quarta-feira, 31 de maio de 2006

Romance com a morte


Hoje em dia há muitas e completas definições do que é o movimento gótico. Uma das melhores está no Wikipedia.

Goth

Está tudo lá para quem quiser ler. Mas ser gótico não é apenas vestir de preto, gostar de filmes de terror e de um certo tipo de música. Há mais qualquer coisa. Algo de único que separa aqueles que ficam daqueles que mudam de pele. Esse valor imperceptível é abraçar a morte.

Abraçar a morte não é prestar-lhe culto, nem aderir a actos de violência e destruição, mas sim tê-la sempre presente na vida consciente, a cada minuto, a cada segundo, como a sombra que nos segue. De tanto fascínio que produz, uns acabam por amá-la, outros acabam por temê-la, mas todos a abraçam.
E quem não sabe o que significa abraçar a morte escusa de perguntar. (Escusa mesmo de perguntar porque é como perguntar o que é o amor sem nunca o ter sentido.)
Abraçar a morte vem primeiro. Possivelmente segue-se-lhe o vestir de preto. A música, os filmes, a maquilhagem, são a moda dos tempos. Não havia disto no tempo de Florbela Espanca, nem de Sylvia Plath, nem de Edgar Allan Poe. O que havia, e sempre haverá, é o abraço da morte. Entre rejeitá-lo e retribuí-lo, é como o sexo. Cada um faz como quer.

Não é por acaso que escolhi para ilustrar este post a imagem que aparece na capa de "closer", dos Joy Division. O fio condutor sempre foi o mesmo desde as páginas de Brahm Stoker ou dos poemas dos românticos do século XIX. Não há volta a dar-lhe.

Ser gótico é ter um romance com a morte.





Post Scriptum

Admitir que se é gótico é simplesmente admitir um amor proibido.

terça-feira, 30 de maio de 2006

A machadada final

E foi a machadada final no mérito. Pais a avaliar professores. Pais ignorantes, iliterados, quase analfabetos, sem educação e sem maneiras, que tudo o que precisam de fazer para ser pais é dar uma queca, a avaliar profissionais que no mínimo tiveram que tirar um curso para exercer a profissão.
É o fim, é mesmo o fim.

Ouvir a ministra da Educação dizer sem um pingo de vergonha uma barbaridades destas, que a "distribuição das melhores turmas aos melhores professores" é uma má medida, é cuspir na cara dos bons alunos e premiar os piores. Já agora, porque não realiza de uma vez por todas o sonho da burrocracia?

Que se dêem as notas ao contrário. Que passem os burros. Que chumbem os bons alunos.

É imperativo, é urgente, é necessário!!! mandar óvulos para Espanha! Óvulos para Espanha já e em força! E não só para Espanha, para a Europa toda! Pela educação das nossas crianças, pô-las fora de Portugal já!

segunda-feira, 29 de maio de 2006

Falta de sorte

Sim, admito, também snifo do ópio futeboleiro há muitos anos. Gosto dos jogos entre selecções, e não só os da selecção portuguesa. Antes isso que o Eurofestival da Canção -- valha-me Deus!
E vi atentamente os três jogos dos sub-21, com alguma tristeza porque estavam a correr mal, mas jogo é jogo e aquilo é apenas um jogo de futebol e nada mais que isso, e qual não é o meu espanto quando por duas vezes os jogadores vieram queixar-se da sorte. "Foi falta de sorte", disse aquele que marcou o golo.
E fiquei a pensar: Chiça! É assim que pensam miúdos daquela idade, que os maus resultados se devem à falta de sorte? Onde está a auto-crítica, a responsabilização? Não há falta de sorte. O futebol não é um jogo de cartas. O que aconteceu é que a equipa não conseguiu tocar na bola em três jogos consecutivos. De modo que a meio do jogo comecei a torcer pelos alemães. Mas os alemães cometeram um erro crasso, o de julgar que o jogo já estava resolvido e afrouxar a defesa. Pagaram pelo erro. Quem teve sorte, quem teve mesmo muita sorte, foram os sérvios-montenegrinos, que àquela hora deviam estar sentados a lamentar a vida quando subitamente lhes caiu do céu o apuramento. Isso é que foi sorte. Os erros de uns são a sorte de outros.

Causa, consequência. Causa, consequência. Causa, consequência.

Outra vez: Causa, consequência.

Agora uma outra espécie de falta de sorte. Algúem me consegue explicar qual é a obsessão do nosso primeiro ministro com as farmácias?!... Confesso que me faz confusão. Já não há muita coisa que me faça cair o queixo, mas no discurso de tomada de posse, Sócrates abandeirou como uma das primeiras medidas (fulcral, ao que parece) a venda de xarope para a tosse nos hipermercados. Um observador estrangeiro que não soubesse nada do país pensaria "que rica vida eles têm que a maior preocupação do primeiro-ministro é o conforto dos cidadãos que compram aspirinas, pois que bela economia devem ter, e devem ser todos muitos ricos, muito felizes, que paraíso!"
Isto não é normal.
Poderá ser daquelas medidas excêntricas à americana, ou mesmo à brasileira. Quem não se lembra da telenovela "O Bem Amado", em que o prefeito foi eleito por prometer, como primeira medida, o "inauguramento" do cemitério para que a população não precisasse de ir ser enterrada à vila mais próxima?...
Pois Sócrates que explique o que lhe aconteceu de tão traumático numa farmácia que tenha de meter xarope para a tosse no discurso de tomada de posse. E a cruzada continua!!! Eu até posso compreender, mas explique, homem! Foi talvez a uma farmácia às três da manhã comprar um analgésico e deram-lhe uma descompustura por bater a horas tardias? Teve de pagar taxa moderadora? Ficou chateado? Fez birra? Tem família ligada às farmácias? Amigos? Conhecidos? É um favor pessoal? Foi promessa a Nossa Senhora de Fátima? Diga, a quem prometeu? Ou não há mesmo nada mais importante do que as farmácias? Como a corrupção, a ineficiência da justiça, a iliteracia, já para não falar das pensões de miséria e do aumento do número de sem abrigo, só por exemplo? Ora aí está uma medida boa para um discurso de tomada de posse: "nem mais um sem abrigo na rua!". Mas não. Calhou a sorte às farmácias.
Caramba, expliquem-me, que isto não é normal.

quinta-feira, 25 de maio de 2006

A burrice

Hoje vou falar de coisas simples. E como já não é a primeira vez que explico o país às criancinhas, cá vou bater mais no ceguinho para ver se dou vista a mais um cego. Todos os dias acorda um. Serás tu?

