quinta-feira, 26 de junho de 2008

Massa amorfa

O Fernando, dos blogs Angústias de um Professor (Actualmente fechado ao público) e Um Piano na Floresta, é comentador aqui há muitos anos e um blogger que respeito e aprecio. Deixou o seguinte comentário no meu post A geração que matou Abril, que eu acho digno de uma resposta mais alargada.

Tinha 3 anos em 1974 e entrei na Universidade em 1990 e, mesmo assim, fizeste-me sentir culpado... Sabes, gostava de ter mais alunos/as como tu, mas, em vez disso, apanho com a massa amorfa que essa geração que tanto criticas educou.


As gerações mais novas não me parecem uma massa amorfa. Ao contrário da visão negativa que os filhos dourados do 25 de Abril têm da "concorrência" mais nova (até nos chamam Calimeros), vou ter de repetir o chavão feliz de que não é uma "geração rasca" mas tão só uma "geração à rasca".
Ainda há pouco tempo ouvi o Eduardo Catroga (ministro das Finanças do governo de Cavaco Silva) num excelente programa de economia que dá às quintas-feiras na RTP2 pronunciar uma grande verdade, tão grande quanto terrível: é a primeira vez em muitas décadas que a geração mais nova não vai ter hipótese de viver melhor do que a geração anterior.
Nunca gostei muito do homem, até porque também se prestou ao seu papel na quadrilha, mas quando os programas têm fraca audiência até os hipócritas se descaem com as verdades.
É um facto. A geração depois da minha, entre os 18 e os 30 anos, já homenzinhos e mulherzinhas, sabem muito bem o que os espera. Já não acreditam em lirismos e em lutas. É fácil para os filhos dourados de Abril os culparem por não lutarem pelos seus direitos, mas a verdade é que se esgotaram as formas democráticas de lutar. Encaremos os factos. Os empregos são escassos e mais escassos ficarão à medida que a economia atrofia. Os sindicatos não têm poder nem já lhes interessa mobilizar os trabalhadores (até vieram propor, com toda a lata, que todos os contribuintes sem excepção os financiem). Os grupos económicos detêm todo o poder. Esta geração já não tem emprego. Vai tendo trabalho, precário, rotativo, até não remunerado. Por enquanto, quem financia isto são os mesmos filhos dourados de Abril que vão pagando as contas aos meninos (desde a universidade, ao carro, à casa) dos seus próprios salários. Ou seja, não estão a preparar uma nova geração, estão a adiar o caos. Quando forem finalmente postos na rua ou reformados com uma pensão miserável, perceberão no bolso a sociedade que sustentaram. Uma sociedade de mal pagos que não ganha para os sustentar na velhice. Tudo se paga e a factura não tarda.
Lutar nos tribunais? Pode um precário ir para um tribunal processar uma empresa que utilizou o seu trabalho durante seis meses ou um ano (ou mais, como eu conheço casos) sem lhe pagar um tostão, e no fim não o admitiu (e isto acontece no próprio Estado)? Anedótico. Primeiro, porque foi o jovem que se sujeitou a tal estágio, aliciado com promessas de talvez ficar, de ganhar currículo, de melhorar as possibilidades de emprego no futuro. Segundo, porque a justiça está estrangulada.
Que outras formas de lutar? A desilusão para com a política é generalizada. O pensamento reinante é "são todos iguais". E, se virmos bem, até são mesmo. Em vez de votar à esquerda e à direita e mudar as moscas, até já não votam. Diga-se de passagem, as moscas não mudam. Ainda no outro dia li um testemunho de um jovem de uma juventude partidária que confessava que as "jotas" só querem os voluntários para colar cartazes e fazer barulho. Depois da eleição, os cargos propriamente ditos vão para os filhos dos que já lá estão.
É assim. Parece ser o nosso triste fado. De Valentim Loureiro a João Loureiro. De Mário Soares a João Soares. Do avô de Manuela Ferreira Leite a Manuela Ferreira Leite.
As gerações mais novas não são estúpidas, ao contrário do que se pensa. Estúpido é quem pensa que são.
Amorfas, apáticas? E como não? Qualquer criatura jovem com dois dedos de testa sabe que a única saída é emigrar. E emigram mesmo. Haja saúde de ferro e um bocadinho de ajuda lá fora (família emigrada desde os anos 60 que nunca pensou voltar à tradição das "cartas de chamada"), e lá partem eles para a França, o Luxemburgo, a Suíça, o Reino Unido, e até a Espanha. Aliás, a emigração em Espanha é maior do que se pensa porque há muita gente a trabalhar lá e a vir passar o fim de semana a casa. Não deixa de ser um fenómeno sociológico curioso. Haverá já sociólogos, daqueles com lugar cativo nas cátedras das faculdades, a investigar o tema? Duvido muito. As universidades dependem do governo e o governo não vai disponibilizar dinheiro para fazer má figura.
Viram-se, sim, os emigrantes, na Suíça, a apoiar a selecção de futebol. Só não viu quem não quis. Aí está a juventude que não é amorfa, que teve oportunidade de se pôr a andar, sabe-se lá com quanto sacrifício e sonhos desfeitos. Aqueles não são os filhos dos emigrantes. Aqueles são os novos emigrantes. Aqueles não são a segunda geração. Aqueles são a nova primeira geração. De avô a neto, saltou os pais e retorna aos filhos.
Quem fica, porque não pode partir devido à idade, ou pobreza extrema, ou saúde, ou família, só pode ser amorfo. Por alguma razão os portugueses se encharcam de anti-depressivos.
Mas estou a chover no molhado. Vou antes dar um bom exemplo. Na cena gótica eu já sou uma velha cota e lido de perto com as gerações mais novas. Sem apoios, nem subsídios, nem calimerices, vão organizando as suas festas a uma dimensão que já tem fama a nível europeu, se não internacional. Como? Organizando-se para o o objectivo comum. Actuando numa área em que ninguém lhes pode cortar as pernas nem há lugares cativos. Aprendendo com o estrangeiro. Querem, podem, e fazem. Simples quanto isso. Do pequeno se faz grande.
A geração que é amorfa aqui depressa se torna notável lá fora. Curioso, não? E parece que o fado se repete geração após geração. Excepto, claro está, para os filhos dourados de Abril a quem deram uma cadeira. Essa cadeira é podre. Não se sentem nela. Acima de tudo, não se acomodem muito. Não tarda que ela se esfrangalhe e ainda partem o cóccix.

