quinta-feira, 19 de junho de 2008

Da ética

Escrevi o seguinte texto como resposta a um comentário ao post A geração que matou Abril mas acontece ser um dos meus temas preferidos e merecedor de destaque. Aqui estou a responder ao comentador Tomás, d'A Ponta da Pila (o nome do blog é da autoria do comentador), cujos comentários costumam ser, no mínimo, interessantes, se bem que raramente concorde com eles. Desta vez proporcionou-me o seguinte comentário/resposta, que acabou por sair completamente do âmbito do post inicial:

Vou também responder ao Tomás.

O que achas que se devia fazer a todas as pessoas que não acreditam na Ética e não subscrevem a fraternidade? Metê-los a todos em campos de concentração e reeducá-los? Distribuir umas chapadas que estiveram em falta quando eram crianças? Removê-los de circulação? Purgar os heréticos?

Geralmente são as pessoas sem ética que tentam meter os outros num campo de concentração e exterminá-los. E esta não é uma boa história inventada por mim (mas obrigada pelas palavras elogiosas, estava de facto inspirada nesse dia) mas infelizmente real, muito real.
Este simples parágrafo, para bom entendedor, chegaria como resposta, mas quero dizer mais.
A sociedade humana, como a Psiquê abordou acima, já para não falar do sucesso da espécie como um todo, baseia-se em mais do que a sobrevivência do mais apto. Aliás, basta olhar para a natureza e perceber que são as espécies que estabelecem melhores laços de entreajuda social, desde os leões aos chimpanzés passando pelas curiosas sericatas, que mais hipóteses têm de sobrevivência num ambiente hostil. A solidariedade é uma forma de inteligência. Não querendo ser uma darwinista social, mas não desprezando os argumentos da tese, o ser humano tem toda a conveniência em ser solidário, ético, ou, se quiserem, em seguir a regra dourada de "não fazer aos outros o que não queres que te façam a ti". No mínimo, evita o conflito social. Isto já é ser muito cínica (ou simplesmente darwinista social) mas parece-me que a sociedade funciona melhor quando os seus elementos sabem (porque são inteligentes) que as gerações mais novas não pretendem eutanaziá-los quando chegarem à velhice. Na selva manda a lei da selva. Mas não é na selva que a sociedade avança e progride. Não é num clima de guerra social e desconfiança generalizada que a espécie se mantém.
Nem com os leões isso funciona. O leão dominante mata as crias do leão derrotado, mas na sociedade dos leões não há memória, nem sensibilidade, porque não o QI não é suficientemente evoluído. A memória, a sensibilidade, são demonstrações de inteligência. Se a leoa se lembrasse que o leão alfa lhe matou os filhos era o fim da sociedade dos leões. E nós temos obrigação de agir de forma mais inteligente do que leões porque somos mais inteligentes.
O que fazer então aos que não percebem o interesse da ética para a sobrevivência da espécie? Tratá-los como gente menos inteligente, nem mais nem menos. Em alguns casos, tratá-los como os criminosos que são (quando o são e muitos são). A ideia de exterminar atrasados mentais também não é nova e também não é minha. Mas é contra a coesão social e todo o progresso da espécie, nem que seja porque as "leoas" do género humano não esquecem. Ainda estamos a pagar pela última experiência em ética. Mas a memória de alguns parece ser curta. Esperemos que a memória (mesmo inconsciente/colectiva) da maioria seja de maior duração, ou estamos bem fodidos, curto e grosso.


É importante falar destas coisas. Cada vez mais importante.

7 comentários:

Tomás disse...

Concordo que é cada vez mais importante falar destas coisas, daí o meu comentário anterior.

A tua visão da colaboração enquanto vantagem para todos só funciona se uma maioria considerável compreender e concordar com a ideia. Se a maioria forem "free riders" e se estiverem bem a cagar de alto para isso, quem sai prejudicado são os que colaboram. É Teoria de Jogos simples, como uma sessão de jogos do dilema do prisioneiro repetidos. "Colaborar" é a postura moralista simples, para quem quer ver tudo preto ou branco e não quer decisões difíceis. Mas num mundo de filhos da puta quem se fode és tu. É matemática simples.

