sexta-feira, 12 de agosto de 2005

Da pobreza e da pobreza de espírito

Este post é patrocinado pela cerveja Diabräu*
(e pela Extra também)**



Afinal, o que vale uma pessoa? Aquilo que tem? Aquilo que é?
Deixem-me dizer-vos uma coisa. Num outro país, eu estaria a dar aulas, possivelmente na faculdade. Ou estaria a editar textos jornalísticos. Ou melhor ainda, estaria a fazer as duas coisas. Porque o conhecimento da prática depois ensina-se. Não se perde. Transmite-se. Quando o valor não é dado à prática, o conhecimento perde-se.
Num país onde a educação é levada a sério, os professores não fazem parte da mobília nem são postos nos lugares por conhecerem A ou B. Mas nós sabemos, e não é bater ainda mais no ceguinho (se bem que hoje me apeteça), que em Portugal só se consegue alguma coisa com conhecimentos e cunhas e favores. Isto vai da Junta de Freguesia ao Governo. Não me atrevo a implicar o Presidente da República mas não me admirava nada.
E não estou a falar deste ou daquele governo ou desta ou daquela junta de freguesia. Não. O caso é bem mais grave e ainda não bateu no fundo.
Acreditem em mim, que já bati no fundo e bem no fundo, isto ainda não bateu no fundo.
Há alguns outros casos de pessoas excepcionais que trabalharam muito e no duro para conseguir alguma coisa mas, nada de ilusões, essas pessoas nunca chegam tão longe nem tão depressa como as filhas de alguns ministros.
Isto é dito e repetido todos os dias.
Aliás, neste país, basta ver os telejornais, as notícias são ditas e repetidas todos os dias. A ponto de se ter gerado uma apatia tal que ninguém tem energia para fazer seja o que for.

Às vezes pergunto-me como é que o país teve energia para fazer uma revolução. E será que teve? Afinal, são cravos, senhor.

Estas contemplações todas neste momento porque depois de seis meses de uma relação profissional mal sucedida, decidi não continuar. Houve muitas razões para isto, e não vêm agora ao caso, mas posso assegurar-vos que os meus problemas de saúde não foram o factor decisivo e que fui eu quem decidiu sair. E posso assegurar-vos que tive muitas e boas razões para sair, se bem que não serão expostas porque envolvem a entidade patronal, por isso passemos à frente.
E depois perguntei-me. Como é que eu, que não sou web designer, estava a fazer web design apenas porque, em bom português, "dou uns toques" na coisa?
Simples. Porque estava a ser paga abaixo de um ordenado de qualquer web designer que de facto tem vocação para o que faz e sabe o que está a fazer. Sim, porque nesta área, além da vocação, os cursos são caros e o conhecimento não se aprende nas escolas. As escolas (públicas, bem entendido) não têm a mínima competência para ensinar novas tecnologias. Ainda me lembro de quase obrigar um professor de informática a ensinar Access, o que ele fez numa tarde porque não queria ensinar mais. É que, ao ensinar, ficaríamos a saber tanto como ele, e isso não pode ser!
Os cursos verdadeiramente bons... são pagos. Vive-se na ilusão de que o ensino é gratuito, mas ouçam-me:

O ensino de má qualidade é que é gratuito!



Falo das áreas que conheço, por isso escusam de vir para os comentários com as biologias, as ciências e as engenharias porque dessas áreas que falem os especialistas.
Se bem que me estou a tornar uma especialista em educação na área da medicina pelas piores razões que podem haver, a de ser uma paciente mal tratada, mas isso é outra história.