Imaginem que os clubes de futebol contratavam os jogadores como as empresas em Portugal contratam os trabalhadores. Era assim: o Zé Maria era o melhor avançado da equipa de júniores. O treinador queria contratá-lo para os séniores mas chega-se ao pé do Zé Maria e diz assim: "Pá, tu és bom. Sou treinador há 20 anos e nunca vi um avançado como tu. Por mim, contratava-te. Mas, sabes, o ano passado já meti o filho da minha prima, e tenho lá um filho em casa que para o ano já tem idade para jogar e até dá uns toques na bola... Por isso não te posso contratar. Mas tu és bom, safas-te em qualquer lado. Eles é que não, coitadinhos, porque não são grande coisa e se eu não os safar não jogam em lado nenhum".
Ora, frustrado e a mandar o treinador para o caralho que o enrabe, o Zé Maria lá foi tentar mais clubes, porque afinal é um bom avançado e sabe que o é. Mas em todos ouviu a mesma cantiga. Só joga quem tem cunhas. Até que o Zé Maria se fartou e foi para pasteleiro. Não é um bom pasteleiro mas por causa dos coitadinhos o Zé Maria não se safou.
E foi assim que a mediocridade invadiu os postos de trabalho.
E as equipas lá da terra? Bem, entre elas, sempre havia entre os medianos (mas não os melhores porque os melhores marcadores iam, como se viu, para pasteleiros) quem marcasse um golo ou outro e lá se iam safando.
O pior foi quando fizeram uma selecção e foram jogar com equipas de outros países onde joga quem sabe e não quem tem cunhas. E, como eram uma selecção dos menos maus, e não dos melhores, levaram uma tareia que se consolaram.
É disto que se fala quando se fala da falta de competitividade do país. É disto e tão simplesmente disto. Foram décadas a mandar os craques fazer bolas de berlim no intuito de salvar os coitadinhos da família, amigos e conhecidos. Não se provou muito inteligente porque agora que precisam de um Zé Maria para marcar golos, este está a decorar bolos (e nem por isso muito bem porque onde ele era bom não o deixaram avançar) e a equipa não ganha nem nunca ganhará. Foi cilindrada pelo mérito estrangeiro.

E isto foi a falta de competitividade do país explicada às criancinhas. Quem não perceber que enfie umas orelhas de burro e se vire prá parede sefaxavor que eu vou ali cumer uns tremossos com uns minuins e buber umas inpriais. (fodasse, hoje não que é ainda é quinta, fica prámanhâ.)

O evangelho de Judas e os outros

Acreditando na autenticidade do chamado Evangelho de Judas, tanto a dos pergaminhos em si como a da tradução revelada pelo documentário da National Geographic, e tendo em conta que as passagens descritas são poucas e podem estar fora de contexto, as ideias em si não são novas nem são surpresa.
O livro leva a acreditar que Judas não é o traidor mas o apóstolo escolhido para ajudar Jesus a cumprir as escrituras. É mesmo sugerido que Judas tinha, do próprio Mestre, revelações acerca da mensagem de Cristo que não eram partilhadas com os outros apóstolos de Jesus.
Não é surpresa porque a teoria não é nova. Confesso, eu é que nunca pensei que fosse tão antiga quanto a data dos pergaminhos parece indicar.

A traição de Judas sempre colocou aos cristãos uma questão ética muito delicada. Os cristãos aceitam (e isso foi até claramente revelado pelo mestre aos apóstolos) que era preciso que se cumprissem as escrituras e que alguém traísse o Cristo. Logo, alguém estava predestinado a fazê-lo. A questão da predestinação é o tal problema delicado.

Em verdade o Filho do homem vai, como acerca dele está escrito, mas ai daquele homem por quem o Filho do homem é traído! Bom seria para esse homem se não houvera nascido.
E, respondendo Judas, o que o traía, disse: Porventura sou eu, Rabi? Ele disse: Tu o disseste.
(Mateus 26:24,25)
(Citações daqui.)

Ora, se alguém está destinado, condenado desde o nascimento, a fazer o Mal, onde está o livre arbítrio, a Escolha? E se há Escolha, Liberdade, enfim, livre arbítrio, a quem é que cabe a sorte ou o azar de fazer o Mal para cumprir as escrituras e fazer a vontade de Deus? E como é que Deus sabe previamente quem vai fazer o Mal? E se Deus conhece os corações dos homens e pode facilmente adivinhar quem fará o Mal (que é a explicação avançada pelos defensores do livre arbítrio cristão) então para que serve a vida? O jogo não está já todo lançado? E se o resultado está decidido à partida, para quê jogar?
A predestinação é chocante mas o livre arbítrio também. Se na predestinação o homem é um peão nas mãos do destino que apenas cumpre a sua parte, no livre arbítrio Deus escreve a peça que o homem leva à cena, mas em ambos os casos o homem não pode alterar uma vírgula nem acrescentar um ponto. Em ambos os casos, o homem não tem poder algum. No segundo caso, o mais simpático, o homem é um actor voluntário que representa infinitamente o seu papel.

