sexta-feira, 27 de janeiro de 2006

Do orgulho e do orgulho

Sempre fui uma pessoa muito orgulhosa em questões de dinheiro. Do género de não deixar que me me paguem uma bica.
Ora, na minha vida cruzei-me com gente muito rica, e toda a gente que conheço tem mais dinheiro do que eu. Até agora, fazia-me espécie que alguém quisesse "pagar pela minha companhia", como se eu fosse o quê, uma cortesã renascentista?... E quantas vezes não me disseram "mas eu só quero a tua companhia e, se não podes pagar, eu pago".
Sentia-me ofendida com isto. Sentia que me estavam a chamar... ora bem... puta.
É por isso que eu digo que certas pessoas nos são postas à frente para a gente ver umas verdades da vida. Penso naquelas pessoas que conheci recentemente. Para quem Tolkien não existe, que não sabem distinguir os Abba da Madonna, que nunca leram a Bíblia e não sabem o que é um nefilim, que, enfim, benza-as Deus, não têm conversa nenhuma. E, no entanto, têm dinheiro. Muito provavelmente, se lhes conheço bem a pinta, são do género de pensar "o cavalheiro paga sempre porque tem obrigação de pagar". Embora tenham dinheiro porque são yuppies provincianas fora de moda (os yuppies eram dos anos 80, hello!!!), cercam os cavalheiros com a sua conversa fútil e os seus esforços vãos de serem iguais à capa da Cosmopolitan, e ainda os fazem pagar pela seca descomunal.
Serei uma cortesão como Bianca, a amiga de Marius que o vampiro de Anne Rice traz para a imortalidade devido a serviços prestados? Não o serei. Tenho mais fama de ser eu a levar as pessoas para as trevas. Facto do qual me orgulho.
Mas depois do que vi, tenho pena dos ricos que têm de aturar estas melgas caça fortunas. E sendo orgulhosa como sou, e percebendo agora que a minha companhia tem de facto uma mais valia insuspeita (meu Deus, como eu estava a ser modesta comigo própria!!! *bate com a cabeça na parede*) a partir de agora vou aceitar que me paguem coisas. Direito reservado só a alguns. Aqueles que me merecem.

Vi uma luz que nunca tinha visto antes e desta vez não era o isqueiro.

Por orgulho, declaro oficialmente que a partir deste momento há liberdade para me oferecerem coisas sem que isso me ofenda. Declaro oficialmente que o faço por ter percebido que as pessoas precisam de mim e eu não tenho os meios para estar lá. Declaro oficialmente que não vou recusar-me a dar aos outros aquilo que a vida me deu a mim e a mim apenas.
Declaro também que vai custar como o raio aceitar seja o que for por estas razões. Medidas para ir implementando no meu reino, mas com cautela.

Da miséria e da miséria

Estou a trabalhar há duas semanas. Não queria dizer nada antes de as coisas se definirem mais um pouco. Agora estão melhor definidas. Isto significa que posso respirar por mais um mês.
Nos dias que correm, pensar que se arranjou emprego e se fica lá para sempre é um disparate. Basta alguma coisa correr mal, ou a empresa mudar de política, ou a tarefa ser considerada desnecessária, para se voltar ao desemprego.

Não sei o que mais dizer. Acho que me tornei "miserável" e gosto. Até tenho um certo orgulho no facto. Vivo uma espécie de romance de Dickens ou de Léon Blois cheio de pobreza por todos os lados. O que é emocionante. Nunca me tinha apercebido de como é emocionante ser miserável. Como tomar banho com sabão azul e branco porque se acabou o sabonete. Ou cortar o cabelo porque não se tem dinheiro para cuidar dele. Ou como não ter conversa para quem só fala do que compra. "E conheces isto, e já foste àquilo"? Um pessoa sente-se tão superior cá em baixo. Tão absolutamente livre. Tão desapegada. Tão espiritual.
Tão sedenta de almas afins.