Por outro lado, já fui jornalista. Já tive experiência. Já estive por dentro. Fui empurrada para fora do mercado de trabalho porque há gente a fazer o meu trabalho de graça. Esta gente tem ilusões. Mas depois vêm outros empurrá-los também. Acabam no call center mais próximo enquanto outros estagiários não remunerados fazem todos os dias peças para a RTP, a SIC e a TVI. E jornais. E revistas. E rádios.
Os poucos que são pagos são muito mal pagos e servem para orientar os estagiários.
Há estagiários de outras áreas (áreas igualmente superlotadas) a trabalhar de graça em câmaras municipais.
Isto continua enquanto os pais os puderem sustentar.
E continua, e continua, e continua.
É por isso que digo que ainda não bateu no fundo. Vai bater no fundo quando os pais deixarem de poder sustentar todo este "estagiarismo" artifical.
Encontrei, no call center, pessoas licenciadas em quase tudo, desde as áreas superlotadas da Publicidade e do Marketing e Línguas e Literaturas e Sociologias e Psicologias, às áreas mais insuspeitas como Engenharia de Sistemas. Geralmente gente pobre, de famílias pobres, que fizeram sabe-se lá o quê para tirarem os cursos.
Que isto seja um aviso. Tirem o curso mas tirem as ilusões da cabeça.

Agora voltemos à minha pessoa. Tenho andado em entrevistas de emprego para um part time na malfadada área do call center/registo de dados. O máximo que me ofereceram até agora foram 340 euros.
Mas isto, como diz alguém que eu conheço, é mato. Um trabalho a full time, nestas áreas, e sempre por empresas de trabalho "temporário", merece no máximo 500 euros por mês. E isto porque eles pagam os subsídios de férias e de Natal no próprio mês, senão era ainda menos.
E estou a falar da área de registo de dados e call center, bem entendido. Um help desk ganha um pouco mais (uns 600 euros a full time) e um supervisor de call center também não ganha mais que isto.
As empresas de trabalho temporário contratam tudo para toda a gente. Chegou-se ao ridículo de haver empresas (e das grandes, obviamente) que formaram as suas próprias empresas de trabalho temporário para contratar os seus próprios empregados e não serem forçadas a admiti-los a contrato, seja a tempo certo ou incerto.
Os contratos são feitos a nível semanal. Não sei até que ponto isto é legal, mas é o que é.

E se pensam que me estou a queixar, até não estou. 340 euros é quase o ordenado mínimo que ganha um desgraçado que trabalha num café a full time.

Sinceramente, quanto é que uma pessoa vale?
A nível económico eu não valho absolutamente nada. Mas não é que me preocupe. A minha riqueza não está aí.
Acreditam que nos anos 80 eu queria ser yuppie? Achava giro, sei lá. Ter uma carreira, uma casa, um carro, 2,5 filhos e uma relação estável.
Isto era o culminar da minha felicidade.
Hoje desato a rir às gargalhadas quando penso nisto.
Que pobreza de espírito! Que pobreza!
E depois a vida ensinou-me tanta coisa! Tanta coisa que nunca teria aprendido se não fossem as contrariedades que encontrei pelo caminho.

Hoje, estou mais rica!



Sim, já tenho 33 anos e estou doente e sei que nunca vou conseguir fazer um horário das 9 às 5 e que não nasci no país certo para desenvolver a minha vocação profissional, mas não me importo.
Tenho pena, sim, tenho, por tudo o que eu podia dar à sociedade e que a sociedade não valoriza, mas são pérolas para porcos. E que fazem os porcos com as pérolas, sem desfazer nos porcos?...
Estive a pensar no que eu gostaria realmente de fazer. Vão achar tremendamente estúpido se eu disser que gostaria de estudar mais. Gostava de tirar mais dois cursos: um de Português/Inglês e outro de Psicologia. E vão dizer-me: mas tu estás parva? Sabes muito bem que nenhum desses cursos tem saídas profissionais.
Pois, mas já não há saída para mim. Eu vivo, absolutamente e por desespero de causa, para o prazer.
Acontece que não tenho dinheiro para pagar as propinas. (340 euros) Nem no ensino público. E, sim, estou demasiado doente para conseguir trabalhar e estudar ao mesmo tempo.
Por isso não há cursos para ninguém. Também não é que valessem a pena, era só pelo gozo.