O que nos leva de volta à questão de Judas e ao seu papel. Como é que os evangelhos explicam a traição?
Tal como foi explicado no documentário, à medida que passa tempo sobre a morte de Jesus, os evangelhos vão endurecendo a percepção que é escrita sobre Judas e a culpa dos próprios judeus na morte de Cristo. Convinha aos cristãos desculparem os Romanos e diferenciar a sua fé emergente da fé judaica. Nada disto é novo e nada disto é uma conspiração. Está até muito claro, na própria Bíblia:

Actos 13

45 Então os judeus, vendo a multidão, encheram-se de inveja e, blasfemando, contradiziam o que Paulo falava.
46 Mas Paulo e Barnabé, usando de ousadia, disseram: Era mister que a vós se vos pregasse primeiro a palavra de Deus; mas, visto que a rejeitais, e não vos julgais dignos da vida eterna, eis que nos voltamos para os gentios;


À medida que os judeus são culpados e os gentios desculpabilizados, assim também se enegrece a imagem de Judas, desde Mateus (o evangelho mais antigo) a João (o mais recente).
Em Mateus, diz-se:


Mateus 26

47 E, estando ele ainda a falar, eis que chegou Judas, um dos doze, e com ele grande multidão com espadas e varapaus, enviada pelos príncipes dos sacerdotes e pelos anciãos do povo.
48 E o que o traía tinha-lhes dado um sinal, dizendo: O que eu beijar é esse; prendei-o.
49 E logo, aproximando-se de Jesus, disse: Eu te saúdo, Rabi; e beijou-o.
50 Jesus, porém, lhe disse: Amigo, a que vieste? Então, aproximando-se eles, lançaram mäo de Jesus, e o prenderam.



Mateus 27

3 Então Judas, o que o traíra, vendo que fora condenado, trouxe, arrependido, as trinta moedas de prata aos príncipes dos sacerdotes e aos anciãos,
4 Dizendo: Pequei, traindo o sangue inocente. Eles, porém, disseram: Que nos importa? Isso é contigo.
5 E ele, atirando para o templo as moedas de prata, retirou-se e foi-se enforcar.


Repare-se que aqui a palavra usada para Jesus se referir a Judas é "amigo", embora em Mateus Jesus já tivesse declarado que aquele é que o ia trair.
Em Lucas, a traição é explicada com a interferência de Satanás:

Lucas 22

1 Estava, pois, perto a festa dos ázimos, chamada a páscoa.
2 E os principais dos sacerdotes, e os escribas, andavam procurando como o matariam; porque temiam o povo.
3 Entrou, porém, Satanás em Judas, que tinha por sobrenome Iscariotes, o qual era do número dos doze.
4 E foi, e falou com os principais dos sacerdotes, e com os capitäes, de como lho entregaria;
5 Os quais se alegraram, e convieram em lhe dar dinheiro.
6 E ele concordou; e buscava oportunidade para lho entregar sem alvoroço.

(...)

47 E, estando ele ainda a falar, surgiu uma multidão; e um dos doze, que se chamava Judas, ia adiante dela, e chegou-se a Jesus para o beijar.
48 E Jesus lhe disse: Judas, com um beijo trais o Filho do homem?


Mas, em João, a palavra que Jesus emprega para se referir a Judas é já a palavra "diabo".

João 6

70 Respondeu-lhe Jesus: Näo vos escolhi a vós os doze? e um de vós é um diabo.
71 E isto dizia ele de Judas Iscariotes, filho de Simão; porque este o havia de entregar, sendo um dos doze.



Aliás, a imagem que João descreve do Judas de má índole começa ainda antes da traição:

João 12

3 Então Maria, tomando um arrátel de unguento de nardo puro, de muito preço, ungiu os pés de Jesus, e enxugou-lhe os pés com os seus cabelos; e encheu-se a casa do cheiro do unguento.
4 Então, um dos seus discípulos, Judas Iscariotes, filho de Simão, o que havia de traí-lo, disse:
5 Por que não se vendeu este unguento por trezentos dinheiros e näo se deu aos pobres?
6 Ora, ele disse isto, não pelo cuidado que tivesse dos pobres, mas porque era ladrão e tinha a bolsa, e tirava o que ali se lançava.
7 Disse, pois, Jesus: Deixai-a; para o dia da minha sepultura guardou isto;
8 Porque os pobres sempre os tendes convosco, mas a mim nem sempre me tendes.


Como se pode ver, Judas não é apenas um traidor. É ladrão, ganancioso, e, pecado dos pecados (como viria a dizer Paulo, "o amor ao dinheiro é a raiz de todos os males"), era o tesoureiro dos apóstolos, o que guardava o dinheiro e, como descrito acima, o roubava. Logo, pode-se supôr que Judas acompanhava os apóstolos para guardar o saco. Judas é toda a personificação do Mal, e não apenas de um mal menor mas da raiz de todo o Mal.

O que põe uma questão ainda mais delicada. Se Jesus sabia que Judas era a personificação do Mal, e que essa era a inclinação do seu coração, não deveria tentar salvá-lo em vez de o deixar afundar-se na condenação eterna (se ela existe)? Não é o dever do cristão acudir aos doentes, não aos que têm saúde?
E aqui começam as contradições no próprio discurso e prática de Cristo. E aqui diz-se "mas alguém tinha que cumprir as escrituras", e começa também a pescadinha de rabo na boca do livre arbítrio e de a quem cabe a má sorte. E ainda não se perguntou se é possível que alguém tenha apenas inclinação para o Mal, se alguém pode personificar o Mal. A discussão já ia alta (e requentada) quando aparecem estes pergaminhos a colocá-la não nas cátedras das universidades modernas mas no século primeiro. Se há surpresa, é esta.