Voltando ao comentário do Fernando, não posso deixar passar um tema que lhe é caro (e a mim) e que é a Educação. Não, a culpa da bandalheira não pode ser atribuída aos filhos dourados de Abril. Esses já apanharam as coisas assim quando lá chegaram (os que chegaram). Neste país de curta memória aponta-se a União Europeia como motivo para os sucessivos governos terem baixado o nível a um ponto que se sai da escola sem se saber ler nem escrever. Errado. Erradíssimo. A bandalheira começou muito antes.
Depois do 25 de Abril, por reacção exagerada ao regime anterior, riscou-se da educação qualquer vestígio de rigor. Na década de 70, a anos luz da CEE, adoptou-se a ideia revolucionária de que não eram os alunos que eram burros, os professores é que eram maus. De modo que não podia haver maus alunos. Todos tinham que passar.
Estava eu na primeira classe, em 1978, puseram um atrasado mental na turma. Experiência primeira de muitas de um eduquês que actualmente mostra os frutos da sua aberrância. Este atrasado mental, com traços acentuados de mongolóidismo, mal sabia falar. Pensou-se então em juntá-lo aos normais para ver se evoluía (também fizeram uma experiência assim com uma criança e um chimpanzé). Resultado, não sabia desenhar um "A", nem sabia o que era um "A", mas passava as manhãs aos gritos, a agredir os colegas das carteiras mais próximas, riscando-lhes os papéis, atirando as coisas ao chão. Era de facto um aluno com necessidades especiais. Necessitava de um colete de forças e de um Valium. Nesse tempo ainda servia a régua de madeira da professora que tinha o dom terapêutico de o acalmar enquanto a mão doía. Depois esquecia-se e voltava ao mesmo. Actualmente parece que já não é assim. Já não se tenta sequer pô-los a desenhar o "A". Dá-se-lhes logo a escolaridade obrigatória. Pois não, meus amigos, isto não tem nada a ver com fazer boa figura perante a CEE mas com certas ideias deturpadas de vítimas de um regime demasiado rígido que quiseram à força garantir que todos os alunos eram iguais.
Os filhos dourados de Abril não passaram por isto. Nem sabem o que é isto.
Outro exemplo. Na segunda classe, eu já tinha conhecimentos suficientes e maturidade intelectual para passar directamente para a terceira, aliás, como se fez durante anos e se faz em sociedades em que a Educação é levada a sério. No meu ano, já não deixaram. "É preciso deixar as crianças brincar", era o lema. Como se eu estivesse interessada em brincar. E disse-lhes, mas já não deixaram. Portanto, meus amigos, o eduquês não começou agora. E o cancro na Justiça apareceu brioso logo assim que se fez uma revolução anti-fascista e não se julgou ninguém. Esses erros, porque pagamos gravemente hoje, não são culpa dos filhos mas dos pais de Abril.
A culpa dos filhos é não conseguirem compreender as dificuldades porque passaram as gerações anteriores e porque passam as mais novas.
A mim, que não sou amorfa, mas estou de tal modo de pernas e mãos atadas para fazer mais do que isto que o pareço, resta-me usar todos os meios ao meu alcance para ensinar às gerações mais novas o que precisam de aprender e não lhes ensinam em casa nem na escola nem na igreja: a fraternidade.
(Diga-se o que se disser, foi a igreja que durante séculos cumpriu esse papel, certamente mais mal do que bem, mas actualmente esse lugar ficou vago, à mercê de outras seitas e novas religiões ainda mais predatórias.)
O que é a fraternidade, perguntam os mais novos? A fraternidade é eu preocupar-me com o vosso futuro. A fraternidade é eu preocupar-me com o vosso futuro mesmo que eu já não tenha futuro.

