quinta-feira, 8 de setembro de 2005

"Portugal pode desaparecer"

Carta de um leitor ao Diário de Notícias de sábado, 3/9/2005. Não estava online, por isso tive de transcrever. Este cidadão pensa do país exactamente o mesmo que eu, o que me poupa imenso trabalho. Afinal, parece que as mentes já pensaram tudo o que havia para pensar.
É mais um dos clichés deste país, "o diagnóstico está feito". Passar do diagnóstico à cura é que não há meio.


Portugal não funciona...
O sistema de justiça não funciona, com sentenças a demorarem anos e, portanto, a produzirem uma não justiça.
Temos a mais alta taxa de sinistralidade rodoviária da Europa, mas a polícia limita-se a medir a velocidade e o álcool, multando muitas vezes condutores que não estão a fazer mal nenhum. Os assassinos escapam incólumes.
A criminalidade aumenta, mas os tribunais põem os criminosos na rua. O mesmo criminoso é apanhado vezes sem conta pelo mesmo crime.
Temos a praga dos incêndios e os tribunais libertam os incendiários e ainda ninguém chegou à conclusão de que o eucalipto e o pinheiro têm de ser erradicados.
Não há justiça fiscal. Há décadas que se sabe que os mais ricos não pagam impostos. O Estado paga-se com o dinheiro retirado à classe média.
A educação e a saúde são caríssimas, mas os resultados são péssimos. Na saúde são públicos os grandes negócios e a corrupção. A medíocre educação compromete o nosso futuro.
Poucos são promovidos por mérito e competência, o que decide tudo é o compadrio e o suborno, beneficiando os medíocres.
Há empresas que cumprem as suas obrigações pagando impostos, salários e dívidas. Outras não o fazem, mas nada sofrem por isso, criando-se concorrência desleal.
Dependemos do turismo, mas os nossos monumentos estão em ruínas e a nossa costa está a saque dos interesses imobiliários.
Desemprego, défices do Orçamento e do comércio externo, falta de perspectivas, desespero, vontade de fazer justiça popular, desânimo.
Este quadro negro não é novo, pois já muitas vezes estivemos em sérias dificuldades ao longo da nossa História. Só que dantes não tínhamos alternativa e tínhamos que lutar pelo nosso Estado.
Hoje não nos podemos fechar ao exterior e os espanhóis vão tomando conta da nossa economia. Hoje existe um poder acima do Estado nacional que é a Comunidade Europeia, e se o nosso Estado continuar a desagregar-se, quando perguntarem aos portugueses se não se importam que a Europa os governe, e esta pergunta há-de ser feita, nesse momento decisivo, o Estado português, com oito séculos de História, pode desaparecer.
Fica a nação. Mas uma nação só sobrevive com um Estado ou sem um Estado tirado à força (País Basco, curdos, etc.). Se for de livre vontade e se, ainda por cima, a situação melhorar, desaparece também a nação.


Jorge Duque
Perosinho


Impunidade



Penso que o problema mais grave do nosso estado-nação é a impunidade. De modo geral, e em particular. De modo geral, porque não há avaliação (ou ela é viciada por cunhas e amiguismos, o que vai dar ao mesmo) e respectivo sistema de castigo/recompensa, e não havendo avaliação, não há esforço, e não havendo esforço, não há excelência. Fica a mediocridade. Em particular porque, como diz o cidadão acima, o sistema de Justiça, o mesmo em que se apoia a legitimidade do estado democrático, não funciona. Não funcionando, toda a gente, desde o vulgar chico esperto ao maior grupo de empresas do país, faz o que lhe dá na gana e ninguém o castiga por isso. Certo que um ou dois são apanhados, mas ainda são gozados por se terem deixado apanhar e não pelo que fizeram. (É A TOTAL INVERSÃO DE VALORES!) Porque, vendo o exemplo, e em roma sê romano, toda a gente que já teve pelo menos um emprego a sério na vida tem o rabinho preso. Se calhar, até o tem antes, à conta de erros dos pais. De modo que, de certa forma, até dá jeito às pessoas perpetuarem a impunidade porque na hora de distribuição de réguadas ficavam todos de mão a arder.
O que acontece com isto é uma inversão de valores muito grave. O que era o nacional porreirismo tornou-se no enterro da nação.

Por isso, se me perguntarem se quero ser governada pela Europa, eu vou dizer que sim. Não acredito que as pessoas do país mudem se os governantes não mudarem, e os governantes não mudam porque as pessoas não querem que eles mudem.
De modo que sim, aceito, porque assim não pode continuar. O meu último acto de patriotismo será o de entregar a nação a quem cuide dela.