E se a teoria é tão discutida, é porque é plausível. Quando Pedro se apercebe que Jesus vai ter um fim trágico e o incita a fugir, é acusado de estar sob influência do mesmo diabo que teria influenciado o traidor que entrega Jesus à morte:

Mateus 16

21 Desde então começou Jesus a mostrar aos seus discípulos que convinha ir a Jerusalém, e padecer muitas coisas dos anciãos, e dos principais dos sacerdotes, e dos escribas, e ser morto, e ressuscitar ao terceiro dia.
22 E Pedro, tomando-o de parte, começou a repreendê-lo, dizendo: Senhor, tem compaixão de ti; de modo nenhum te acontecerá isso.
23 Ele, porém, voltando-se, disse a Pedro: Para trás de mim, Satanás, que me serves de escândalo; porque não compreendes as coisas que são de Deus, mas só as que são dos homens.



O que não deixa de ser curioso, e logicamente indefensável. Não pode estar pelo Diabo aquele que diz a Jesus que se salve e, ao mesmo tempo, aquele que leva Jesus à morte. Ou está um, ou o outro. Como apresentam soluções opostas, não podem de modo algum estar ambos a fazer a vontade do Diabo, ou o Diabo está muito confuso e não sabe o que quer. Mas já dizia Jesus, "se eu expulso demónios pelo demónio, não está o diabo a dividir a sua própria casa"? Quem estará, pois, a dividir a casa?

E depois vem o maior argumento para a admissão da maldade de Judas pelo próprio Judas, que é o seu arrependimento e suicídio. A versão tradicional suaviza a sua inclinação para a Maldade e abre a porta da redenção ao pior dos pecadores. Se não da redenção, pelo menos a do arrependimento. Ficamos a saber que ninguém é completamente mau ou que, pelo menos, Judas não o era. Se o fosse, teria pegado nos 30 dinheiros e gastado no que lhe apetecesse - isso sim, era do Judas do evangelho de João - sem o menor remorso. Sendo assim, e tendo-se arrependido, terá perdão?
Mas segundo o evangelho de Judas, como o conhecemos, também não há grande resposta para este mistério do arrependimento e do suicídio. Se Judas entrega Jesus convencido de que está a fazer a vontade de Deus, porque se suicida? Porque se arrepende?
O evangelho de Judas assenta como uma luva ao pensamento moderno porque dá a total liberdade de escolha ao indivíduo. Judas não parece ser um santo nem um diabo. Parece ser um homem que faz escolhas, mal ou bem influenciadas pelo que acredita, mas apenas um homem como os outros. O próprio suicídio, porque entretanto o mesmo homem mudou de ideias, é a prova dessa total liberdade de escolha, até a escolha absoluta entre a vida e a morte. O Judas do evangelho de Judas não parece ser o mártir nem o condenado; é apenas o indivíduo, na sua liberdade, na sua incoerência, nas suas convicções.
Vai ser difícil para a igreja, qualquer igreja, nos dias que correm, contrariar esta ideia, porque o tempo dos mártires e dos condenados acabou. (Pelo menos em certas partes do planeta.)

Como atalho de foice, é também por isso que "O Código de Da Vinci" tem a popularidade que tem. O ser humano atingiu a maior liberdade que alguma vez teve na sua história e já não aceita que o indivíduo se submeta a uma vontade maior do que a sua própria. O indivíduo divinizou-se. O homem já não aceita mais nada senão ser Todo-Poderoso em relação ao seu destino e acredita que já não precisa de se transcender para ser igual ao divino mas, pelo contrário, aceita que o divino se humanize sem por isso perder a sua divindade.

quarta-feira, 24 de maio de 2006

Jesus... filho de Adão, filho de Deus


Lucas, 3

23 E o mesmo Jesus começava a ser de quase trinta anos, sendo (como se cuidava) filho de José, e José de Heli,
(...)
32 E Davi de Jessé, e Jessé de Obede, e Obede de Boaz, e Boaz de Salá, e Salá de Naassom,
(...)
34 E Judá de Jacó, e Jacó de Isaque, e Isaque de Abraão, e Abraão de Terá, e Terá de Nacor,
(...)
38 E Cainã de Enos, e Enos de Sete, e Sete de Adão, e Adão de Deus.



Adão, filho de Deus. Quer Adão seja o primeiro homem em sentido metafórico ou em sentido real, e todos somos filhos de Adão, então, como Jesus, somos todos também filhos de Deus. Em origem, divinos, como toda a Criação é, em origem, divina.

E se a concepção e encarnação de Jesus é em si um milagre, não é um milagre muito maior este?


Génesis, 2:7


E formou o SENHOR Deus o homem do pó da terra, e soprou em suas narinas o fôlego da vida; e o homem foi feito alma vivente.

terça-feira, 16 de maio de 2006

Acho que nunca mais vou sorrir na minha vida.

Nunca.Mais.