Não, Fernando, não me parece que tenhas culpas. O sistema já estava montado. Fazes o papel que te permitem tal como eu faço o meu. Não há espaço de manobra para mais e por isso se sufoca. Não estão amorfos, estão amarrados.
De que te queixas, Fernando? De que as gerações mais novas não votam? Para quê? De que não lêem? Até lêem, e cada vez mais, mas só o que lhes interessa. Ler mais para quê? Acaso isso lhes vai garantir um futuro? Não sabem escrever, é certo. E porque haviam de o fazer? Acaso lhes arranja emprego? Mais vale aprenderem logo francês e inglês, para se integrarem melhor nos países de destino. Não sabem matemática? E para que haveriam de saber? Para tirarem um curso científico, fazerem um mestrado lá fora e voltarem para o país a trabalhar numa caixa de supermercado ou como operador de registo de dados? As máquinas do tio Belmiro até dizem qual é o troco.
A Educação tornou-se uma carolice. É irrelevante que português se escreve no telemóvel. Os empregos são para quem tem cunhas, saiba ou não saiba ler.
E depois disto, admiras-te que a massa pareça amorfa? Eu não. Mas sei que não são. O tempo da massa amorfa veio e foi. Actualmente é preciso estar triplamente vivo para sobreviver, coisa que a massa amorfa vai perceber no dia de luto e ranger de dentes.

Gostei muito deste bocadinho.

18 comentários:

Fernando disse...

Há aqui demasiada substância para um comentário rápido. Voltarei.

katrina a gotika disse...

És sempre bem vindo. :)

H. Sousa disse...

Faço minhas as palavras de Fernando. Creio tratar-se de algo que é preciso ser discutido na sociedade. Como já tenho dito, devias escever um livro. Junta os posts e publica, não custa nada.
Abraços

Fernando disse...

Prometi que voltava, mas o comentário é tão longo que acabei por transformá-lo em entrada no Sofa Station.

A Gotika, num dos seus muitos posts sobre a situação do país, desafia os seus leitores a escreverem sobre as razões pelas quais chegamos aqui, isto é, a uma situação de depressão estrutural e beco sem saída na sociedade portuguesa.

Parte I

Este comentário começa há mais de 500 anos atrás…

Não sou historiador, mas já li o suficiente sobre história para compreender que as opções que se fazem ao longo da vida influenciam o que somos e o que nos tornamos. Se um adolescente com 18 anos é confrontado com a hipótese de roubar ou não roubar um automóvel, a opção escolhida determina, por vezes de modo decisivo, o seu futuro. Assim aconteceu, segundo me parece, com o nosso país. Em Portugal, a expansão colonial foi largamente moldada pelas escolhas da Coroa, ao ponto do Estado se designar como Patrimonialista: todos vivem à custa do Estado e não há diferença entre o património do Estado e os bens privados do Rei. Quando algum nobre mais aventureiro se propunha fazer uma viagem, o Rei financiava toda a empreitada, minimizando o risco, no sentido económico do termo. E foi assim que aprendemos a viver à custa da Coroa. A nobreza, o clero e, mais tarde, a burguesia cresceram à sombra do Estado. Enquanto os holandeses criavam companhias comerciais com investimentos privados, cujo risco era suportado essencialmente por particulares, os portugueses mantinham a sua relação de quase filiação com o Estado.

