domingo, 16 de outubro de 2005

"O Senhor dos Anéis", de J.R.R. Tolkien

Para os não iniciados, dos quais até há cerca de um ano eu fazia parte, "The Lord of the Rings" é uma trilogia composta por "The Fellowship of the Ring", "The Two Towers" e "The Return of the King". Ler a obra completa é uma aventura com consequências. Não me admira que tanta gente tenha ficado "sob o poder do Anel", como eu lhe chamo.
Para começar, não concordo nada que a obra seja uma trilogia. Cada um dos três livros não faz sentido sem o antecessor. Esta é uma obra completa, com um princípio, meio e fim, independentemente do seu tamanho.
(Custa-me a perceber como é que os três livros originaram três filmes se toda a história poderia ser condensada num só, e com muito mais efeito, na minha opinião. Ainda não vi os filmes porque gosto de ler os livros primeiro. Neste caso, pelo que já me disseram dos filmes, fiz muito bem porque a história foi corrompida. Mas que venham os filmes! Veremos.)
A primeira parte de "The Fellowship of the Ring" não é fácil de ler. Em bom português, é uma grande seca. Aproveito também para enfatisar que a leitura da obra sem a ajuda dos mapas se torna ainda mais difícil. Muitas vezes a localização é essencial para compreender a história e todos nós sabemos como certas descrições podem ser aborrecidas. Tolkien não foge à regra. Um ponto em seu desfavor. Nem toda a gente está interessada em decorar todos os lugares e lugarejos da Terra Média.
A história só começa mesmo a interessar quando dá lugar à acção. Porque se trata de um épico, nada mais nada menos, em que a componente psicólogica dos personagens tem de ser adivinhada porque não nos é servida pelo autor.
Tolkien usa velhas lendas como Sigfried e o anel dos Nibelungos e Artur e a sua espada Excalibur. Velhos arquétipos postos em movimento numa história que, por isto mesmo, perde em originalidade o que ganha em perspectiva. E isto tem a ver com o motivo que "aquece" o primeiro livro: a importância do Anel do Power.

One Ring to rule them all,
One Ring to find them,
One Ring to bring them all
and in the darkness bind them.


Às palavras "One Ring to rule them all" percebe-se toda a história da trilogia e a razão de ser do "Senhor dos Anéis". Um só Anel tem o poder (mágico?...) de prostrar todos os seres aos pés de um só senhor. Ao mesmo tempo, quem possui o Anel é mais ou menos depressa corrompido pelo seu poder maléfico. A razão de ser desta "maldição" nunca é explicada mas é simples de compreender. O poder absoluto corrompe absolutamente. "Se queres conhecer o vilão, põe-lhe o pau na mão". Neste caso, o Anel. O próprio Frodo, no fim dos fins, é corrompido pelo poder do Anel. Corrompido para sempre e para sempre angustiado pela escuridão do poder que recaíu sobre ele. O livro fala de um "fardo" (burden), e esse fardo é a responsabilidade que recai sobre quem tem o poder. Uma boa consciência sente-se afligida pelo impacto da sua acção nos outros; uma má consciência não pensa duas vezes. Sobre a primeira, paira a escuridão; sobre a segunda reina a escuridão.


"We must do without hope"

A escuridão é também a essência do Inimigo. A história desenvolve-se num clima de terror em que a ausência de esperança está sempre presente. Uma das minhas linhas preferidas:

"Alas! I fear we cannot stay here any longer," said Aragorn. He looked towards the mountains and held up his sword. "Farewell, Gandalf!" he cried. "Did I not say to you: if you pass the doors of Moria, beware? Alas that I spoke true! What hope have we without you?"
He turned to the Company. "We must do without hope," he said. "At least we may yet be avenged. Let us gird ourselves and weep no more! Come! We have a long road, and much to do."


Trata-se de uma luta desesperada até ao último fôlego e contra todas as probabilidades. Uma luta só vencida pelo poder da inteligência contra hordas e hordas de inimigos. E, periclitantemente, os protectores do Anel não podem fazer outra coisa senão resistir pois se não resistirem morrerão, e se resistirem morrerão também. Entre a morte e a morte, é uma questão de escolher como se morre. E é todo este enredo de perigo iminente que mantém o leitor preso à história.