Há mesmo pessoas que vivem na carta do Tarot "O Diabo". O reino da matéria. Finalmente percebi o que a carta significa. Conheci novas pessoas. Acho que estas pessoas são postas à frente de outras para mostrar qualquer coisa. Qualquer coisa do género: "queres ser assim? tens a certeza?"
Como uma mulher dominada pelas moda, que só compra roupa de marca, que só fala da roupa que compra, que não lê um livro, que só vai onde estão pessoas com dinheiro (possivelmente à caça de fortunas e de marido rico), que olha para o que as pessoas vestem e assim avalia se "valem a pena", e sem o mínimo pudor de o afirmar em público. E o mundo deve estar cheio disto, eu é que não conheço esta miséria. Conheço a outra, mas esta cheira tão mal que quero distância.

O dinheiro dá a volta à cabeça das pessoas que nasceram em berço pobre e que de repente se encheram dele. Mas não todas. Há excepções! Poucas, mas há, que eu conheço e posso jurar.

O Diabo. O reino da matéria.

domingo, 22 de janeiro de 2006

Pai Nosso - Versão Damaia

(Enviado por email mas bom demais para não partilhar)


Hey brother que tás no alto

Não sejas cota não sejas ralha

Aceita no teu reino a maralha

Tas a ouvir Man? Yo

Dá-nos os morfes do dia a dia

Desculpa lá qualquer coisinha

Qu'a gente perdoa-lhes também

Livra-nos do mal, livra-nos da bófia

Tu tens o power

Tu tens a glory

Agora Man

Para sempre Man

Fica cool

Tasse bem

Yo

quarta-feira, 18 de janeiro de 2006

Já cá faltava

Já que me perguntaram o que ando a fazer, lembrei-me de que no domingo, se me levantar da cama a horas, tenciono votar no Manuel Alegre porque não gosto dos outros.

Mas neste momento estou muito mais interessada na história de Túrin e da Terra Média do que nas histórias desta Terra Medíocre.

Gostaram da chalaça? Eu gostei.

terça-feira, 17 de janeiro de 2006

A história de Túrin

A história do herói Túrin é algo atípico no universo de Tolkien. Diria mesmo surpreendente. Encontra-se no "Silmarillion" e mais em pormenor nos "Contos Inacabados" ("Unfinished Tales").
Tão invulgar me parece, e tão menos conhecida do que a narrativa do "Senhor dos Anéis", que decidi dá-la a conhecer melhor. E não só me dá um grande prazer contá-la como faz parte da tradição deste blog. Sim, eu penso que é uma história de que os góticos vão gostar.
Túrin não é um herói que se esperaria encontrar em Tolkien. Em Tolkien, os heróis, sejam Homens ou Elfos ou Hobbits ou Anões, partilham de uma nobreza de carácter irrepreensível. (Existe, de facto, um outro herói contestável no universo de Tolkien, que é Feänor, e que também é levado pelo orgulho até à morte, mas enquanto Feänor age pela honra do seu clã e nunca abandona a nobreza da palavra dada, Turin parece não ter princípios excepto os que lhe dão jeito no momento.) A tal ponto que cheguei a queixar-me, aqui mesmo, de que pareciam mal caracterizados. Aragorn, por exemplo, é uma personagem quase de papel. Não tem dilemas, é sobre-humano. Todos os heróis de Tolkien desempenham mais ou menos o mesmo papel. Excepto quando estão sob a influência directa do Mal.
No caso de Túrin, a história é bem diferente. Para começar, o que temos em Túrin não é um herói mas um anti-herói. E um anti-herói tão maldito como amaldiçoado. Ambos. Por um lado, tem sobre si uma maldição mas, por outro, o orgulho e o carácter vingativo e violento contribuem para o desfecho trágico. Esta história é um prato cheio para freudianos e teólogos, mas se não apenas por Túrin ser chamado Blacksword e a certa altura se vestir só de negro, agradará certamente a todos o que apreciam a história de uma alma atormentada que oscila entre a bondade e a vingança, e mais especificamente a todos que gostaram de Lestat e companhia.
Apesar dos actos vis de Túrin, não se deixa de ter uma certa simpatia pela personagem, uma espécie de piedade e tolerância, embora se saiba que o mesmo não se pode esperar da própria personagem, que será porventura a mais complexa de todas as que Tolkien descreveu, e tendo isto em conta não será já tanto de estranhar a própria invulgaridade, em certos pontos sobrenatural, da própria história em si.
Continuo a dizer que Tolkien não descreve tão bem os montes e vales da mente humana como todos os detalhes geográficos da Terra Média, mas neste caso aplica-se bem a expressão "um gesto vale mil palavras". É pelas acções que o conhecemos. De modo que é mesmo preciso contar a história. Mas vou evidentemente contar a história como eu própria a entendi.