Agora dá uma série na RTP2 sobre professores universitários numa universidade americana. Fiquei boquiaberta por perceber que os americanos vão para a faculdade (e pagam) para aprender. E nós, aqui, vamos à faculdade para tirar um canudo. Um canudo que não serve para nada.
Que estupidez, tudo isto! Que tremenda estupidez!
Que desperdício!

Por hoje já falei demais. Se estiveram a ler até aqui, obrigada.
Como agradecimento, vou dar-vos música.

Até à próxima.







*Cerveja Diabräu (4,8%), a 35 cêntimos a lata de meio litro, no Dia
**Cerveja Extra (7%), a 35 cêntimos a lata de 33cl, no Dia

4 comentários:

I Am No One disse...

O nosso país é um país de esquemas, alguém deve ter gritado "o que está a dar agora é termos uma percentagem alta de licenciados!" e toca de arranjar maneira de pôr o povo a estudar... claro está que ninguém se lembrou que era preciso mercado de trabalho para essa gente toda... :(
Não se percebe porque é que um trabalhador/estudante tem que fazer um estágio final de curso, aquilo não era suposto ser uma ajuda na entrada para uma vida profissional, que parte da expressão trabalhador/estudante é que eles não entendem??!

sophiarui disse...

Vou citar-te no que para mim mais me tocou "tenho pena, sim,tenho, por tudo o que eu podia dar à sociedade e que a sociedade não valoriza, mas são pérolas a porcos"!

Penei muito para conseguir tirar o meu curso, um curso, que tirei por gosto e vocação quando toda a gente me dizia que não tinha saída-amigos meus que hoje também estão no desemprego (e talvez frustrados duplamente por nem sequer terem tirado o que gostavam).Prezo-me de pelo menos ter tido o gosto de aprender mais daquilo que gostava!

Hoje estou a trabalhar num local onde consegui ascender por mérito próprio e onde me mantenho pelo ordenado acima da média, do qual preciso para me sustentar a mim e aos meus pais (pessoas que lutaram e agora (sobre)vivem com menos do tal ordenado mínimo). Nos tempos livres ainda faço limpezas para os ajudar a manter - dinheiro que aceitam mas que os deixa tristes pela inversão de papéis.

neste país considero-me uma pessoa com sorte!!

Safo-me!!!
e por vezes consigo não pensar - às vezes penso que não pensar é um dom!

ou então quando penso faço as coisas pelo gozo e tento não pensar nos porcos!

sophiarui disse...

Ah!!! o trabalho que tenho (secretária)não tem nada a ver com o meu curso (antropologia)...(aliás segundo o meu patrão-isso (o curso que tirei)não serve para nada - ninguém no seu juízo perfeito tira esse curso)

pensando ainda melhor-a ascensão que tive não foi grande coisa... a diferença é que como eu de facto faço por trabalhar (e por isso sou até gozada por algumas colegas)marquei um bocadinho a diferença, por coisas básicas que qualquer um podia fazer se se predispusesse a ter um bocadito mais de eficiência.

A questão aqui é que na maior parte dos casos não há incentivos para que essa eficiência se dê, e naturalmente a tendência é a acomodação por falta desse incentivo -entramos numa pescadinha de rabo na boca...

compreendo-te por não conseguires trabalhar das 9 às 5 pois quem trabalha a sério (e dá-me a impressão que és destas-que trabalham a sério)trabalha por objectivos e por eficiência - e por norma, pela minha experiência, não há horários para isso!!

com falta de compreensão e compensação percebo que vás abaixo!! mas anima-te... nas limpezas ninguém te chateia e há sempre um lugar à tua espera...

he he he (isto era só para aliviar os ânimos)

um abraço

katrina a gotika disse...

No meu último trabalho, que era web designer, era eu que tinha de limpar a casa de banho.

Mas sim, compreendo o teu caso. Uma pessoa tiro o curso, vai trabalhar para uma área que não tem nada a ver e chega à conclusão que não valeu de nada.

Também te percebo quando falas de trabalhar por objectivos. Em Portugal trabalha-se muitas horas e não se produz nada.
Isso é da mentalidade, nada mais. Mentalidade de mercearia.