A vergonha

Este não era o post programado mas algo me ferve nas entranhas. Estive a ver o desfile de pavões e pavoas a entrarem em clima de festarola de província na Praça de Touros do Campo Pequeno, em Lisboa, onde vai haver um espectáculo de bárbarie, sofrimento, dor e sangue. Como nas antigas arenas romanas eles iam, sedentos, gordurosos, imorais, as tias e tios das festas do costume, os alpinistas sociais, a gregoriante Fátima Lopes (a quem já se conhece muito bem - que se fodam os bichos - as criações em pele genuína porque acha que sim, que é bem), e muitos outros, mais insuspeitos, que por lá apareceram a dar apoio. É bom vê-los. Assim não enganam ninguém.
Não percebo como é que estas pessoas não conseguem sentir compaixão, empatia, pôr-se no lugar de um animal em sofrimento. Tal como os outros, que esmagam um pombo de propósito como se fosse uma casca de banana. Não percebo. Foi-me retirada a capacidade de compreender a crueldade desnecessária, quanto mais a crueldade por divertimento.
Já o disse antes, raras vezes a inteligência anda de mãos dadas com a sensibilidade. Por alguma razão o cérebro não sente dor. Mas também sei que muita desta gente vai a uma tourada com o mesmo nada na cabeça com que pousa semi-nu(a) para uma revista que lhes pague. Mas confesso que não percebo. Está para além da minha compreensão.
É exactamente por amar os animais que os conheço tão bem. Sei que os animais são desprovidos de compaixão. É por isso que não percebo nem sei como classificar estas pessoas que aparentemente fazem parte da minha espécie, mas rejeito-os. Não podem fazer parte da minha espécie, nem eu posso fazer parte da deles. A minha compaixão pelos animais não se lhes estende porque, apesar de estúpidos, são mais inteligentes do que as pobres vítimas dos seus sacrifícios na arena. E quanto aos que são mesmo muito inteligentes mas não têm coração, de que lhes vale ser humano? Dava-lhes mais jeito pertencer ao reino dos dinossauros.

A minha guerra com as pessoas já acabou quando virei as costas à humanidade há muitos anos atrás. Nem sei porque falo nisto. Mas não consigo evitar a vergonha de pertencer, ainda que remotamente, a esta espécie.
Planeta infernal.

domingo, 14 de maio de 2006

18 de Maio - 20 Horas - MANIFESTAÇÃO EM FRENTRE AO CAMPO PEQUENO

Movimento Anti-Touradas

Caros (as) amigos(as),

Como é do conhecimento geral dia 18 do corrente mês reabre a praça de touros do campo pequeno, em Lisboa. Esta praça, que se encontrou encerrada durante 5 anos, volta agora a disponibilizar o habitual espectáculo de sofrimento e tortura de animais sensíveis a que as touradas já nos habituaram.



É lamentável que em pleno século XXI se opte por promover espaços comerciais associados a comportamentos anti-pedagógicos e de fraco valor cultural em detrimento do enriquecimento educacional e cultural. Porque convenhamos, num país com tanta fome cultural, encontraríamos facilmente outras formas de melhor entreter as nossas gentes.

Porquê a promoção de sofrimento animal como entretenimento e não a promoção de verdadeira arte, como pintura, escultura, teatro, etc..? Porquê insistir em rotular os portugueses como apoiantes de tradições bárbaras, como é o caso das touradas, quando cada vez é maior o número de pessoas que se opoêm a este espectáculo degradante?



Por muito que alguns tentem apresentar argumentos de tradição e cultura, podemos constatar pela evolução social que temos observado que este tipo de espectáculo tem o seu fim muito próximo. Não poderemos ambicionar por um ser humano evoluído e capaz de responder de forma responsável e consciente aos problemas do mundo enquanto nos mantivermos presos a comportamentos retrógados e pouco dignificantes para o Homem, enquanto espécie intelectualmente superior.



Sabemos que são muitos os que rejeitam esta realidade como um legado cultural e tradicional e desaprovam este novo espaço quem tem muito mais de sofrimento do que de entretenimento, nesse sentido promoveremos esta acção de protesto, que terá lugar no dia 18 de Maio, entre as 20H e as 23H, no campo pequeno, por forma a permitir que essas mesmas vozes se façam ouvir.



Porque acreditamos na união de esforços, esta acção acontecerá em parceria com as seguintes organizações: - LPDA - Liga portuguesa dos direitos do animal, MATP -Movimento Anti-Touradas de Portugal, Midas -Movimento internacional em defesa dos animais, GAIA - Grupo de acção e intervenção ambiental, GLA - Grupo de libertação Animal, Infonature.org, APAAC - Associação de protecção dos animais abandonados do Cartaxo, Instituto Zoófilo Quinta Carbonne e Acção Animal - Movimento pelo direito à vida Animal.



Esta coligação terá como slogan a frase " UNIDOS CONTRA AS TOURADAS".



Apelamos ao espírito de participação e união neste dia especialmente triste para os animais e para a luta que diariamente levamos a cabo em prol da defesa dos seus direitos. Ajude-nos a passar esta mensagem por Portugal inteiro e juntar o máximo número de pessoas em torno deste acontecimento. Urge mostrar realmente que os portugueses estão UNIDOS CONTRA AS TOURADAS.

Junte-se a nós! Participe activamente! Pelos animais, por si, por um mundo mais justo e harmonioso!



MATP – Movimento Anti-Touradas de Portugal: www.geocities.com/RainForest/Andes/1084/

GAIA – Grupo de acção e intervenção ambiental: www.gaia.org

ACÇÃO ANIMAL – Movimento pelo direito à vida animal: www.accaoanimal.com

MIDAS – Movimento internacional defesa animais: www.associacaomidas.com

APAAC – Ass. Protecção animais abandonados Cartaxo: www.apaac.zapto.org

LPDA – Liga portuguesa dos direitos do animal: www.lpda.pt

INFONATURE.ORG – www.infonature.org

IZQC – Instituto zoófilo quinta carbone: www.izqc.com

GLA – Grupo de libertação Animal: www.glanimal.com


UNIDOS CONTRA AS TOURADAS


MATP- Movimento Anti-Touradas de Portugal

Apartado 55102, E.C. Galiza,

4051-401 Porto

E-mail: matp@netcabo.ptv


Não farei compras nem entrarei no Campo Pequeno nem assistirei a nenhum espectáculo enquanto a bárbarie se verificar. Qualquer artista que aceite fazer um espectáculo neste recinto é cúmplice também.
Poluir Lisboa com este espectáculo de pobreza de espírito que devia ser PROIBIDO em TODO O PAÍS é uma aberração regressiva do estado da mentalidade de uma civilização.

