segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

H. P. Lovecraft - Mestre do Horror V

The Horror at Martins's Beach
Se alguma vez Lovecraft pretendeu escrever sobre um horror tão terrível que ficaria para sempre na mente dos leitores, este é um dos contos em que conseguiu.
Um barco de pesca mata um monstro marítimo que se torna atracção para os turistas de Martin's Beach, uma aprazível costa de veraneio com um hotel junto ao mar.
Depois de examinarem a nova espécie, os cientistas concluem que apesar do seu tamanho gigantesco este exemplar não passa de uma cria recém-nascida, razão pela qual o seu progenitor volta para se vingar.

[História "curiosamente" semelhante à que deu origem ao telefilme "The Beast", em que o monstro é uma lula gigante, mas não convence pela inverosimilhança que uma criatura acéfala possa congeminar planos de vingança como, não vamos mais longe, as sequelas do famoso "Tubarão" ("Jaws"), escritas pelo mesmo autor: Peter Benchley... Nada disto se passa na história de Lovecraft uma vez que o monstro possui um cérebro e o resultado deixa concluir que maneja poderes sobrenaturais.]

Esta vingança é levada a cabo numa noite em que os salva-vidas da praia são atraídos ao mar pelo que pensam ser o grito de um náufrago ou de uma baleia, ao que respondem prontamente lançando uma corda e uma bóia de salvamento. Mas algo começa a puxar do outro lado, com tamanha força que muitos homens se lhes juntam e nem mesmo assim a corda parece ceder. Convencidos de que uma baleia teria engolido a bóia, os homens decidem desancorar um barco para a capturar quando percebem que estão "colados" à corda. É aqui que começa o verdadeiro horror. Ao perceber que os homens estão de alguma forma paralisados e que a maré está a subir, os turistas e outros observadores não têm coragem de se mexer e assistem, mais ou menos impávidos e incrédulos, enquanto todos aqueles seres humanos morrem afogados. Ninguém tentou ajudar. Os relatos dados posteriormente à polícia foram confusos e evasivos. Toda a agente tentou esquecer.
Então, onde estão os monstros, de facto?
Esta história foi publicada em 1923.


The Horror at Red Hook
O detective Thomas Malone [quantos polícias e detectives e agentes da lei herdaram este nome é inumerável...] começa por investigar um bairro degradado de Nova Iorque, Red Hook, devido a uma vaga de raptos de crianças que aterrorizava os seus habitantes mais honestos. Num ambiente de crime generalizado e imigrantes ilegais, acaba por descobrir uma seita satânica com origem na população curda [quão politicamente incorrecto isto nos soa agora] trazida para lá com promessas de grandes poderes sobrenaturais conferidos por um deus ou um sacerdote.
No centro desta seita está um velho eremita, aparentemente apenas um estudioso de lendas, cujo percurso lembra o antepassado de outra personagem de Lovecraft: Charles Dexter Ward. Como este, também o velho bruxo Robert Suydam pareceu rejuvenescer de um dia para o outro (as alusões do seu vampirismo amplamente demonstradas pelos raptos das crianças) e até contrair matrimónio com uma jovem noiva da alta sociedade que é brutalmente assassinada na noite de núpcias e todo o seu sangue levado como oferta a Lilith. Nesta história, o que é tão mais curioso quanto raro em Lovecraft, os demónios são do tipo tradicional: Lilith, Asmodai, Samael...
O detective Malone consegue pôr fim à terrível seita mas não sem prejuízo próprio pois acaba por ser afastado da cidade devido a um esgotamento nervoso.


The Hound
Como o título deixa sem dúvida escapar, este cão é a origem do terror que assola dois amigos, mas não dois inocentes. Tratam-se de membros da alta sociedade inglesa que, simplesmente por tédio, decidem procurar emoções violando túmulos e montando um verdadeiro museu de horrores na sua mansão isolada do mundo, onde se divertem, na maior das decadências, a recriar adorações e rituais da natureza mais mórbida rodeados dos despojos das suas explorações nos cemitérios. Um dia vão longe demais. Quando descobrem a história de um outro ladrão de túmulos, tal como eles, que teria morrido há séculos, desmembrado, vítima de um ser sobrenatural que as lendas atribuem à vingança dos mortos perturbados no seu descanso, decidem com ainda maior entusiasmo exumar o velho "colega". Ao seu pescoço encontram um medalhão onde figura um ser entre o cão e a esfinge, e os mais aterradores dizeres. A partir desse momento, parece-lhe ouvir em todo o lado o latir de um cão que os persegue e ameaça. Quem conta a história é o amigo sobrevivente, depois de encontrar o companheiro desfeito e moribundo. Ainda se tenta livrar do medalhão e devolvê-lo ao proprietário no seu caixão mas descobre que uma vez desenterrado é impossível voltar a devolvê-lo ao mundo dos mortos... com vida.
Não consigo deixar de pensar que belo argumento daria este simples enredo se posto num filme de época com dois amigos a viverem juntos no luxo e deboche de que só a alta sociedade de uma certa Inglaterra vitoriana é capaz, tresandando a ópio, violando caixões e oferecendo rituais entre copinhos de sherry, num misto entre Egdar Allan Poe e Oscar Wilde...