Para contar a história de Túrin, tenho de contar a história de Morgoth. Morgoth, de seu nome Melkor, é uma espécie de anjo/deus da Terra Média e arredores que a certa altura se rebela contra o Criador. Melkor que era dos maiores, se não mesmo o maior, de entre todos os filhos espirituais do Criador. E aqui não é preciso dizer mais nada. Melkor é o nosso bem conhecido Lúcifer em versão Terra Média.
Mas este Diabo da Terra Média não quer as almas mas sim as terras e os corpos do seus habitantes. Quer ser o senhor supremo de toda a criação, em carne e osso, em reino e trono. E por isso trava uma guerra sem fim contra todos os habitantes livres da Terra Média até - propõe-se - os escravizar a todos.
Tudo isto é muito, muito antes de Sauron e do Anel. Sauron é por esta altura apenas um lacaio de Melkor, e não vale a pena falar mais nele. Melkor foi chamado de Morgoth, o que na linguagem da terra significa algo de muito, muito mau. E nesta altura não havia ainda Mordor. O reino de Morgoth ficava em Angband. (Por alturas da história do Anel, já há muito que Morgoth tinha sido levado da Terra Média.)
Contra o poder crescente de Morgoth, os "homens bons" da Terra Média, Homens e Elfos e alguns Anões, juntaram-se para fazer guerra a Angband. Mas Morgoth não podia ser derrotado pela criação (o próprio Morgoth tinha participado na criação do mundo). E foi um desastre em que pereceu ou foi feita prisioneira a fina flor da nobreza da Terra Média, tirando algumas excepções de alguns que por qualquer razão importante no futuro estavam "destinados" a escapar. Foi uma espécie de Alcácer Quibir lá da terra.
Entre estes cativos, que na linguagem de Angband significava gente que era levada para a escravidão, foi o pai de Túrin, Húrin, um dos Homens nobres do reino dos Homens (por distinção aos reinos dos Elfos). O próprio Morgoth o interroga, tentando tirar dele informações relativas a assuntos que não interessam para a presente história, e como Húrin teria negado sempre revelar as informações pretendidas, o seu fim seria a morte sumária se... se apenas Húrin não tivesse posto em causa o poder do próprio Morgoth. Chamou-lhe mentiroso, afirmou que o seu poder na Terra Média já não era o mesmo que Melkor tinha antes, no seu tempo de divindade, e Morgoth, digamos, foi aos arames.
"Mentiroso, dizes?! Vou-te provar, Húrin, como é grande o meu poder. E para isso ficarás vivo o tempo que for preciso, pois vou amaldiçoar toda a tua família e quero que assistas até ao fim à grandeza do meu poder".
Digamos que foi uma espécie de demonstração de força. (E nisto tudo não deixo de me lembrar do desafio que Lúcifer pôs a Deus em relação a Jó.)
Morgoth pega em Húrin, senta-o num dos sítios mais altos de Angband e fá-lo asistir a tudo o que se passa depois.
Húrin era casado com Morwen e tinha um filho chamado Túrin, nessa altura ainda uma criança. Tinham tido também uma filha, chamada Riso [tradução], que morreu com a pestilência aos três anos de idade. Foi o primeiro desgosto de Túrin. Diz Tolkien, premonitoriamente, que Túrin procurou o rosto da irmã em todas as mulheres que conheceu.
Depois da batalha desastrosa de que o marido não voltou, Morwen, perante a invasão das suas terras por homens inimigos e aliados de Morgoth, para salvar a vida ao filho e herdeiro de Húrin, decide mandá-lo para o reino élfico de Doriath, ao cuidado do rei Thingol. A separação da mãe foi o segundo grande desgosto de Túrin, especialmente porque também ela foi convidada a juntar-se aos Elfos, mas Morwen era orgulhosa, abominava o que chamava de esmola, e recusou-se a ir. Entretanto, tinha tido também uma bebé, última filha de Húrin, a quem chamou Nienor (Lamento).
Túrin cresceu e fez-se homem mas sempre quis voltar a casa porque sempre se sentiu um estranho em terras estrangeiras e temia pelo que tinha sido feito da mãe e da irmã (que ainda não era nascida quando ele foi mandado para o refúgio). De modo que desde cedo se dedicou às artes da guerra e, junto com o seu amigo elfo Beleg, protegia as orlas do domínio de Doriath contra a ameaça dos Orcs.