E este país é um mundo de filhos da puta. Como eu, tu, e muita muita gente já bem sabe. Tal como no dilema do prisioneiro, se os outros forem filhos da puta, a vantagem para ti está em sê-lo também. O darwinismo social não é uma visão cínica da mesma maneira que o darwinismo das espécies não o é: descrevem processos que ocorrem inevitavelmente devido às relações naturais entre as coisas. Os animais quando "evoluem" fazem-no simplesmente vivendo as suas vidas do dia-a-dia, e a evolução é o "resultado macroscópico" do processo. No darwinismo social (intrasocial - é invenção minha?) é a mesma coisa, as pessoas não estão conscientes do processo mas participam nele à mesma. E a pressão selectiva da nossa sociedade é no sentido da não colaboração, porque as pessoas vêem que os filhos da puta é que triunfam e ninguém quer ser um falhado porque não é fixe. Muitos não o fazem por maldade intencional, mas simplesmente como resposta a pressões adaptativas. Os falhados acabam sozinhos, desapontados e amargos. Aprendem e são genuínos, mas recebem a palmadinha nas costas e não o rebuçado.

Trombetear a Ética é um beco sem saída. A menos que seja para reunir aqueles que já responderam à chamada.

E a memória, como acho que tu já pudeste observar, é mesmo bestialmente curta por estes lados.

Anónimo disse...

O que falas não é Darwinismo Social, mas sim Altruísmo e Selecção Parental. São coisas diferentes, mas ambas interessantes.

katrina a gotika disse...

Compreendo-te Tomás, mas não concordo. A grande maioria das pessoas não são filhos da puta mas sim "dormentes". A quantidade de filhos da puta é ínfima, a imitação é que é grande. Estes "dormentes" só acordam quando percebem que estão a ser enganados, o que, dependendo da filha-de-putice dos seus líderes pode demorar de anos (o 3º Reich) a 60 anos de ditadura (o nosso triste exemplo).

Trombetear a Ética NÃO é um beco sem saída. É mostrar a saída alternativa. Alguém tem de a trombetear. Resta a cada um de nós, não dormente (logo, desperto) escolher entre o Bem e o Mal, ou, se quiseres, para isto não soar muito religioso (se bem que é também disto que se fala na religião), entre a Ética e a Filha-de-Putice.

katrina a gotika disse...

Não; falei principalmente de darwinismo social. Este, rigorosamente estudado, e não adulterado como foi por regimes de má memória, teria chegado à conclusão de que o altruísmo (palavra bonita para a entreajuda) é que é o motor do progresso da espécie humana, e não a simples sobrevivência do mais apto (que no género humano não funciona devido à nossa capacidade de julgar segundo uma moralidade superior ao instinto de sobrevivência -- capacidade de que os animais são desprovidos).

Dei o exemplo dos leões como podia dar outro. Não era intenção discutir terminologias zoológicas mas apenas fazer-me entender.

Já o termo Altruísmo, por si só, merecia uma tese. Mas não tenho por hábito perder-me no acessório quando discuto o essencial.

Anónimo disse...

Gotika:

Gosto de ler comentários interessantes, com os quais não concordo, porque são esses que nos fazem pensar. Já diz a psicologia, que sem conflito, não há mudança nem evolução…

E sim. Aquilo de que falas é mesmo o essencial. Mas, agora apeteceu-me deixar o meu contributo sobre o acessório:

Então, pergunto: Altruismo? Aquilo do amor desinteressado pelo próximo?

Acho que a Gotika não estava propriamente a falar de generosidade e filantropia, ou estavas?

Acho que há uma "pequenina" diferença entre o civismo e o altruísmo; entre o respeitar os direitos que são de todos; e o ter vocação humanitária ou de voluntariado.

A primeira hipótese é um dever de todos os seres que se intitulam humanos.

A segunda, é um traço da personalidade individual e pessoal.

Acho que há uma diferença entre o não passar á frente dos outros numa fila; e o dar o nosso lugar a outra pessoa. Eu não dou o meu lugar na fila a ninguém, porque é meu e cada um tem o seu. Mas se eu quiser fazê-lo por altruísmo ou por outra razão qualquer, ninguém tem nada a ver com isso. Não o faço para parecer "boazinha",nem vou criticar os outros que não o fizeram,porque assim já não "merecem um lugarzinho no céu"!

