domingo, 17 de agosto de 2008

Invejo-te.
A inveja não é o pecado que me trouxe ao inferno. Mas invejo-te.
Viveste depressa, viveste como quiseste. Partiste num orgasmo de heroína.
Nunca saberás o que é ser velho. O cabelo a cair. Os braços sem força. As pernas trémulas.
O teu rosto será sempre um rapazinho sorridente. Encantador.
Nunca te dirão que a tua arte não presta.
Nunca terás de te preocupar com maldades do mundo que nos matam lentamente. A todos.
Nunca terás crédito indexado à Euribor.
Nunca mais precisarás de gasolina.
Nunca saberás o que é mundo depois de 2001.
Não serás demasiado velho para arranjar emprego.
Não te perguntarão se tens habilitações a mais ou a menos para o supermercado.
Não serás preterido, nas obras, por escravos estrangeiros e mais baratos.
Não terás de emigrar para ser escravo tu também.
Nunca conhecerás a derrota de andar a estudar para nada.
Nunca conhecerás a frustração de seres rejeitado por experiência profissional a mais.
Partiste. Os teus pais choram-te.
Mas não é a ti que eles choram, sabias? Eles choram o filho ideal que nunca tiveram.
Sim, claro que sabias.
E choram o filho ideal que nunca iriam ter.
E isto também sabias, porque vias mais longe do que os outros.
E eles não percebem que morrer foi a melhor coisa que te aconteceu. Não sonham sequer que foi a melhor coisa que lhes aconteceu. Serás sempre o seu pequeno deus.
Invejo-te. Fui cobarde. Todos diziam que estavas errado e acreditei neles. Desculpa-me.
Lamento ter-te deixado. Não lamento teres-me deixado. Nunca teria coragem de te seguir.
Invejo-te tanto!