Dia fatídico, porém, foi à corte onde um dos elfos conselheiros do rei, que por sinal não aprovava a presença de um Homem num reino de Elfos, o criticou com palavras sarcásticas. Acontecia que Túrin andava despenteado, sujo e desgrenhado devido à sua vida bélica nos bosques, e o elfo provocador atirou-lhe um pente e um insulto: "As mulheres da tua terra também correm nuas como os veados pelos bosques, tendo apenas por vestido os cabelos?". Por isto, Túrin partiu-lhe um copo na cara, e a confrontação teria ido mais longe se os outros elfos presentes não o impedissem.
No dia seguinte, o mesmo elfo tentou matar Túrin à traição, fora da corte, mas Túrin não apenas o subjugou como o obrigou a despir-se e a correr nú pelos bosques à frente da sua espada. O barulho atriu os ouvidos de elfos que assistiram à última parte mas não à emboscada que desencadeou a vingança de Túrin. Na correria, o elfo caiu acidentalmente de uma ravina e morreu.
Logo os outros elfos rodearam Túrin e o quiseram levar perante a justiça do rei, mas Túrin, em vez de se defender, ficou tão ofendido no seu orgulho, por não lhe terem perguntado porque tinha agido assim, que simplesmente lhes virou as costas e abandonou o reino.
Mais tarde, os elfos vieram a saber a verdade e desculparam-no mas era tarde demais. Túrin juntou-se a um bando de Homens fora da lei, ladrões, assassinos e bandidos, e viveu com eles durante muito tempo, praticando os mesmos actos condenáveis que eles praticavam.
Beleg, o seu amigo elfo, não o esqueceu, contudo, e pediu permissão ao rei para partir em busca de Túrin. Para isso pediu uma espada, e esta mesma espada era negra e amaldiçoada porque o artesão que a fez nunca se quis separar dela e a entregou contra vontade.
E Beleg chegou a encontrar Túrin e a dizer-lhe para voltar, mas orgulhoso e com a ideia fixa de voltar a procurar a mãe e a irmã, Túrin não voltou para trás. Arrependeu-se, contudo, de derramar sangue que não de Orc, e jurou nunca mais o fazer. (O que se provou jura de pouco valor porque fervia em pouca água.) Beleg, então, deixou-o sozinho com os bandidos.
Pouco depois, já Túrin liderava o bando de homens, assaltaram três Anões que encontraram no caminho. Dois fugiram, um deles ferido de morte, e apenas um conseguiram agarrar. E a proposta que lhe fizeram foi esta: "ou nos pagas um resgate ou acabas aqui os teus dias". Mim era esse Anão, e levou-os para sua casa onde os deixou viver. A casa de um Anão era uma gruta escavada nas montanhas, e muitos homens podiam lá habitar. Mas assim que chegou, Mim viu que um dos seus filhos estava morto. Os dois Anões que fugiram ao assalto eram de facto os filhos de Mim. Mim nunca perdoou a ofensa, embora tivessem vivido juntos por algum tempo. Entretanto, Beleg voltou para a companhia de Túrin e a raiva do Anão por dar abrigo a um Elfo era agora muito maior.
Depois disto, Morwen e Nienor tinham encontrado uma maneira de ir para Doriath, em busca do filho e irmão, mas quando chegaram Túrin já tinha partido e ninguém sabia dele. E Túrin continuava a pensar que a mãe e a irmã eram escravas na sua terra natal. Deste equívoco despontaram males piores.
A co-habitação dos Homens, Elfo e Mim não durou muito. Tal como tinha acontecido antes, Mim foi assaltado por Orcs e, tal como tinha acontecido antes, pediu que lhe poupassem a vida se os levasse à gruta. E assim entregou todo o bando e nenhum escapou. Apenas Túrin foi poupado, pois os Orcs tinham ordens para deixar viver o filho de Húrin em quem pesava a maldição de Morgoth, e levaram-no para Angband. Beleg também sobreviveu e pôs-se logo no encalço do amigo. Chegando a Angband, encontrou um outro elfo, Gwindor, que tinha sido escravizado na grande batalha desastrosa e mesmo agora tinha conseguido fugir. Apesar do seu estado lastimável e envelhecido, Gwindor foi convencido por compaixão a voltar atrás para ajudar Beleg a salvar Túrin.
