domingo, 16 de março de 2008

Desobediência

When the Nazis came for the communists,
I remained silent;
I was not a communist.

When they locked up the social democrats,
I remained silent;
I was not a social democrat.

When they came for the trade unionists,
I did not speak out;
I was not a trade unionist.

When they came for the Jews,
I remained silent;
I wasn't a Jew.

When they came for me,
there was no one left to speak out.


Eu juro que não sou eu que invento estas coisas. Antes fosse eu, que estivesse em casa sem fazer nada, a pensar em assuntos deprimentes para falar no blog. Infelizmente, eles não faltam. E esta hoje até me fez cair o queixo. Tabaco? Ainda se compreende. Obesidade, matar os gordos à fome? Tem a sua lógica. Agora o governo meter-se em assuntos que só dizem respeito a pais e filhos, como proibir piercings a jovens menores de idade e piercings na língua a toda a gente?! Mas esta gente ensandeceu de vez? "Come a sopa ou eu chamo a ASAE"? Quem disse bem foi uma entrevistada anónima que respondeu ao jornalista da RTP1: "Os deputados estão na Assembleia da República a pensar em coisas destas?! Não acredito. Está a brincar comigo, não está?" Pois a rapariga tem toda a razão. Isto é coisa para os Apanhados ou para o Gato Fedorento, ou para a criatura sinistra que é o Director Geral de Saúde, Francisco George, que pelos vistos tem mais corja igual lá enfiada no gabinete bolorento onde, à semelhança do que acontecia no bunker de Hitler, é proibido fumar.



Não, este não é o sinistro Francisco George, Director-Geral da Saúde e meu ódio de estimação. Este é o Lizard Man, que é um gajo porreiro. Francisco George é bem mais sinistro. Muito mais sinistro ainda do que o deputado que fala "axim" e quer proibir o piercing na língua. Balha-nos Deus, e no pénis e no clítoris, podem facher-se? Ou é chó uma questão de tempo antes que também chejam proibidos, chenor deputado? Por caucha da chaúdinha, pois então. Deus nos dê chaúdinha que hospitais já não há.

Eu própria gostava de tratar da saúdinha a estes senhores, que não sei se vão ser corridos assim que houver eleições porque o lobby do jogging parece uma hidra de sete cabeças que aparecem em todo o lado. Acho que se tivesse filhos menores era amanhã mesmo que os levava a uma loja de piercings e os mandava tatuar de alto a baixo. Se já fosse proibido, melhor ainda.

Porque aquilo de que eu quero falar é de desobediência. Tenho andado caladinha porque há muito bar por aí onde se desobedece à Lei do Tabaco. Às vezes, melhor que roer o osso, é enterrá-lo em sítio secreto. No que a lei é injusta, a sociedade restabelece a justiça. Há efectivamente, neste momento, bares para fumadores e não fumadores. De resto é como tudo. Quem não gosta do ambiente ou da música dá meia volta e sai. Escolha não falta. E assim é que deve ser.

Esta dos piercings, contudo, lembra-me a minha adolescência: "Tu não te metas na droga! Tu não me apareças grávida em casa! Tu não te vistas que nem uma viúva!"
De facto, podia ter dado em pior, mas não deu porque eu nunca fui desobediente. Para dizer a verdade, e este post é uma desculpa para escrever mais uma página do diário que se vai fazendo neste horror de sociedade absurda, desde a mais tenra infância que eu nunca compreendi o conceito dialéctico OBEDIÊNCIA / DESOBEDIÊNCIA. Ambas as palavras eram para mim chinês. De modo que não podia ser uma coisa que desconhecia completamente. Agora se me falarem no conceito RESPEITO / DESPREZO, é outra conversa. Ainda antes de conhecer as palavras já me regia por ele. E era basicamente assim: mandavam-me fazer alguma coisa cuja lógica ou importância eu não compreendia... estava tudo lixado! Pelo contrário, desconfiada que nem uma raposa (e com razões para isso), a proibição era para mim, ao invés da maioria das crianças que julgam que um prazer lhes está a ser negado, uma suspeição de que andavam a esconder-me algo para me tramar. Por exemplo, nunca ouvir dizer de mim "esta criança é desobediente". Ouvi, sim, muitas vezes, "fala mais baixo que ela está a ouvir". Ela, eu. Que se ouvisse demais era um problema. Eu até os compreendo. Explicar conceitos complicados a uma criança que não sabia ler nem escrever podia ser um bico de obra. Azar, eu até queria aprender a ler mas não me deixaram para "não me aborrecer na escola".
Tantos anos passados e quem tinha razão era eu. E já nessa altura as pessoas que lidavam comigo sabiam que se eu achasse que tinha razão não se fazia nada de mim. "Não venhas tarde para casa ou levas tareia." As tareias que eu levei! Mas a verdade é que a proibição sem lógica só me causava desprezo. Hoje, como dantes, só me causa desprezo.
Havia pessoas que não lidavam comigo muito frequentemente e ficavam sideradas com as minhas perguntas incómodas. "Criança reguila", ouvi também muitas vezes. Tinha um especial prazer em demonstrar-lhes que não era "reguila", estava simplesmente a ignorá-los. É assim um bocado como hoje, quando voto em Paulo Portas porque o respeito sem ele me mandar fazer nada, e porque não voto em ninguém do PS ou do PSD porque me dão vómitos. Pena o Manuel Alegre (que ninguém o cala mas não faz nada) não ter o golpe de asa para dar um chuto no partido. Olha, pena eu, a reguila, não ter estômago para a política. Dizem que aquilo é pior do que a aula de anatomia na morgue. E realmente cheira mal.

