso dos submarinos ter aparecido novamente, assim do nada, mal o Paulo Portas arranca 10% e faz tremer o Sócrates -- porque é o único que o consegue, e bem podem ir para cima dele com submarinos e documentos secretos subtraídos aos arquivos da Defesa Nacional (na volta o gajo levou-os para casa como recordação, não me admirava nada e se calhar até fazia o mesmo, por muitas e variadíssimas razões e se calhar bem mais tenebrosas do que qualquer motivação que tivesse hipoteticamente tentado o líder do CDS caso tenha verdadeiramente acontecido, no que não acredito sem provas) que para ali vão de carrinho porque é um homem sério e não há ponta por onde lhe pegar. Aliás, só não votei nele exactamente por causa do Código do Trabalho, a que me vi na obrigação de me opor, por muitas lágrimas que tenha chorado a noite toda sem dormir, qual mulher enamorada que desprezada por um irmão vai para a cama com o outro como consolação, "Paulinho! Paulinho! Oh, Paulinho!"
-- Eh, eh! Não. Isto era eu a brincar ao estilo Braganza Mothers. Passo efectivamente as noites sem dormir mas ainda não chegou ao ponto de gritar "Paulinho! Paulinho!". Talvez lá chegue um dia, mesmo sabendo que não faço o tipo de mulher que o cavalheiro aprecia, mas no coração não se manda. --
Dizia eu sobre esta colega, que não é totó nenhuma, e me surpreendeu por votar PS, que me fez dar voltas à cabeça a tentar compreender porquê. Depois compreendi. É o estado de negação. De certa forma, é este o estado em que andamos todos, abstencionistas incluídos, ainda a tentar acreditar em qualquer coisa que adiante, seja o voto seja o protesto.
O estado de negação é poderoso, tão poderoso que, respeitando as respectivas distâncias que não são para brincadeiras, muitos dos judeus que entravam nos campos de extermínio se convenciam até ao final de que iam mesmo para trabalhar.
"Mas papá", diria uma pequenita, "parece-me que não vejo aqui ninguém a trabalhar. Se calhar o que aqueles camponeses que nos faziam sinais para o comboio diziam eram verdade, e viemos aqui para morrer."
"Disparate!", diria o pai, "Os alemães precisam do nosso trabalho. Só nos querem explorar. Não ganham nada em nos matar."
Sempre me fez bastante impressão que esses judeus, em estado de completa negação, tenham acreditado na máquina de propaganda alemã, ignorado todas as evidências, e caminhado alegremente para "os banhos", mesmo depois de assistirem à selecção, à chegada, dos mais "capazes".
O estado de negação é realmente um poderoso mecanismo de defesa psicológico, imediatamente accionado quando o horror é insuportável. Nem todos, no entanto, permaneceram nele até ao fim. Muitos se aperceberam, e deduziram que nada havia a fazer, e que o melhor era deixar os outros nessa doce ilusão até ao derradeiro final.
Trago para aqui este caso limite, salvo, mais uma vez, as devidas distâncias, apenas para ilustrar o meu ponto. Pelo contrário, eu sempre fui daquelas que preferem acreditar no pior. Não só nos vão explorar, como matar, como ainda esfolar! Já é uma sorte que não nos esfolem vivos porque dói menos.
Neste caso, temos sorte, só nos querem de facto explorar. Livra! E assim encontro alguma razão para contentamento. (Será negação também?)
Uma coisa é certa, e surpreendente. Desde as eleições que tenho ouvido na rua os Manéis, à esquina, em grandes debates políticos como já não ouvia desde os tempos da infância!!! "E os submarinos? E o dinheiro?!", ouvi hoje, de um amigo para o outro, em acalorada cavaqueira, quando ainda na semana passada aqueles dois deveriam falar só do Benfica e do Mourinho e doutros que nem conheço.
Será bom sinal? Será sinal de que os tugas começam finalmente a acordar?! Novamente, livra!, que já era tarde!
Por falar em cavaqueira, não há dúvida que nesse caso o presidente fez um grande favor à nação, talvez o único em toda a sua vida, lançando a mais devastadora confusão num comunicado que eu não conseguiria escrever na minha pior bebedeira, do qual não se percebeu nada, mas nada de nada, ah valente também dás no tintol!!! *hic*
O momento político não podia ser mais engraçado, e o folhetim televisivo mais curto, tipo telenovela, para acompanhar todos os dias sempre em grande suspense até ao grande final. Quem fica com quem? Qual dos vilões se safa melhor? Quem é o melhor intrujão? E a resposta à grande dúvida existencial: quem votou no Pinóquio, e porquê?
Se este post parece estranho e nebuloso, sem ponta por onde se lhe pegue, a culpa não é minha, mas do momento que o inspirou. Isto já não é o pântano, é o rodopio do remoinho em direcção ao fundo abismal. A pique.

3 comentários:

skunkie disse...

Panem et circenses


Na falta maior do primeiro, há que apostar forte no segundo.

katrina a gotika disse...

Quando não há pão o circo não faz efeito.
Logo, ainda há pão.

I Am No One disse...

Não me lembro, devia estar com os copos, mas ganharam todos não foi? :/

...Menos nós... :(