segunda-feira, 2 de maio de 2005

"GÓTICO, 1", por Klatuu Nictus

Reproduzido com autorização do autor.

GÓTICO


1




Somente tomando como contexto a «música popular» e os «movimentos juvenis» concernentes - é coerente perguntar: Afinal de onde veio o gótico?

A década de 70 assiste ao declínio do «movimento hippie», degradado por comunidades de fome e promiscuidade, na perda de todo e qualquer horizonte político e isoladas nos seus katmandus artificiais. Deste apocalipse emergem a vadiagem pretensamente operária e orgânica e pretensamente anarquista do punk, bem como a mitologia «hell’s angels» na sua apologia de um individualismo extremo, a pretensa liberdade on the road and keep riding de tribos motorizadas, a violência gratuita, o white power, o black metal. Os The Doors continuam a ser a banda de referência para perceber o evoluir e declínio do «movimento hippie» e os fenómenos de sub-cultura que dele, dialecticamente, emergem. Como uma terceira via entre o punk e o black metal surge o death punk de bandas como Alien Sex Fiend, The Damned, Bauhaus, Siouxsie And The Banshees, Joy Division etc, etc… (mas mesmo estes são precursores... as primeiras bandas a autodenominarem-se góticas foram bandas como The Shroud, Rosetta Stone, London After Midnight, Nosferatu, etc). Mantendo alguma da crueza do punk curto e duro à Ramones e Sex Pistols, o death punk evolui dentro do movimento genérico da new wave, como os The Stranglers, Blondie ou Nina Hagen, mas adopta muito da temática e orquestração do black metal, bastante mais esotérico e sinfónico do que o heavy metal reinante. Mas não se deve procurar apenas os contextos de época, mas sim procurar as raízes mais fundas que alimentaram a originalidade do death punk… E essas raízes as encontramos no lado mais negro do rock progressivo e sinfónico, no psicadelismo negro de Hawkwind, Van Der Graaf Generator, King Crimson, os verdadeiros pais do gótico, a que eu chamo pré-góticos, por analogia literária com os pré-românticos (quem é mais romântico? o pré-romântico William Blake? ou o romântico Byron?).

Este evoluir a partir do punk, por contradição, é o impulso do gótico, e é neste sentido que o podemos considerar um retorno a um certo espiritualismo que tutelava o «movimento hippie»… se este propunha um modelo de sociedade que fosse a negação do capitalismo, se o punk propõe a saída do sistema produtivo, recusando o trabalho e até propondo a destruição sistemática, se os neo-hippies se isolam no retorno atávico a uma economia medieval de artesãos, os góticos vão-se organizar na fantasia de uma sociedade alternativa, paradoxal, fazendo parte do sistema produtivo capitalista e aceitando-o mas refugiando-se na utópica construção de um escol de eleitos, de almas esclarecidas, de uma sub-cultura feita de protocolos e secretismo, esquartejada entre o diurno afã e um qualquer éden nocturno… Recuperação do romantismo, é certo - das épicas luzes do século XIX contra o néon frio e sem alma do século XX - mas rapidamente o «movimento» se fecha sobre si cancerigenamente numa autofagia ultra-romântica de tiques mórbidos e pseudo-abismos da alma. O facto de o gótico nunca ter ascendido a contra-cultura prende-se com o facto de ter sido desde o início sempre mais emblemático do que problemático, como se o texto estivesse certo mas os seus divulgadores apenas permanecessem na contemplação estética da sua luz negra. A ausência de lideranças outras, que não o fluxo e refluxo das bandas na moda e a lá carte, têm roubado ao gótico a manifestação política, social e cultural da sua tremenda energia em potência.

Episódicas tentativas de organização têm surgido de tempos a tempos, de variados quadrantes: neo-românticos, pós-modernistas, neo-pagãos, nietzshianos e esotéricos, mas apenas parecem concordar na mitologia, numa certa reacção à civilização cristã capitalista e nas «torres de marfim». Na década de 90, com a vulgarização contínua e progressiva da internet, alguns góticos da primeira vaga começaram a comunicar e a discutir o declínio anunciado do «movimento» e decidiram agir; movia-os uma responsabilidade para com as novíssimas gerações e a tentativa de devolver o gótico à sua pureza inicial, avassalado que estava por satanismos psicóticos, bruxarias de alcova e sado-masoquismos hospitalares… Formou-se um directório, ao modo das sociedades secretas, com um ideário, programa político e objectivos precisos, mas os combates internos por jurisdição e hierarquia acabaram por fragmentar esta tentativa de estabelecer uma liderança e o directório transformou-se numa hidra abjecta de cabeças em luta, que acabou por degenerar nos satanismos, bruxarias e sado-masoquismos que criticava e pretendia combater… Alguns poucos góticos antigos decidiram continuar o projecto… isolados e malditos, assumiram o estatuto de vampiros.

O resto é, ainda, história contemporânea…

Link, do gótico na música e suas ramificações: http://www.darkwaver.com/subculture/music-map.php#alternative

Link, black metal: http://www.anus.com/metal/about/history.html

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