Mais do que manifestação: BOICOTE!

Não, às vezes não se pode fechar os olhos e dizer que está tudo bem quando não está. Nem há aqui lugar para dubiezas. NÃO É NÃO!

domingo, 7 de maio de 2006

O Livro de Jó

O Livro de Jó é provavelmente o mais filosófico de toda a Bíblia. Aqui se põe em questão a vulnerabilidade e injustiça inerentes à condição humana e o distanciamento de entre o Criador e a Criação. Parte do Velho Testamento, não se encontra aqui o Deus de Jesus, o Deus do amor e perdão, mas um outro, um Deus distante e científico que observa a sua criação num laboratório e sujeita os seres humanos a experiências e testes de modo a discutir os resultados com os colegas.
Há tempos falei de "Memnoch" de Anne Rice, e da versão de Lúcifer, Melkor, na obra de J.R.R. Tolkien, especialmente o "Silmarillion". Mas nada como falar da versão original, e o original está aqui.

Começa tudo como uma anedota. Deus e o diabo encontram-se num bar...

1:6
Ora, chegado o dia em que os filhos de Deus vieram apresentar-se perante o Senhor, veio também Satanás entre eles.
1:7
O Senhor perguntou a Satanás: Donde vens? E Satanás respondeu ao Senhor, dizendo: De rodear a terra, e de passear por ela.
1:8
Disse o Senhor a Satanás: Notaste porventura o meu servo Jó, que ninguém há na terra semelhante a ele, homem íntegro e reto, que teme a Deus e se desvia do mal?
1:9
Então respondeu Satanás ao Senhor, e disse: Porventura Jó teme a Deus debalde?
1:10
Não o tens protegido de todo lado a ele, a sua casa e a tudo quanto tem? Tens abençoado a obra de suas mãos, e os seus bens se multiplicam na terra.
1:11
Mas estende agora a tua mão, e toca-lhe em tudo quanto tem, e ele blasfemará de ti na tua face!


Jó era um homem rico. Tinha bens materiais e uma grande e feliz família. Tinha tudo o que um homem da época podia querer. E tinha uma riqueza maior do que essa. Jó sabia que a sorte é fortuita e em vez de se vangloriar das sua fortuna dava graças a Deus, literalmente, por tudo o que tinha recebido.
É esta riqueza interior de Jó que leva Satanás (que significa "O Acusador") a propôr a Deus que lhe tire tudo e observe os resultados. Deus permite a experiência. Logo de seguida, a Jó acontecem desgraças atrás de desgraças. Todo o seu gado morre, todas as suas casas são destruídas por catástrofes, todos os seus filhos morrem. Jó fica na mais absoluta miséria.
Mesmo assim, não amaldiçoa o Criador. E, no tal bar, Deus e o Diabo discutem. E o Diabo acusa o Homem de egoísmo:

Pele por pele, e tudo quanto o homem tem dará pela sua vida. Porém estende a tua mão, e toca-lhe nos ossos, e na carne, e verás se näo blasfema contra ti na tua face!



É assim que Job se vê acometido de uma terrível doença que lhe enche o corpo de chagas. A sua desgraça e queda é tão grande e tão avassaladora que a sua própria mulher lhe diz: "Amaldiçoa a Deus e morre!"
As pessoas daquela época e lugar acreditavam que as desgraças eram castigos de Deus. Temos de perdoar à pobre senhora que estava de cabeça perdida. Afinal, os filhos também eram dela, já para não falar nas riquezas que também lhe pertenciam. Não deixa de ser curioso que a mulher de Jó não tenha sido destruída também. Parece propositado que lhe caiba a parte da tortura psicológica. De todas as taças de sofrimento foi permitido que Jó bebesse. Mas em vida.

Jó senta-se no chão e lamenta-se, completamente sozinho. Depois chegam três amigos que lhe fazem companhia. "E assentaram-se com ele na terra, sete dias e sete noites; e nenhum lhe dizia palavra alguma, porque viam que a dor era muito grande."
Até que Jó finalmente se lamenta e deseja nunca ter nascido. O sofrimento finalmente quebrou-o.
Aqui começa a parte mais interessante do livro, em que Jó e os três amigos, e um quarto participante que entra no debate, discutem a justiça e a injustiça da existência. Os amigos, tal como a mulher de Jó, estão convencidos de que tudo o que lhe aconteceu foi castigo divino. Certamente Jó teria pecado no seu coração, e merecia o sofrimento, e devia assumir a sua culpa e arrepender-se. Jó insiste que não, e batalha com os seus amigos de que não tem culpa alguma e de que Deus o abandonou sem razão. Jó está revoltado e zanga-se com os amigos que o acusam, e os amigos zangam-se com ele.
Já li muito sobre estes três amigos de Jó. Diz-se que não eram verdadeiros amigos mas tentadores enviados pelo Diabo. Eu acho que quem diz isto não sabe o que são amigos. Se depois de perder tudo e ser alvo de uma doença tão nefasta Jó ainda tinha três amigos que lhe faziam companhia, eram verdadeiros amigos. Todos os outros, que não eram verdadeiros amigos, tinham-se afastado. Jó continuava a ser abençoado sem o saber. Ter amigos na abundância é fácil; ter amigos que se sentem no pó durante a calamidade e discutam filosoficamente a existência humana, isso é raro.

1 O homem, nascido da mulher, é de poucos dias e farto de inquietaçäo.
2 Sai como a flor, e murcha; foge também como a sombra, e não permanece.