Conseguiram salvar Túrin, que estava desmaiado. A primeira coisa que fez, assim que acordou e sentiu presenças à sua volta, foi matar o amigo Beleg pensando que era um inimigo, com a própria espada amaldiçoada que era de Beleg. O desgosto foi tão grande por ver o que tinha feito que se deixou cair numa grande apatia e Gwindor levou-o para um dos últimos reinos élficos que resistiam, Nargothrond. Foi também Gwindor, que tinha passado muitos anos como escravo de Morgoth em Angband, quem primeiro informou Túrin de que estava sob uma maldição e a partir daí Túrin evitou usar o seu nome para que a maldição não o perseguisse.
Mas perseguia. E a espada maldita, que era de Beleg, passou a ser dele, e depois de afiada de novo Túrin chamou-lhe Gurthang [Iron of Death].
Com o tempo, a filha do rei de Nargothrond, Finduilas, que tinha amado Gwindor, agora amava Túrin. Mas não era correspondida. E Túrin veio a saber que tinha sido o causador do desgosto de Gwindor e percebia que estava amaldiçoado. No entanto, lutava cada vez mais aguerridamente contra os Orcs e, sendo um grande líder, tornou-se mais obedecido do que o rei. Foi aqui, em Nargothrond, que ganhou a alcunha de Blacksword, Espada Negra, e isto chegou aos ouvidos de Morgoth, que se riu na sua maldade porque todos os seus planos iam bem ou melhor que bem. E a vida de Túrin em Nargothrond também parecia estar a compôr-se. Era agora um grande nobre, amado, respeitado e reconhecido, e o seu orgulho crescia de dia para dia. Não havia inimigo que não perecesse pela sua espada.
Foi então que Morgoth mandou o seu dragão Glaurung contra Nargothrond, porque lá estava Túrin filho de Húrin, e outro grande massacre aconteceu. Nele pereceu Gwindor. Mas o dragão Glaurung, que tinha uma língua venenosa (porque falava, e falava com malvadez e sarcasmo), apareceu a Túrin e pô-lo imóvel sob um feitiço, e disse-lhe: "Olá Túrin, filho de Húrin! Fora da lei, ladrão, assassino, carrasco do teu amigo, ladrão do amor de outro amigo, e desamparador da tua mãe e irmã que são escravas na tua terra! Vai agora, atrás de Finduilas, para a salvares, e abandona o teu próprio sangue mais uma vez!".
Depois das palavras do dragão, Túrin foi deixado ir, mais uma vez para cumprir a vontade de Morgoth, e agora o seu dilema era procurar a mãe ou salvar Finduilas, porque evidentemente tinha acreditado nas palavras do dragão. Deste modo, abandonou Finduilas que tinha sido levado cativa, e foi à sua terra natal. Quando lá chegou e já não encontrou mãe nem irmã, porque ambas tinham partido para Doriath, já era tarde. Ainda tentou voltar atrás, gritando por Finduilas, e é nesta passagem que é descrito como um louco de negro vestido, brandindo a sua espada negra, perto do lago gelado de onde o seu primo Tuor o avistou. (Tuor, sim, é o herói típico de Tolkien mas não interessa nada agora.)
O que Túrin encontrou foi um grupo de homens dos bosques que lhe disseram que Finduilas estava morta, porque os Orcs a tinham espetado com uma lança contra uma árvore. "E como sabem que era ela?", pergunta Túrin. "Porque ela disse", responderam eles, "antes de morrer, 'digam ao Espada Negra de Nargothrond que Finduilas está aqui'".
Cada vez mais convencido de que tinha sido um fantoche nas mãos de Morgoth, Túrin decide esconder-se entre os Homens do bosque e esconder também a sua espada para que ninguém soubesse que ele estava ali, porque a sua presença trazia a morte a todos os que lhe eram próximos. Mas apercebeu-se de que isto era de propósito, e que a sua boa sorte na guerra, que o tinha deixado escapar com vida até ali, não era afinal uma sorte mas um acto propositado de Morgoth. O porquê, ele não sabia.
O pior estava ainda para acontecer.
No reino de Doriath, depois da queda de Nargothrond, chegou ao conhecimento de Morwen que o filho tinha estado na batalha e nada a impediu de partir para saber o que tinha sido feito dele. Contra a vontade da mãe, porque não se queria separar dela, Nienor seguiu-a. E no caminho o grande dragão atacou mãe e filha e elfos que as acompanhavam. Morwen desaparece da vista da companhia e Nienor é confrontada com o dragão que a coloca num estado de amnésia total. Neste estado de amnésia, Nienor assusta-se e foge dos elfos, desatando a correr pelos bosques como um veado, até que todas as suas vestes estavam rasgadas e corria nua só vestida pelos cabelos. (Aqui se cumprem as palavras do elfo trocista que morreu acidentalmente às mãos de Túrin. E muito deste karma é culpa do próprio Túrin.)