Fast forward para o século XX…

É habitual fazer-se a comparação, absurda diga-se, entre ditaduras de direita e de esquerda. Em termos de crueldade, não há diferenças entre Hitler e Estaline. Mas existe uma diferença crucial entre o salazarismo português e o comunismo da Europa de Leste. Enquanto, em Portugal, a população era mantida na mais penosa ignorância por parte do poder político, a generalidade dos países do Bloco de Leste (talvez com a excepção da Albânia) prosseguia campanhas de alfabetização das massas, que conduziram a taxas de escolarização superiores a 80%. Esta diferença explica quase tudo, mas é sobretudo útil para compreendermos porque razão estes países se desenvolvem agora tão rapidamente, ultrapassando Portugal a toda a velocidade. Esses países optaram pelo sistema económico “errado”, mas essa escolha revelou-se substancialmente menos penalizadora do que a “nossa” escolha “errada” de manter o povo na ignorância. Se quase todos os ex-países comunistas têm demonstrado que a transição para o capitalismo pode ser feita de modo suave, Portugal atesta também que a transição para uma sociedade com elevados standards educacionais e cívicos só pode ser suave, ou melhor dito, lenta. Em parte, só nos resta esperar…

Parte II

Quando escrevi “Sabes, gostava de ter mais alunos/as como tu, mas, em vez disso, apanho com a massa amorfa que essa geração que tanto criticas educou”, não estava a lamentar a falta de qualidade dos alunos. Sou professor há 14 anos e, ao longo deste período, sempre tive alunos dedicados, alunos preguiçosos, alunos assim-assim, alunos geniais (uns 3 ou 4 levaram 19 valores) e outros que nunca deveriam ter entrado na universidade. Tenho assistido a um decréscimo na capacidade de expressão escrita e a uma alarmante diminuição da cultura geral dos alunos. Na minha disciplina de Políticas Públicas, cheguei a ter fervorosas discussões sobre as escolhas políticas dos nossos governos, com alunos que estavam informados e eram excelentes a argumentar. Hoje em dia, só nas aulas de Mestrado… Mas, nem tudo é negativo. Verifiquei ganhos substanciais na relação com a tecnologia e uma diminuição da dificuldade em aceder aos professores, também por abertura destes. Mas não é sobre isto que me lamento quando menciono a “massa amorfa”. O problema é mais profundo do que isso.

E aqui volto ao início…

É tudo uma questão de risco. Tal como os nossos antepassados, que aprenderam a depender da Coroa, a geração actual tem muitas dificuldades em “assumir o risco”. Neste aspecto, a vista de Lisboa é mais positiva do que a vista do Minho. Alguns exemplos. Uma das alunas mais brilhantes que tive oportunidade de acompanhar, e que vai terminar o curso este ano com média de 17 valores (a melhor de sempre nessa licenciatura), recebeu uma excelente proposta para tirar o doutoramento no Extremo Oriente. Recusou, sem ter qualquer outra proposta. Uma outra aluna concorreu a uma multinacional que se vai estabelecer em Angola e precisava de quadros qualificados. Recusou, sem qualquer outra proposta. Tenho outra aluna de Arcos de Valdevez que lamenta que Braga seja tão longe… a 40 km!

E este é o meu dia-a-dia: tentar alargar os horizontes desta geração. A geração actual tem problemas em arriscar, e muitos dos seus membros são filhos de ex-emigrantes em França, na Suíça, etc., o que torna isso ainda mais incompreensível. Muitas pessoas que moram em Lisboa referem-se ao resto do país como “a província”. Fico revoltado quando ouço essa afirmação, mas penso que, de forma acidental, acabam por ter razão.