Esta coisa da obediência é-me, portanto, ainda hoje estranha, se bem que compreenda o conceito. Obedece-se para manter a ordem social. Não me passa pela cabeça, por exemplo, desobedecer a um polícia. Mais depressa fazia o que ele diz porque tenho pena que os agentes da ordem sejam tão mal pagos e desprezados, quanto mais ainda terem cidadãos a contrariá-los. Pois é, até já tenho pena da polícia, e nisto incluo a Polícia Judiciária que passou uma vergonha mundial com o caso Maddie. É de ter pena. Muitas vezes obedeço por essa razão, a pena. Claro que isto não é obediência. É protocolo de misericórdia. "Sim, senhor agente. Tem toda a razão, senhor agente".

Mas há uma altura em que já nem a obediência chega para manter a ordem. É a hora do lobo. Ou da raposa. A noite está escura e não há luar. Ouvem-se lá ao longe os caçadores a conspirar. (Ouvem-nos?)

Depois vêm falar de "mal difuso" e de "perigo de perder a coesão nacional", quando os deputados estão na Assembleia da República, como disse a anónima, não a fazer leis para o desenvolvimento do país mas tão só a meter-se na vida de pais e filhos?!

É a consanguinidade. Coitados, pensam que governar o país é a mesma coisa que ser pai de família. Deviam pensar mais onde andam os filhos deles antes de se meterem na vida dos outros. Pelo que conheço da corja com quem andei na faculdade, são os piores. E a pior notícia é que são esses meninos do papá as cobras do futuro. Esses não têm piercings na língua... só onde não se vê. Nem fumam, só snifam coca. Same old, same old. Sepulcros caiados por fora e cheios de podre por dentro. Tais pais, tais filhos.

Quando se chega a esta situação em que criaturas desprezíveis nos querem roubar a liberdade, só resta uma solução. Desobediência. Mas com jeitinho, que isto é um jogo perigoso. Eu prefiro chamar-lhe resistência.

Estou a pensar fazer um piercing no umbigo.

5 comentários:

Goldmundo disse...

É um jogo perigoso, sim, gotika. E nao é um jogo de multidão.

Grande texto.

Silvia disse...

Antes fosse um jogo de multidão. Fogo a São Bento.

katrina a gotika disse...

Obrigada Gold. É sempre ouvir isso vindo de ti. Mas, sem modéstia e sem ironia, já escrevi textos melhores. O tema está a ficar repetitivo.

Vai uma aposta que ainda te obrigam a cortar o cabelo?! ;)


Silvia, se calhar tens razão. Enfim, que dizer? Preferia que não tivesses.

Goldmundo disse...

Minha querida, não me importo nada de cortar o cabelo. Sou um (como é que se diz na lingua actual? covered agent?)... enfim, um infiltrado.

PS. Lingua atual. Esqueci-me do acordo ortografico, essa pérola.

Lord of Erewhon disse...

Sem dúvida que «diário» é o conceito que se impõe para começar uma conversa sobre o teu blog - mas é um conceito demasiado genérico... «diários» são quase todos (alguns mais «semanários», etc). Mas «diário» é o conceito que melhor apropria o teu blog, enquanto espaço confessional - e digo confessional no sentido de tratamento real da matéria literária.

Espero ter feito sentido... Essa qualidade é específica do teu blog - não conheço outro que seja escrito nesse «tom», que tenha essa qualidade vertiginosa de nos arrastar para dentro do magma emocional de uma outra vida.

Dark kiss.

P. S. Sem desejar mal a ninguém: gostaria imenso que um jovem licenciado no desemprego, quiçá um pouco louco, quiçá um pouco gótico, quiçá um pouco qualquer coisa ainda por perceber, juntasse numa hora só todo o seu desespero... e enfiasse um tiro nos cornos de um ministro.

Talvez Portugal acordasse...