Nienor foi levada a correr até à campa onde estava Finduilas, e onde o irmão Túrin a encontrou, mas não sabendo que era a irmã, lhe chamou Niniel [Lágrimas]. E não sabendo que era sua irmã, apaixona-se por ela. (Ele sempre tinha procurado a face de Riso em todas as mulheres que conhecera.)
Brandir era o chefe dos Homens do bosque, e era coxo, e era também apaixonado por Niniel, e sabia quem Túrin era, mas não sabia quem era Niniel, e mesmo assim tem um pressentimento e aconselha-a a não aceitar Túrin. Mas Niniel estava também apaixonada e, sim, casa com Túrin. Por Niniel, Túrin aceita deixar a vida das armas, excepto se o inimigo chegasse tão perto que fosse obrigado a ir buscar a sua espada para defender o seu lar com Niniel. E entretanto Niniel ficou grávida. E entretanto o inimigo chegou tão perto que Túrin foi obrigado a mostrar de novo a sua espada em batalha.
Agora ele sabia o que isso queria dizer, e não se admirou quando o grande dragão Glaurung se dirigiu direitinho aos Homens dos bosques. Mas antes que o dragão chegasse, Túrin fez-lhe uma emboscada. Com ele levou dois homens. Ambos vieram a morrer de forma inglória, e Túrin arrependeu-se de os ter levado. No fim, foi ele sozinho quem espetou a espada maldita chamada Gurthang na barriga do dragão. Ao fazê-lo, o sangue venenoso do dragão atingiu-o na mão e deixou-o desmaiado.
Entretanto, o povo dos Homens dos bosques, liderado por Niniel, que não podia mais esperar quieta pelo resultado que ia ditar o destino da sua vida nessa hora sombria, tinha-se aproximado do lugar da emboscada. Brandir, o rei coxo, foi atrás deles por Niniel. E foi ele a testemunha do que se passou depois. Niniel teve coragem de ir até ao lugar onde jazia o dragão moribundo, e lá encontrou também caído o marido, e julgou-o morto.
Mas Túrin não estava morto, e o dragão ainda vivia. E o dragão abriu os olhos e disse: "Olá, Nienor, filha de Húrin, irmã de Túrin, o teu marido, assassino, ladrão, carrasco de amigos e outros Homens, maldição de todos os que se aproximam dele, e o que ele fez pior sabes bem que está dentro de ti". E só depois o dragão morreu. E ao morrer, libertou Nienor Niniel da sua amnésia e ela recordou-se de tudo e apercebeu-se que tinha casado com o irmão. Enlouquecida, atirou-se da ravina para as águas do rio e assim morreu Nienor Niniel.
Brandir, destroçado, voltou para trás e contou aos outros o que se tinha passado. Também ele pensava que Túrin estava morto, e disse até "e ainda bem que está morto!". Palavras que Túrin ouviu, porque apareceu atrás deles quando todos se preparavam para lhe ir fazer a campa. Foi então que Brandir lhe disse o que o dragão tinha dito, e porque razão Niniel se tinha suicidado. Mas Túrin não acreditou. Julgou-o um mentiroso também e matou-o ali mesmo num ataque de fúria, a um homem coxo, desarmado e agarrado à sua bengala.
Depois fugiu, procurando por Niniel, e surgiu-lhe ao caminho uma companhia de elfos de Doriath que procuravam Nienor sua irmã desde que ela tinha desaparecido misteriosamente. E foram os elfos quem lhe disse, sem saberem as consequências das suas palavras, que Nienor tinha fugido para aquelas bandas, em estado de amnésia, como Túrin a tinha encontrado.
Só nesse momento é que Túrin teve consciência do tamanho da sua tragédia e da sua maldição. E foi nesse momento que fugiu também dos elfos e se dirigiu à ravina de onde Niniel se tinha atirado. Mas para não sujar as águas onde Niniel se tinha purificado, decidiu outro fim.
Desambaínhou a sua espada maldita Gurthang e perguntou-lhe: "Gurthang, tu que não és leal a nenhum dono senão o teu criador, tu que bebes o sangue de todos os que mordes, beberás agora o meu sangue?"
E (coisa insólita no universo de Tolkien) a espada responde: "Sim, pelo sangue inocente do meu dono Beleg, pelo sangue inocente de Brandir, eu beberei o teu sangue."
Então Túrin colocou a espada no chão, virada para cima, e atirou-se sobre ela, e assim morreu o último filho amaldiçoado de Húrin. Sepultaram-no ao lado da sua espada, que finalmente se partiu.