Já fui director de uma licenciatura. Agora, voltei a ser simplesmente professor. Tenho mais tempo para dedicar a esta cruzada. A geração actual não se pode conformar. Se não encontram emprego por conta de outrem, têm de ser eles próprios a criá-lo. Recebem ofertas para trabalhar no estrangeiro e o seu inglês não é grande coisa? Aprendem com o tempo e no próprio local. Mas nada se faz sem sacrifícios e sem assumir o risco. E é disto que eu me queixo. Quando surgiu a oportunidade de tirar doutoramento nos EUA, deixei pais, namorada, amigos e fui sem olhar para trás. Tenho alunos bem sucedidos, a trabalhar por conta própria, a fazer pós-graduações no estrangeiro, a trabalhar em Angola, nos EUA, por toda a Europa (sobretudo em Espanha), em grandes empresas em Portugal. Mas todos estes têm algo em comum, que não vejo na maioria: arriscaram e estiveram dispostos a sacrificar o seu bem-estar para evitarem ser mais um número nas estatísticas do desemprego.

Gotika: Aprecio muito as pessoas que me obrigam a pensar. Nunca deixes de o fazer…

Um agradecimento à música que contribuiu para este texto: Coco Rosie, Wim Mertens e Brian Eno.

skunkie disse...

porque comparas uma ditadura de direita como a de Salazar com comunismo? é a mesma coisa que falar de maçã e kiwi, são ambas frutas e a comparação fica por aí.
Se vamos falar então da ignorância, "pão e circo", trazida por esses tempos, não te podes queixar da falta de "coltura" geral da pirralhada de hoje em dia. Portugal está descaracterizado: pergunta a um desses jovens para que serve um chá de folha de oliveira, como se matam galinhas, sabem lendas e histórias da terra em que moram, qual a zona onde se pesca mais sardinha, etc etc depois agarras nas mesmas perguntas e vais fazê-las aos pais dos jovens e só depois é que fazes ao avós. Surpreende-te com as respostas.

Sabes meu caro, ser ignorante tem muito que se lhe diga e esses frutos maravilhosos do comunismo que tão bem apresentaste a esta mesa, é só colocar um pouco mais de luz para se ver bem e acredita que eles não são tão maravilhosos assim.

Antes do 25 a ignorância do povo era grande mas ainda hoje sabem a tabuada, o que é uma arroba e dois alqueires, como calcular a àrea de um terreno, etc. A ignorância de hoje é assassina da cultura e da sobrevivência porque as criancinhas de hoje em dia acham que os frangos e as frutas nascem daquelas caixinhas brancas de esferovite embaladas em celofane brilhante. história verídica.

Por isso, deixe de comparar maçãs e kiwis, porque nem em salada de frutas elas ligam bem.

katrina a gotika disse...

Caro Fernando, lamento ter percebido mal a tua expressão "massa amorfa". (Um à aparte: eu também tenho uma definição para massa amorfa e é ela "aqueles e aquelas que votam sucessivamente no PS e no PSD".)
Agora acho que percebi, mas também não é agora que concordo. A solução não pode ser apenas ir para o estrangeiro. Custa-me a acreditar que defendas uma coisa dessas! Ninguém devia ser obrigado a sair do seu país por falta de escolhas. Podes criticar a falta de ambição (estás no teu direito) mas não é justo criticar o amor à terra em que se nasceu e a vontade de lá permanecer.
Quanto à criação do seu próprio emprego, só para filhos de ricos, e geralmente esses não precisam de abrir empresas próprias porque já têm emprego nas empresas dos pais. Se não me acreditas, lê mais páginas de economia. Ou faz o seguinte teste: inventa uma empresa, uma ideia irrecusável. Depois apresenta-a a um banco. Não lhes digas que tens um ordenado fixo. Diz-lhes que precisas de um empréstimo e não tens fiador. Depois volta cá para contar a história. Eu já sei como acaba mas não quero estragar o suspense.
Quanto aos sacrifícios, bem, devo ser a prova provada. Enquanto pude, até aos 30 anos, trabalhei de graça e a recibos verdes só para ganhar nada ou uma miséria. Um dia acordei, estava velha, e nem tinha direito a um subsídio de desemprego.
Conclusão: tiveste sorte. Aproveita. Mas aproveita a sério! Não gastes, e poupa.

Fernando disse...

E os que não votam, que são a maioria?...