Outra das minhas passagens preferidas:

`And we shouldn't be here at all, if we'd known more about it before we started. But I suppose it's often that way. The brave things in the old tales and songs, Mr. Frodo: adventures, as I used to call them. I used to think that they were things the wonderful folk of the stories went out and looked for, because they wanted them, because they were exciting and life was a bit dull, a kind of a sport, as you might say. But that's not the way of it with the tales that really mattered, or the ones that stay in the mind. Folk seem to have been just landed in them, usually – their paths were laid that way, as you put it. But I expect they had lots of chances, like us, of turning back, only they didn't. And if they had, we shouldn't know, because they'd have been forgotten. We hear about those as just went on – and not all to a good end, mind you; at least not to what folk inside a story and not outside it call a good end. You know, coming home, and finding things all right, though not quite the same – like old Mr Bilbo. But those aren't always the best tales to hear, though they may be the best tales to get landed in! I wonder what sort of a tale we've fallen into? '
`I wonder,' said Frodo. 'But I don't know. And that's the way of a real tale. Take any one that you're fond of. You may know, or guess, what kind of a tale it is, happy-ending or sad-ending, but the people in it don't know. And you don't want them to.'
'No, sir, of course not. Beren now, he never thought he was going to get that Silmaril from the Iron Crown in Thangorodrim, and yet he did, and that was a worse place and a blacker danger than ours. But that's a long tale, of course, and goes on past the happiness and into grief and beyond it – and the Silmaril went on and came to Eärendil. And why, sir, I never thought of that before! We've got – you've got some of the light of it in that star-glass that the Lady gave you! Why, to think of it, we're in the same tale still! It's going on. Don't the great tales never end? '
'No, they never end as tales,' said Frodo. `But the people in them come, and go when their part's ended. Our part will end later – or sooner.'




Mordor, o Inimigo
A história foi escrita após a segunda guerra mundial. Tolkien sempre negou que o Inimigo fosse uma metáfora da Alemanha nazi. Mas nega em vão, porque é evidente que o é. Consciente ou inscientemente, Tolkien retratou o horror do avanço militar das forças do Reich e o esforço conjunto dos Aliados quando a democracia parecia para sempre perdida. Em Mordor, o reino do inimigo, nada cresce, nada vive, tudo está envenenado.
E por coinciência, se eu acreditasse em coincidências, numa recente série de dois episódios que retrata a vida de Anne Frank, esta está num campo de concentração quando diz à sua irmã Margot: "Ouve, pássaros! Não se ouviam pássaros em Birkenau. Nada vive em Birkenau. Só corvos e abutres."
Mordor, onde nada cresce, onde tudo está envenenado.
E tudo isto se perdeu mais ou menos da consciência colectiva da humanidade. Será que se perdeu mesmo? Será que como nos reinos não afectados directamente pelo poder do Inimigo, as pessoas continuam a fazer a sua vida como se nada se tivesse passado quando os Viajantes regressam a casa?

E foi isto o que mais me tocou em toda a história. O final. Porque quando Frodo regressa ao Shire, corrompido, doente e destruído para sempre, ele a quem coube a tarefa de salvar o mundo sem a ter pedido, encontra destruição e tirania na sua própria casa e tem de lutar mais uma vez como se tudo o que fizera não valesse de nada. E nos anos seguintes, na sua própria terra, Frodo nunca é reconhecido como um verdadeiro herói. A sua coragem e determinação, o seu sacrifício, entre os seus pares são vistos como actos longíquos e de pouca importância. Frodo já não pertence ao seu mundo de gente pequenina e é obrigado a retirar-se para sempre para o mundo nebuloso das lendas. Ninguém é profeta na sua terra, diz-se.

Eis a moral da história. A homens nobres cabe o sacrifício, mas em último caso este sacrifício não é desprovido de egoísmo. Porque para salvar a pele salvam-se os outros por arrasto, mesmo quando estes não agradecem ou não têm o discernimento de perceber o que foi feito por eles.
E é por não ser uma história de heróis predestinados, mas de um conjunto de hobbits arrastados para circunstâncias inimagináveis que os obrigam a lutar contra poderes infinitamente superiores, que eu gosto do "Senhor dos Anéis".
Durante o épico, no entanto, é subentendido que nada aconteceu por acaso, mas nada também é prova do contrário.
Frodo é qualquer um de nós.

3 comentários:

katrina a gotika disse...

Tens razão no que dizes em relação à altura da escrita e concepção da obra em si, mas repara que durante todos estes anos, se sentia a ameaça da "Sombra" a pairar sobre a Europa. Inspirador, não? ;)

katrina a gotika disse...

Essa da 1ª Guerra lembra-me as guerras anteriores à acção do Senhor dos Anéis, quando a Sombra estava activa e foi derrotada.

Roberto Iza Valdés disse...
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