A história não termina aqui. Húrin é enfim libertado por Morgoth, depois de saber de todos os actos hediondos do filho e do triste destino da filha, e libertado, na sua dor, para fins também engendrados para o triunfo do Mal. Morwen também aparece na história mais uma vez, para se despedir do marido na campa de ambos os filhos (embora o corpo de Nienor Niniel não estivesse ali sepultado).
Ao contrário de quase todos os outros heróis de Tolkien, cuja única escolha possível era simplemente entre morrer aqui ou morrer ali, Túrin podia ter feito escolhas diferentes, mas deu ouvidos à soberba. Como, aliás, a sua mãe. E deste orgulho e deste temperamento indomável resultou que a maldição se tornou mais bem sucedida do que o Mal tinha engendrado, e o Mal de facto triunfou. Ou foi Túrin quem o ajudou a triunfar? Até que ponto, apesar de todas as circunstâncias desfavoráveis e sucessão de tragédias a que era alheio, não teve uma grande parte da responsabilidade nas terríveis escolhas que fez nos seus momentos de raiva e vingança que culminaram no último e mais terrível dos pecados, pondo fim à sua própria vida?
E assim termina a história de Túrin.

sábado, 14 de janeiro de 2006

"What is a thrall?" said Túrin.
"A man who was a man but is treated as a beast," Sador answered. "Fed only to keep alive, kept alive only to toil, toiling only for fear of pain or death. And from these robbers he may get pain or death just for their sport. I hear that they pick some of the fleet-footed and hunt them with hounds. They have learned quicker from the Orcs than we learnt from the Fair Folk."
"Now I understand things better," said Túrin.
"It is a shame that you should have to understand such things so soon," said Sador



Tolkien, "Unfinished Tales"

quinta-feira, 12 de janeiro de 2006

Os testes vocacionais foderam-me a vida

Não deixem que fodam a vossa.
Mas aqui fica:

You scored as Anthropology. You should be an Anthropology major!