No meu comentário não defendi a emigração em massa como solução, embora ache que cada pessoa individualmente deva encarar essa possibilidade. Os exemplos que dei serviram apenas para ilustrar um ponto, que não terá ficado claro e que nos aproxima mais do que julgas. A geração que criticas educou a geração que tem actualmente 18-30 anos para ser passiva, "amorfa" na minha expressão. No mesmo espírito histórico de dependência do Estado, essa geração depende agora dos pais. Não precisaram de lutar e, agora que as dificuldades surgem, não estão preparados para fazerem sacrifícios. Este meu argumento nada tem que ver com cultura geral (como pretendia o Skunk), mas com valores, o que é substancialmente diferente. Se, ao longo de 20-25 anos da sua existência, os pais não lhes incutiram valores associados com o esforço ou o sacrifício do conforto do lar, do iPod, da TV ecrã gigante, do carro que conduzem e que foi oferecido pelo papá, da roupa de marca que a mamã paga, etc., não podem esperar que considerem sequer a hipótese de emigrar para um país onde não conhecem ninguém, de viver num quarto a partilhar casa ou ter dias de trabalho de 12 horas a ganhar 750 euros/mês. (Tive até uma aluna que disse que não trabalharia por menos de 1000 euros/mês. Está em casa à espera do dito emprego...)

Quanto à criação do próprio emprego, acho que estás pouco informada. Os incentivos ao empreendedorismo são mais que muitos, sobretudo no momento em que se termina a licenciatura. Há financiamento para spin-offs académicos e empreendedorismo jovem através do IEFP ou IAPMEI, especialmente nas áreas de Engenharia, Informática, Economia e Gestão, entre outras. Desde que haja boas ideias, há onde encontrar financiamento. Podes é dizer que há licenciaturas que não servem para nada, mas isso é outro debate...

skunkie disse...

"Tenho assistido a um decréscimo na capacidade de expressão escrita e a uma alarmante diminuição da cultura geral dos alunos." <---- atão é sobre??
Caro Fernando, apetece-me dizer isto sem grandes reviarvoltas: Nem Toda a Gente Nasce com a Peida Virada para a Lua! Não quer dizer que não tenham de lutar como os outros, mas "os outros" chegam a ter de lutar muito mais só para se irem aguentando.

"o Skunk" - o/a Skunk não importa mas de facto não há nada que o indique, só para dizer que tal como essa pressuposição e outras que vais fazendo: "assumption is the mother of all fuck ups".

Tá na hora do meu café,

Kthkxbye

Fernando disse...

Ainda bem que tiras a conclusão do post ser sobre "cultura geral" com base em 1 linha num total de 50. Não te vou explicar o que é tirar frases no contexto, algo que sabes fazer tão bem...

E quanto a suposições erradas, estamos conversados. Para quem não me conhece pessoalmente, nem a minha vida ou origens, já tiraste mais que muitas.

Tomás disse...

Os pais incutem nos filhos os valores que eles acham que lhes vão proporcionar a oportunidade de singrar na vida, integrados na sociedade em que vivem. Se a sociedade premeia a dependência do estado e castiga a iniciativa própria, os pais irão educar os filhos para depender do estado porque é a maneira mais simples de "garantir" que terão uma existência confortável. Não sei se será justo imputar a culpa aos pais sem mais nem menos. Isto é um ciclo vicioso, mas esperar que sejam os pais a quebrar o ciclo vicioso é um bocado ingénuo, porque só funciona se a maioria quebrar o ciclo. Se apenas uns poucos quebrarem, serão os filhos desses poucos que pagarão a factura do erro, e nenhum pai quer ter os filhos a pagar pelos seus erros.
Por outro lado esperar que o poder político quebre o ciclo também é complicado, porque numa democracia a atitude pragmática é satisfazer a maioria, e se a maioria for "amorfa" tentar mudar o rumo do país é garantia do final da carreira política.

katrina a gotika disse...

h. sousa:

http://gotikka.blogspot.com/2008/03/lista-de-posts-sobre-portugal.html

katrina a gotika disse...

Fernando:

É difícil ser independente em Portugal. A maioria das pessoas que eu conheço e vivem sozinhas (isto é, sem pais nem casamentos) tiveram uma grande oportunidade que souberam aproveitar. Oportunidades destas não são para todos, como podes imaginar. (Ou não.)

«não podem esperar que considerem sequer a hipótese de emigrar para um país onde não conhecem ninguém, de viver num quarto a partilhar casa ou ter dias de trabalho de 12 horas a ganhar 750 euros/mês.»