É verdade que os amigos de Jó, tal como a sua mulher, reflectiam o pensamento da época. Se Jó tinha sofrido era necessariamente porque tinha pecado. Era forçosamente um castigo, ponto final. Só Jó sabia que era inocente e que tinha razão em lamentar-se. E irrita-se quando lhe dizem que Deus é justo, porque Jó não vê justiça nenhuma. Mas não pode provar que é inocente.
Discute-se então porque é que as coisas más acontecem a pessoas boas. Onde está a justiça divina? (E nem sabiam da missa metade, que estavam a viver uma experiência divina e a ser observados por seres divinos!) E Jó insiste que não, que os iníquos também são ricos e abençoados, e deitam-se de noite e dormem descansados e não pensam no mal que fazem. Se não há justiça, qual é, então, o benefício de ser justo? Qual é, então, o benefício de ser bom?

Depois de grande debate, Deus decide falar. E o que diz o Criador? Fala da sua Criação. Pergunta-lhes qual deles é capaz de fazer um universo. Qual deles tem poder para mandar nos rios, nos mares, na Terra, na natureza, que Ele criou. E faz-lhes ver que são pequenos e insignificantes.
E pergunta-lhes:

11 Quem primeiro me deu, para que eu haja de retribuir-lhe? Pois o que está debaixo de todos os céus é meu.


Aqui está o cerne da questão. O que é que Deus deve a alguém? Quem se atreve a responder? Deus é o Todo-Poderoso. Deus é o Criador. Se Deus não tivesse criado Jó, nem haveria Jó para se lamentar. Porque, pois, se lamenta? Devia estar feliz porque alguém o criou. O Criador não deve nada a ninguém.

Acaba assim a experiência. No fim, vão todos alegremente fazer sacrifícios pelos seus pecados, Jó volta a ser abençoado em dobro, rico em dobro, pai em dobro. E tudo volta a ser como dantes.
Mas volta mesmo? Não, não volta. Ficam muitas perguntas por responder. Algumas só respondidas no Novo Testamento. Outras, ainda sem resposta. E esta é a principal: quem tem o direito de fazer de Deus e trazer ao mundo criaturas que sofrem, só porque pode? Nesse caso, qual é a moralidade de Deus? Sem o amor divino, não é o mundo uma selva, um jardim selvagem?
E se Deus não ama a sua Criação, porque haveria a sua Criação de amar a Deus?
Porque haveria a Criação de estar grata por viver, se não ama a vida? Se, como Jó, amaldiçoa o dia em que nasceu?
Ingratos? Pois, talvez. Mas conhece Deus, no seu Poder Absoluto, o sofrimento da condição humana? Ou é preciso que Deus se faça homem e venha à terra e partilhe do sofrimento da sua Criação para perceber do que Jó se queixa?...

Pois.

sábado, 6 de maio de 2006

Totally goth

Roubado do Burden and Chaos:

Totally Goth

So if you're not totally goth
you better fuck off


Gosto do estilo do gajo que usa um vestido mais comprido do que o meu. É decente.

sexta-feira, 5 de maio de 2006

A queda vertiginosa



O nosso corpo é como a montanha russa. Desde a infância até à louca adolescência, ele estica, cresce, desenvolve, acelera. Alguns de nós, os mais loucos, puxamos pela máquina e aceleramos pela vida porque é um crime desperdiçar a potência da máquina. Sem regras.
(Também é preciso ter sorte para nascer numa máquina topo de gama mas a natureza é bondosa e neste caso dá em fartura à maioria das criaturas.)
Quando chegamos aos 30 anos o nosso corpo começa a dar sinais. Até certo ponto, talvez até aos vinte e tal, mais coisa menos coisa, nem se dá por ele. Já não estica, já não apetece mexer tanto, já não desenvolve, mas funciona.
E depois chega-se aos trinta.
Passar dos trinta é como a montanha russa. Quem fez bom uso da sua máquina e experimentou a montanha russa pelo menos uma vez, sabe o que é subir, subir, subir, devagarinho e em segurança, até àquele patamar em que o carro quase pára. Aí percebe-se que a gravidade não admite ser contrariada. E de repente vislumbra-se, com terror, a queda vertiginosa que nos estava preparada. Mas verdade seja dita, ninguém se mete na montanha russa por outra razão senão a queda!
E é assim algures depois dos trinta. Periclitante, a máquina pára por instantes e ficamos na corda bamba do equilíbrio, mas sabemos que vai para baixo, inevitavelmente para baixo, e o frio na barriga que nos vai dar. É mesmo uma questão de tempo.
De repente as coisas deixam de funcionar. Se não é um pé é uma mão, se não é o pescoço é o tornozelo, se não é a cabeça é o coração. E se dantes a máquina se auto-regenerava, agora já não é bem assim. A máquina está cansada e não desenvolve. Só há uma saída airosa. Quando cair, deixá-la cair com o mesmo entusiasmo com que subiu.
Para os que acreditam que há uma segunda viagem, há que apreciar esta. Para os que não acreditam, é obrigatório apreciar esta.
E a queda também.

Alternativa

Viajar pela Europa com óleo de fritar

Um ambientalista escocês parte quinta-feira do Porto para Lisboa em mais uma etapa de uma viagem pela costa ocidental da Europa num automóvel movido a óleo vegetal usado, disse à agência Lusa o próprio.

Antony Berretti partiu em 24 de Abril de Calais, França, com destino a Brindisi, no Sul da Itália, onde conta chegar dentro de «12 a 15 dias», seguindo sempre junto à costa.

«A data de chegada está dependente do tempo que demorar a arranjar óleo», disse Berretti, explicando que tem estado a viajar gratuitamente, dado que só utiliza como combustível o óleo de fritar já usado que pede em restaurantes e hotéis.