The Lurking Fear
Um investigador do sobrenatural, cujo nome nunca é referido [mas que à semelhança de Randolph Carter faz lembrar o moderno Fox Mulder dos Ficheiros Secretos], é atraído a Tempest Mountain depois de um massacre sangrento que vitimou muitos dos seus habitantes. O que o leva ao local não é o crime em si mas as lendas dos camponeses que dizem ter sido perpetrado pelo fantasma, ou fantasmas, da família Martensen, cuja mansão, apesar de abandonada, é absolutamente temida embora nem os próprios vizinhos se lembrem porquê. No decurso da investigação, em que são também mortos dois dos seus companheiros de longa data e um jornalista que "recrutara" já no local, o investigador é confrontado com um monstro e apercebe-se de que o horror em Tempest Mountain é algo que na sua busca pelo sobrenatural nunca tinha encontrado antes. Aterrorizado, começa a investigar a história da família Martensen, cujas lendas não tinha levado muito sério. Os registos indicavam que eram colonos holandeses, fugidos do domínio inglês, que continuaram a odiar, durante séculos e até no Novo Continente, tudo o que lhes lembrasse o inimigo da pátria, e se mantiveram, por isso, completamente afastados do resto da recém-nascida sociedade americana. Parece também que o local escolhido para se estabelecerem era, como o nome indica, muito sujeito a tempestades e trovoada, e que ao longo de gerações os relâmpagos e trovões começaram a influenciar os nervos da família. Contava-se que um certo Jan Martensen se tinha afastado do lar para se juntar ao exército e ao regressar teria sido rejeitado pela família, que o acusava de ser um "estrangeiro". Conta um amigo da época, com quem este se correspondia, que Jan Martensen teria sido por isso assassinado pela própria família, e seria o seu fantasma que os habitantes da região tanto temiam apesar de a família Martensen ter eventualmente abandonado a mansão depois de uma degradação aberrante só explicada pela consanguinidade das suas muitas gerações de isolamento. Levado pela superstição, depois de ver os seus colegas de aventura barbaramente assassinados, o nosso investigador acaba por acreditar na história e por isso decide escavar o túmulo da trágica vítima. É então que descobre que toda a montanha era minada por túneis subterrâneos. O som do trovão, ao ecoar, traz para a superfície não demónios nem fantasmas, mas todos os sobreviventes da desaparecida família Martensen: deformados, embrutecidos... e canibais!
Esta é daquelas histórias de que a América gosta particularmente.


The Outsider

Unhappy is he to whom the memories of childhood bring only fear and sadness.

Assim começa uma das histórias mais tristes de Lovecraft, em que o protagonista crê ter crescido e vivido a vida toda num castelo onde nunca entrava a luz, cheio dos restos mortais dos antepassados e rodeado de uma densa floresta onde parecia ser sempre noite. À procura da luz que nunca tinha visto, este ser decide então subir à torre mais alta do castelo para vislumbrar a paisagem por cima das copas das árvores que conhecia do seu mundo subterrâneo. Qual não é a sua surpresa quando depois da longa e perigosa escalada se encontra, não no alto de uma torre, mas ao nível do chão. Guiado por memórias inexplicáveis, consegue vaguear até uma casa que lhe parece familiar e onde decorria uma festa com muitos convidados. Era como se sentisse de novo em casa mas, assim que se lhes junta, todos gritam em horror e fogem espavoridos de um monstro que o próprio confronta olhos nos olhos. Alguns segundos depois, de novo sozinho, percebe que se está a ver ao espelho e recorda-se da sua grande tragédia: esteve morto este tempo todo e o que chamava "castelo" era nada mais nada menos do que a sua cripta. Percorrido por uma dor insuportável aceita por momentos que já não pertence àquela família, nem a nenhuma, e volta a encontrar a paz numa segunda amnésia.


The Picture in the House
Das velhas casas isoladas dos primeiros colonos que chegaram à América, puritanos e religiosos ao ponto do fanatismo, Lovecraft fala sempre com horror (como em "The Lurking Fear"). A uma destas cabanas aparentemente abandonadas chega um viajante de bicicleta perdido numa estrada de província que apenas pretendia fugir à tempestade que se avizinhava. Depois de bater à porta e ninguém responder, pensando que a casa estava desabitada e perante a fúria dos elementos, acaba mesmo por entrar. Já no interior apercebe-se de que afinal moraria lá gente. Apercebe-se de um mobiliário de estilo antiquíssimo, que se não fosse pela sua simplicidade seria a delícia de muitos coleccionadores, e surpreende-se pela quantidade de livros igualmente antigos. Em cima da mesa chama-lhe à atenção um em particular, que descrevia viagens pelo Congo no século XVIII e apresentava a ilustração fantasiosa de um talho de negros canibais. De facto, o livro parecia ter sido aberto tantas vezes nessa página que foi das primeiras que viu. À parte disso, ouve barulho nas escadas e percebe que tinha sido surpreendido pelo dono da casa, um velho grande, sujo e mal vestido que, notava-se bem, não estava habituado a ter visitas. A seguir desenrola-se uma conversa perfeitamente civilizada, em que o intruso pede desculpa pela invasão e explica a sua situação, perdido na estrada e na tempestade, e o velho anfitrião o acolhe com a maior das simpatias. Postos ambos à vontade, o tema virou-se para o livro, que estava escrito em latim, e que o velho não sabia ler pelo que pediu ao visitante que lhe traduzisse algumas passagens enquanto lhe contava que tinha adquirido o volume há muitos anos porque achava as ilustrações interessantes. Isto deixou o incauto visitante mais à vontade: afinal, o dono do livro era só um pobre iletrado com um fascínio pelas paragens distantes de África. Até aqui, nada de anormal. Anormal começa a ser quando o anfitrião aponta a figura do talho, salientando os seus pormenores mais sangrentos, e solta algo como "depois de ver isto, matar ovelhas tornou-se mais divertido". E logo depois, como se de nada se tratasse, acrescenta: "Uma pessoa põe-se a pensar como será que sabe. Se comer carne faz bem, comer mais semelhante à nossa carne deve fazer melhor..."
Não, este não é nada um sofisticado Hannibal Lecter, bem pelo contrário, mas apreciam os mesmos ingredientes.


Continua.

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