Mas o que é triste, muito triste, mesmo triste, é quando por ex. se vai ao centro de saúde, a uma repartição pública ou a outro sítio público qualquer e ouvem-se pessoas dizer: “Ah, sabes, fui muito bem tratada. Foram muito simpáticos e atenciosos comigo, vê lá…” Como se o facto de sermos bem tratados fosse a excepção á regra do que deveria ser a obrigação de qualquer profissional que ganha o seu ao fim do mês. Isso é que é triste, quando nos habituamos a ser mal tratados e lixados todos os dias. E depois é natural, que num dia em que nos sentimos respeitados, ou ficamos muito surpreendidos ou muito desconfiados…

Pois. É verdade. É muito mais fácil ser-se realista, filho da mãe e vencedor, do que idealista, amargo e falhado. Porque quem não acredita na ética, nem no respeito pelos outros e confunde civismo com altruísmo, é uma pessoa livre! Não precisa de ninguém. Tudo o que conseguiu alcançar foi sozinho. (Foi?) Não teve a ajuda de ninguém. (Não?) É um vencedor porque conseguiu adaptar-se e colaborar com a lei da selva. E isso é inteligência. Já diz a psicologia, que inteligência consiste na capacidade de adaptação dos seres ao meio exterior. Mas adaptar-se, significa necessariamente compactuar com o que nos prejudica a todos a longo prazo? Sim, porque já sabemos que a curto prazo, é só vantagens. O pior é depois, quando todos pagam os erros uns dos outros (olha o exemplo da EDP…). E temos é que nos dar bem Hoje, que Amanhã já podemos cá não estar. Pois, há uma novidade: muitos de nós já cá não estão...Porque quem olha e não vê, ou finge não ver para se dar bem, é preferível ser trocado por uma máquina. Esquecemo-nos que, nós somos os outros dos outros. E embora pareça, não estamos sozinhos.

É muito simples. Ética até pode ensinar-se e aprender-se. Carácter não.Dizem que a aparencia fisica e a personalidade têm o poder de abrir muitas portas, mas que é o carácter que as mantém abertas...Mesmo que isto só aconteça no tal "mundo ideal" e que já se saiba que isto do carácter não paga contas a ninguém...

Tomás disse...

A quantidade de filhos da puta é ínfima sim, e a imitação é grande. É aí que está o problema - no haver imitação. "Primeiro estranha-se, depois entranha-se". Os imitadores de agora serão os genuínos de amanhã. E não são precisos muitos, basta uns poucos em posições de poder para influenciar indirectamente tudo o resto. A tendência por reforço positivo ("positivo" salvo seja) é para mais gente se juntar às fileiras deles. Quanto aos teus dormentes, são um dragão adormecido, mas um dragão muito preguiçoso. Acredito que eventualmente a classe privilegiada se aliene do resto da população de tal modo que seja incapaz de distinguir o obscenamente inaceitável do simplesmente obsceno e aperte em demasia o zé povinho a tal ponto que ele se insurja. É normalmente como as coisas se têem passado ao longo dos séculos. Mas nós por cá somos mesmo bons a encarar os apertos estoicamente, por isso esse cenário ainda demora.

Como se o facto de sermos bem tratados fosse a excepção á regra do que deveria ser a obrigação de qualquer profissional que ganha o seu ao fim do mês.
É triste sim. E também é o mundo em que vivemos. É um mundo triste, e somos nós todos que o fazemos assim.
E não é confundir civismo com altruísmo. É simplesmente descartar a responsabilidade do civismo. Porque podem. Não custa nada, é só "let it go, free your mind".

katrina a gotika disse...

Eu nem comecei a falar de Altruísmo. No estado que isto está, para ser minimamente ouvida é melhor fazer lembrar a evolução das espécies. O Altruísmo já um conceito demasiado elevado para todos compreenderem (porque o esqueceram). Nestes momentos, em que temos Joões Mirandas a dizer que os pobres são preguiçosos, é preciso baixar o nível e apelar aos instintos mais primitivos. :)

Concordo com os vossos comentários. Gostei principalmente de recordar esta:

Porque quem olha e não vê, ou finge não ver para se dar bem, é preferível ser trocado por uma máquina. Esquecemo-nos que, nós somos os outros dos outros.

Também já é demasiado complexa para a maioria das pessoas. ;)