Meu amigo, deixa-me dar-te uma notícia. Para viver assim não é preciso emigrar. Há muita gente que vive assim aqui, em Lisboa, por falta de alternativas. Algo me diz que não sabias.
É um facto que ninguém se sujeita a isto se pode viver melhor, e esperar, e ir fazendo estágios e estágios não remunerados à pala dos pais porque não têm que ganhar para sobreviver.
Tudo o resto depende da personalidade de cada um e da situação familiar. Há pessoas mais independentes que outras; há pais mais independentes que outros. Há muito mocinho e mocinha que se casa ou vai viver para um sítio infernal só para fugir aos pais. Mas o ponto chave aqui é que as pessoas não ganham o suficiente para serem independentes. Se também não ganham o suficiente para serem independentes no estrangeiro, então só me estás a fazer rir. Emigrar para quê? Para viver tão mal ou pior do que aqui? Só se for para um país tropical, onde pelo menos há cocos.

«Os incentivos ao empreendedorismo são mais que muitos, sobretudo no momento em que se termina a licenciatura. Há financiamento para spin-offs académicos e empreendedorismo jovem através do IEFP ou IAPMEI, especialmente nas áreas de Engenharia, Informática, Economia e Gestão, entre outras. Desde que haja boas ideias, há onde encontrar financiamento. Podes é dizer que há licenciaturas que não servem para nada, mas isso é outro debate...»

Pois, não conheço esses incentivos. A minha licenciatura não serve para nada, só para ser explorada em estágios não remunerados. (Agora vou ali dar um tiro nos cornos e já volto.)

Mas antes disso ainda:

«E os que não votam, que são a maioria?...»

Há aqui dois tipos. Os amorfos e os desiludidos com a democracia. Neste sub-grupo dos desiludidos com a democracia não encontras amorfos. Muitos não votam como sinal de protesto (se há comodismo é que não se dão ao trabalho de ir lá pôr o voto em branco mas este também não conta para nada).

Fernando, não leves pessoalmente nada do que eu disse, até porque não te conheço para tal. Eram apenas coisas que precisavam de ser ditas.

katrina a gotika disse...

*errata

em cima, quando eu disse "pais mais independentes que outros" queria dizer "pais mais permissivos que outros"

katrina a gotika disse...

E o que o Tomás disse é obviamente uma grande verdade.

Fernando disse...

Acho que não me exprimi bem quando disse «não podem esperar que considerem sequer a hipótese de emigrar para um país onde não conhecem ninguém, de viver num quarto a partilhar casa ou ter dias de trabalho de 12 horas a ganhar 750 euros/mês.» Estava a falar destas hipóteses como mutuamente exclusivas e não cumulativas.

Claro que não sou ingénuo ao ponto de acreditar que todas as pessoas têm oportunidades. A minha crítica é a quem se acomoda, como se conclui pelos exemplos que dei.

Gosto da tua crítica social, mesmo da mais dura. Nem sempre concordo, mas aprecio discussões leais.

H. Sousa disse...

De facto, Tomás diz uma grande verdade e aí pode residir o trinco que prende a mudança!
Emigrar pode constituir uma solução, mas também exige sorte e cunhas às vezes. Que a situação está preta, está!

katrina a gotika disse...

Fernando:

«Acho que não me exprimi bem quando disse «não podem esperar que considerem sequer a hipótese de emigrar para um país onde não conhecem ninguém, de viver num quarto a partilhar casa ou ter dias de trabalho de 12 horas a ganhar 750 euros/mês.» Estava a falar destas hipóteses como mutuamente exclusivas e não cumulativas.»

Nesse caso não são sacrifícios para ter uma vida melhor, são sacrifícios para sobreviver. E são todos sacrifícios que baixam o nível de vida comparados com a geração anterior. Claro que a geração seguinte não está preparada para ter menos do que os pais, mas vai ter de se aguentar à bronca. Talvez tivesse sido evitável, talvez não. O mundo tem ciclos e estamos a entrar novamente num período negro de (digo eu) pré-guerra, como nos anos 30 do século 20.
Mas isso já nos afasta da discussão interna e leva-nos para a situação mundial. Nos meus posts anteriores estava apenas a referir-me às peculiaridades de Portugal pós-25 de Abril. Olha, estava a fazer um bocadinho de História contemporânea. Nem sequer voltei a abordar todas as causas (de séculos) que abordaste (e muito bem). Já não faço isso. Acho que é tempo de pensarmos no presente e no futuro.

Klatuu o embuçado disse...

Afinal... ele é tão novinho... :)