English

100%

Anthropology

100%

Journalism

100%

Sociology

92%

Linguistics

92%

Theater

83%

Psychology

75%

Philosophy

67%

Engineering

67%

Dance

58%

Chemistry

58%

Biology

58%

Mathematics

50%

Art

42%

What is your Perfect Major? (PLEASE RATE ME!!<3)
created with QuizFarm.com

sábado, 7 de janeiro de 2006

Quando nem as pessoas que me conhecem de há longa data me conseguem ouvir porque parece que lhes estou a falar numa língua estranha, é altura de fechar a porta.
Isto tem doído a muita gente, mas dói-me mais a mim. Eu até explicava, se conseguissem perceber o que estou a dizer, mas não percebem. E eu tentei explicar, muitas, muitas, muitas vezes, e não perceberam. Estou cansada. Foi como se de repente, por artes mágicas, as minhas palavras saíssem todas num outro idioma que as pessoas que me rodeiam não entendem. Além de cansativo, é uma perda de tempo. Os custos emocionais não são mesuráveis. As pessoas que já perdi e que vou ainda perder são insubstituíveis. E vão pensar que sou eu que não os quero, quando não é nada disso. É que não mesmo nada disso. Mas é como falar chinês. Não vale a pena.
Não sei ao certo o que quero dizer, o que é raro na minha pessoa. Talvez queira dizer que nunca me passou pela cabeça parar de escrever este blog. Talvez queira dizer que neste momento não sou a mesma pessoa que o escrevia há dois anos atrás. Não por eu -pessoa em si- ter mudado, mas porque a minha vida mudou. Porque tenho precupações muito mais sérias e graves do que o último filme que vi, a última música que ouvi, ou o que raio é que os góticos vestem hoje em dia.
E apesar de este ser um diário pessoal, não posso contar tudo o que se passa porque as pessoas têm a mania de se meter onde não são chamadas e no que não percebem e isso aborrece-me e isso vai acabar. Porque as pessoas não sabem ouvir e calar quando devem ouvir e calar. É uma grande qualidade, essa.

No outro dia vi um filme sobre a Maria Callas e o Onassis. Deu na RTP 1. Estava a ver aquilo e a pensar que nada daquilo me diz nada. Que aquelas pessoas tinham tudo para ser felizes e se perderam com merdas e dramalhões infantis. Penso muitas vezes que as pessoas que não só lêem este blog como as que me conhecem, também, ao lerem-me ou ouvirem-me, nada do que digo lhes diz nada. Tal como as playstations, e as tvcabos e os fiats não me dizem nada a mim.

Criou-se um abismo intransponível. A partir de uma certa altura, quem olhou para as minhas palavras esteve a olhar para o abismo. E não o percebeu. E caiu lá dentro porque tentou pensar que eu estava muito perto e avançou... e caiu por ali abaixo. Eu estou longe, muito longe.
Pela primeira vez em muitos anos sinto-me de facto sozinha. Porque pela primeira vez em muitos anos estou sozinha contra a minha vontade. E estou sozinha porque não quero ninguém ao pé. Prefiro o sofrimento das saudades (e que saudades) ao sofrimento de ver os outros assistirem à minha desgraça. A ideia de alguém me vir oferecer ajuda ou dinheiro arranca-me o coração. Prefiro que não vejam, que não sintam, que não saibam.
No que eu já pensei muitas vezes foi em tirar os comentários. Talvez o faça. Quem percebe do que falo não anda na internet e mesmo os que não andam na internet não percebem do que falo porque eu ando na internet e eles não andam. Este é o isolamento.
A solidão é outra coisa e já me referi a ela.

Talvez queira dizer que é possível que este espaço fique vazio durante muito tempo, o tempo que for preciso.
Porque este espaço é meu. Aqui eu escrevo o que bem me apetece e quando me apetece. E ultimamente não apetece escrever nada e partilhar muito menos.
Eh bien. Era isso.