segunda-feira, 29 de maio de 2006

Falta de sorte

Sim, admito, também snifo do ópio futeboleiro há muitos anos. Gosto dos jogos entre selecções, e não só os da selecção portuguesa. Antes isso que o Eurofestival da Canção -- valha-me Deus!
E vi atentamente os três jogos dos sub-21, com alguma tristeza porque estavam a correr mal, mas jogo é jogo e aquilo é apenas um jogo de futebol e nada mais que isso, e qual não é o meu espanto quando por duas vezes os jogadores vieram queixar-se da sorte. "Foi falta de sorte", disse aquele que marcou o golo.
E fiquei a pensar: Chiça! É assim que pensam miúdos daquela idade, que os maus resultados se devem à falta de sorte? Onde está a auto-crítica, a responsabilização? Não há falta de sorte. O futebol não é um jogo de cartas. O que aconteceu é que a equipa não conseguiu tocar na bola em três jogos consecutivos. De modo que a meio do jogo comecei a torcer pelos alemães. Mas os alemães cometeram um erro crasso, o de julgar que o jogo já estava resolvido e afrouxar a defesa. Pagaram pelo erro. Quem teve sorte, quem teve mesmo muita sorte, foram os sérvios-montenegrinos, que àquela hora deviam estar sentados a lamentar a vida quando subitamente lhes caiu do céu o apuramento. Isso é que foi sorte. Os erros de uns são a sorte de outros.

Causa, consequência. Causa, consequência. Causa, consequência.

Outra vez: Causa, consequência.

Agora uma outra espécie de falta de sorte. Algúem me consegue explicar qual é a obsessão do nosso primeiro ministro com as farmácias?!... Confesso que me faz confusão. Já não há muita coisa que me faça cair o queixo, mas no discurso de tomada de posse, Sócrates abandeirou como uma das primeiras medidas (fulcral, ao que parece) a venda de xarope para a tosse nos hipermercados. Um observador estrangeiro que não soubesse nada do país pensaria "que rica vida eles têm que a maior preocupação do primeiro-ministro é o conforto dos cidadãos que compram aspirinas, pois que bela economia devem ter, e devem ser todos muitos ricos, muito felizes, que paraíso!"
Isto não é normal.
Poderá ser daquelas medidas excêntricas à americana, ou mesmo à brasileira. Quem não se lembra da telenovela "O Bem Amado", em que o prefeito foi eleito por prometer, como primeira medida, o "inauguramento" do cemitério para que a população não precisasse de ir ser enterrada à vila mais próxima?...
Pois Sócrates que explique o que lhe aconteceu de tão traumático numa farmácia que tenha de meter xarope para a tosse no discurso de tomada de posse. E a cruzada continua!!! Eu até posso compreender, mas explique, homem! Foi talvez a uma farmácia às três da manhã comprar um analgésico e deram-lhe uma descompustura por bater a horas tardias? Teve de pagar taxa moderadora? Ficou chateado? Fez birra? Tem família ligada às farmácias? Amigos? Conhecidos? É um favor pessoal? Foi promessa a Nossa Senhora de Fátima? Diga, a quem prometeu? Ou não há mesmo nada mais importante do que as farmácias? Como a corrupção, a ineficiência da justiça, a iliteracia, já para não falar das pensões de miséria e do aumento do número de sem abrigo, só por exemplo? Ora aí está uma medida boa para um discurso de tomada de posse: "nem mais um sem abrigo na rua!". Mas não. Calhou a sorte às farmácias.
Caramba, expliquem-me, que isto não é normal.

6 comentários:

Goldmundo disse...

Uma vez fiquei a falar com uma senhora que me pediu um cigarro à saida de Santa Apolonia, sob as colunas do Museu Militar. Uma sem-abrigo de talvez sessenta anos, e iliterata era coisa que não era. Não falo da "sabedoria popular": era uma pessoa que se exprimia num português correctíssimo, bem acima da média.

A certa altura diz-me ela: ah, se o Barroso (era ele, ao tempo) percebesse que bastava distribuir Prozac de graça.

Será isso?

Solum disse...

Eu tb concordo com a liberalização das farmácias e dos alvarás. porq raio num raio de não-sei-quantos-metros de uma farmácia não pode existir outra? Porque é que só um farmac~eutico pode ser proprietário de uma farmácia? Porque raio o preço não pode ser livre? Porque não se podem prescrever medicamentos avulso? Se o médico prescreve uma receita que consumirá 3 pípulas durante 5 dias, porque raio é que só se vendem às caixas de 50? Porque não se torna obrigatória a prescrição pro princípio activo? Sabes, Gotika, qual o peso das comparticipações dos medicamentos no orçamento do Ministério da Saúde? Isto está insuportável.

katrina a gotika disse...

Lá estão vocês a não perceber a coisa. Não tenho pessoalmente nada contra a medida em si, mas é a desproporção das medidas quando há coisas mais importantes para fazer.
E foi principalmente ele ter falado no assunto logo na tomada de posse, o que é totalmente despropositado tendo em conta a seriedade das questões que realmente estão a afundar o país. Como a justiça, a educação, a economia!
Máfia, sim, é, mas há máfias piores em que ele não toca.
PORQUÊ as farmácias?!

Goldmundo, percebi-te muito bem. Infelizmente, a medida não tem nada a ver com isso mas com deixar os hipermercados venderem mais uns rebuçados .
(Mas era uma boa ideia. ;)

Vítor disse...

Sugeri a criação de uma Comissão (com maiúscula) para estudar «a obsessão do nosso primeiro com as farmácias». Como é norma, essa Comissão extinguiu-se imediatamente por falta de verbas. Perante isso, sugeri, modestamente, a criação de uma segunda Comissão para analisar a falta de verbas que levou à extinção da primeira Comissão. Esta segunda comissão, embora tivesse "pernas para andar", não andou. A pessoa responsável pela Comissão, após 1 dia e meio no cargo, optou por se reformar antecipadamente e aufere agora € 5 000,00 de reforma. É caso para citar um cidadão anónimo: «Não há condições!». É este o cancro de Portugal (political sound byte); temos de incutir dinâmica (another political sound byte), mas, porque não?, uma dinâmica dinamizadora do dínamo do diapasão («diapasão» era o nome de uma banda de música pimba cá da zona; como vê, estimado leitor, junta-se o melhor do Portugal moderno - a dinâmica - com o melhor do Portugal arcaico - a música pimba. Esse será o segredo para o sucesso). Quanto a mim, se mo permitem, estou mais concentrado no sucesso do segredo do que no segredo do sucesso.

Com os melhores cumprimentos,

Joãozinho Burocrata (Assistente da Assistente da Assistente do Presidente Adjunto)

p.s. falem baixinho não vá o país acordar...

Vítor disse...

Recordo agora com saudade o que o meu antigo Patrão (no bom sentido da palavra) respondia quando lhe perguntavam «como vai o negócio?»: «vamos ateimando!».

Nota: por incrível que pareça, a palavra «ateimando» existe(!).

Goldmundo disse...

Vitor, nao o Patrão propriamente dito, espero ;)