12 comentários:

Silvia disse...

"Dependemos do turismo,mas os nossos monumentos estão em ruínas e a nossa costa está a saque dos interesses imobiliários."---->a solução não está em deixar de depender do turismo, mas em recuperar os monumentos e criar um plano de ordenamento do território eficaz. Pq p/ se safar desta, Portugal só vai lá através dos serviços. Já não temos colónias para tirar de lá riquezas, nem falsos aliados como a Inglaterra. E depois,claro,não temos petróleo (e ainda damos o pouco que arranjamos) nem ouro. A única riqueza que nos sobra foi aquela que no início dos tempos calhou que Portugal tivesse, um grande mar, muito sol e um país variado paisagisticamnete falando. É o turismo a única fonte onde podemos ir buscar riqueza e mesmo assim deixamo-nos invadir por empreendimentos turísticos espanhóis e os holandeses estão a tomar conta do turismo rural do norte e centro. A isto já não se chama o país dos desgraçadinhos, é o país do faz depois, de como disse um dia,da utopia barata,do país onde cada ideia que surge é considerada peregrina mas quando surge pelos espanhóis e pelos holandeses já é tida como grande ideia. Já não há solução em grupos políticos ou mesmo em políticos propriamente ditos - precisamos de um desenraizar de fundo, de criar portugueses e portuguesas com um espírito de verdadeiro empreendorismo. Até lá, porque isto demora séculos, há que desmontar o sistema e aproveitar os pequenos empreendedores e inovadores como sustento de Portugal na Europa. E aqui sim, entra a Europa. Não nos podemos agarrar a ela como uma lapa, até porque fazendo parte dela, quando nos afundamos, afunda a Europa também. Numa relação de simbiose, é assim que funciona. A nossa esperança na Europa, ainda longe de ser política pela nossa insignificância económica está em fazermos uma correcta gestão dos fundos comunitários (coisa que não tem sido feita! normalmente gastamo - los em betão) para recuperarmos. Depois há o lado dos novos mercados e novamente o lado turístico. Portugal poderia perfeitamente ser a estância balnear da Europa - mas Espanha com a sua costa brava continua a aproveitar e este ano a Bulgária, país candidato a fazer parte da UE, esteve em grande lançando-se nos mercados turísticos como estância balnear.

Portugal tem que servir porque não pode mandar.

Goldmundo disse...

Too late, Silvia. Demasiados anos de PSD e PS, de veneno e de destruição programada de um país. Demasiados anos de patifes.

Hoje estou reaccionário, eu sei. Tem dias assim.

Silvia disse...

nunca é tarde*

Goldmundo disse...

"nunca é tarde". Eis a insidiosa mentira. Eis o que justifica todo o mal, toda a inacção. "um dia será". Só nunca é tarde dentro de nós. No mundo, nas coisas, na vida, há um momento que é o último momento.

Continuo reaccionário. Mas hoje, além disso, nao me apetece falar.

Silvia disse...

"Nunca é tarde" não significa "um dia será", antes "é já hoje".

Goldmundo disse...

Empreendorismo (perdoa-me Silvia, nem sei escrever esta palavra cavaquista)temos nós tido demais. O tipo que estaciona o carro em cima do passeio é um ousado. O imbecio que cospe na rua é, pelo menos, indiferente à crítica. O tipo que "desenrasca" é um herdeiro dos navegadores.

Não. As coisas correram demasiado mal, e o diagnóstico, ao contrário do que diz a Gotika, não está feito. Agora resta-nos aspirar a ser a Galiza do Sul, a West-Andaluzia. E já iremos com muita sorte.

Quando vendemos a alma, o corpo acaba por dar por ela.

Susie disse...

Goldmundo, já não é uma questão de aspirarmos a ser, neste momento toda a nossa economia é dominada por Espanha.

Deixámos de ter sector primário... estamos dependentes das importações para subsistirmos... nem pregos se fazem neste país, sai mais barato comprar a Espanha!

katrina a gotika disse...

Goldmundo, o teu comentário deixou-me deveras curiosa. O diagnóstico não está feito, dizes? Gostava de ouvir então o teu diagnóstico, de preferência com destaque no teu blog e tudo.

Goldmundo disse...

Gotika, vou tentar :) Com destaque e tudo!

Silvia disse...

este comentário saiu um bocado grande, coloquei-o aqui. http://zynia.com.sapo.pt/empreendedorismo.htm

Goldmundo disse...

Atacado em duas frentes :P

Goldmundo disse...

isso devia ser postado, silvia.
hum, hoje já é tarde para responder, e ainda tenho por fazer o "diagnóstico". e não é preguiça.