O automóvel é um Fiat Scudo 1.9 Turbo Diesel de série, que Antony Berretti adaptou para circular a óleo vegetal.

O ambientalista reconheceu que a combustão provoca um cheiro por vezes incomodativo, que varia consoante o óleo tenha sido utilizado para fritar peixe, carne ou batatas, mas sublinhou que se trata de um combustível muito menos poluente do que os derivados do petróleo.

Antony Berretti está a viajar sem qualquer apoio ou patrocínio, pretendendo apenas demonstrar que é viável a utilização de energias alternativas não poluentes.

Para descrever o projecto, Berretti criou uma página na Internet, que actualiza diariamente com informações sobre a viagem.

«Até agora, não tive problema nenhum com o carro», afirmou.

Berretti chegou ao Porto terça-feira e dirigiu-se de imediato ao Museu dos Transportes e Comunicações, por saber que está lá guardado o primeiro automóvel que entrou em Portugal, mas a sua presença surpreendeu os responsáveis da instituição.

Fonte do museu disse à Lusa que Berretti terá enviado mensagens de correio electrónico a alertar para a sua chegada ao Porto, mas nenhuma foi recebida, pelo que não foi possível preparar atempadamente qualquer sessão.

Depois de uma segunda noite na Pousada da Juventude do Porto, Berretti parte quinta-feira para Lisboa, de onde seguirá para Gibraltar e Barcelona.




Página do aventureiro aqui.

quinta-feira, 4 de maio de 2006

O que fazer

Do comentário no post anterior:

Nao costumo falar destas coisas até porque sinceramente vejo muito pouca gente interessada em mudar o quer que seja, mas pelo o que escreves, há já um tempo, parece que se fosse por ti mudavas muita coisa... e isso é bom ter opinião e lutar pelos ideais e pela falta de respeito e condições.


Exactamente, o que fazer? Basta de palavras. E tentarei ser concisa porque o diagnóstico já está mais que feito e tenho muita blogosfera para ler.


O cancro do país: a Justiça

É primeiro dever do Estado, qualquer Estado, garantir a Justiça, impôr a lei e a ordem. É este o príncipio da civilização, de qualquer civilização. Em Portugal vive-se em impunidade quase total. Quando se é rico e/ou poderoso, então, vive-se mesmo em impunidade total.
O que temos assistido, não só em matéria de justiça económica como criminal, com casos a arrastarem-se pelos tribunais durante anos até prescreverem, tem que acabar!
O problema, a nível criminal, é óbvio. Mas a nível económico, que não parece tão grave porque não são crimes de sangue, tem minado a auto-confiança do país, e destruído as pequenas e médias empresas, tirado direitos aos trabalhadores, prejudicado os consumidores, arruinado vidas. Podia passar a noite a dar exemplos mas há-os demais por aí, basta olhar em volta.
É preciso que a culpa não morra solteira. Esse é o primeiro passo para o país se endireitar. Não é por acaso que a palavra chave é o Direito. (Não sou advogada por isso sou insuspeita.)
Ora, os senhores juízes não gostam de horários? Fazem bem, eu também não. Trabalhem por objectivos. Limpem as salas dos processos e processos que se arrastam. Os juízes não chegam, faltam funcionários administrativos? Numa altura em que se fala em funcionários públicos a mais? Remetam-se para combater este flagelo. Faça-se, acima de tudo, Justiça. E quando se fizer justiça desaparece a impunidade. Ver a justiça fazer-se é a melhor prevenção (e educação) contra o crime. E contra a corrupção. E contra a cunha em vez do mérito, e contra o amiguismo e o "favorzinho" em vez da legalidade.
Faça-se Justiça e o país muda. Sem Justiça, mais vale esquecer.
Já agora, en passant, dignifiquem-se as forças da autoridade antes que as milícias tomem conta do que é dever do Estado tomar conta. No dia em que as milícias tomarem conta do Estado, o Estado morreu.

O que pode o cidadão individualmente fazer?

Somos pequeninos e a corrupção é grande. Mas podemos, primeiro que tudo, deixar de ser ignorantes. Não estou a falar em ler os Lusíadas. A educação é um pilar do desenvolvimento mas há muito que estamos num sub-patamar de ignorância em que a maioria já não sabe dar valor à educação. À medida que foram acordando, vão redescobrir que ser ignorante é muito pior que ser inculto. É preciso saber mais de política do que de futebol. A interna e a externa. Não é ler os Lusíadas, é ler os jornais. Ou ver televisão se não chega o dinheiro para os jornais.
Saber, entender, perceber. Compreender o mecanismo para ver claramente o que o encrava.
Acordar outros.
Dizer a verdade.

E, acima de tudo, uma coisa que o país precisa desesperadamente:


Amor

As pessoas precisam de amar.
Sim. As pessoas precisam de amar as outras pessoas. Vê-se cada vez mais egoísmo e cada vez menos amor. A lei da selva a isso conduz. Não é preciso ir buscar o amor à religião. O amor é a tal solidadariedade de que se fala muito e se sabe pouco.
É preciso comprar menos e dar mais.
É preciso partilhar mais o que se ganha.
É preciso gastar menos e dividir mais.
É preciso pensar mais nos outros e menos em nós.
É preciso fazer isto, em sociedade, se queremos que a sociedade resulte. De outro modo a sociedade não vai resultar nunca, mas nunca, mas nunca.

É a hora.

terça-feira, 2 de maio de 2006

Procura-se

Macho para fazer filhos para fins de reforma e segurança social.

Dutch courage

Dutch Courage

1. Courage resulting from intoxication.



Finalmente percebi porque é que as pessoas bebem. As pessoas bebem porque têm medo.
Agora já tenho uma boa desculpa.
Hahaha!