sábado, 16 de abril de 2005

A música gótica

(Porque o que é prometido é devido.)

Vou começar este post congratulando-me de satisfação por os comentários não estarem activos.

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Agora que já me congratulei, prossigamos.

O que aqui vai ser escrito é a minha opinião e nada mais do que a minha opinião.
O que é afinal a música gótica? A música gótica é aquela música de que a maioria dos góticos gostam.
Sim, tão simples.

Agora vou explicar. No princípio do movimento musical, nenhuma das bandas consideradas "pais do gótico" alguma vez se assumiram como tal. Nem os Bauhaus, nem os Cure, nem os Fields of the Nephilim, nem - muito menos! - os Sisters of Mercy. Muito pelo contrário, todos rejeitavam o conceito. Ninguém queria ser apelidado sequer de urbano depressivo. Todas estas bandas diriam que estavam a fazer rock, ou pop, ou simplesmente "música boa". Sem rótulos. O que só lhes fica bem porque nenhum artista gosta de rótulos. (E assim criaram a escola de que gótico nenhum se assume como gótico, mas isso é outra história, a história da cultura que se desenvolveu nas pisadas da música.) A história do "gótico" foi um passo em falso do manager de marketing dos Joy Division, um passo em falso que pegou e que ficou. A partir do momento em que o conceito é criado, em que a palavra é dita, o criador perde o poder que tinha sobre a criação e esta ganha vida própria. E os artistas sabem-no bem, por isso é que detestam rótulos. Querem ser os criadores, não a criação.
O que caracterizava estas bandas era uma série de semelhanças técnicas, artísticas e temáticas.
Técnicas: a caixa de ritmos, as guitarras "rendilhadas" (ouça-se a guitarra de Wayne Hussey dos Mission e do primeiro álbum dos Sisters of Mercy ou Tim Bricheno dos All About Eve para perceber o que é uma "guitarra rendilhada") geralmente de 12 cordas, as vozes operáticas e poderosas femininas ou masculinas (Siouxie, Andrew Eldricth ou Peter Murphy, por exemplo), e tenho a certeza que há mais exemplos; outros truques técnicos que eu reconheço perfeitamente mas não sei descrever porque não tenho assim tantos conhecimentos técnicos a nível musical. Posso referir também uma preferência por instrumentos étnicos (aquela "pandeireta" dos Cult -- pandeireta?! -- ou toda a carreira dos Dead Can Dance), clássicos (nem que seja um piano ou um violino recriado em computador) e electrónicos (afinal estávamos nos anos 80, "electric dreams" era o tema comum a TODAS as bandas novas desde os A-HA aos Duran Duran, passando por Madonna. É preciso situar estas coisas.)
Artísticas: a estética do negro e do decadente, o pós punk que foi redescobrir a beleza que o punk tinha abandonado mas sem perder a conquista de fumar um charro na rua sem ficar mal visto por isso. Mas com classe. Absolutamente muita classe. E classe era o que o punk tinha perdido, se é que alguma vez a teve. O pós punk veio recuperar essa classe perdida.
Temáticas: em duas palavras, épico e/ou depressivo. O romantismo do século XIX diz tudo. Não vou aqui explicar o que é o romantismo do século XIX porque isso aprende-se na escola. (O amor ao mórbido, à morte, ao monstruoso, vampiros incluídos, nasceu aqui. Leiam Bocage.)

São poucos os casos em que uma banda de que os góticos gostam não obedeça a pelo menos dois dos requisitos acima descritos. Não foi por acaso que meti os Cure ao barulho. Eles andavam perto, muito perto, mas ao mesmo tempo tão longe da voz cavernosa de um McCoy.

Até agora disse o óbvio e o mesmo que toda a gente que percebe um pouco do movimento gótico. Passemos à frente. Desbravemos novos caminhos.
Porque é que o movimento grunge nunca cativou os góticos? Porque é que não se ouve Nirvana nos sítios góticos? Não obedece à maioria dos requisitos? Até que ponto a apresentação estética de uma banda tem influência no gosto dos góticos? Não se ouve Nirvana porque os Nirvana não se vestiam de preto? Ou será uma questão de tempo até que o movimento grunge seja "branqueado" (neste caso, "enegrecido") pelo tempo e se venha a ouvir Nirvana num sítio gótico? Porque, queira-se ou não, a temática dos Nirvana obedece ao padrão acima descrito. O resto é que não.
Existe outro fenómeno interessante. Quando Marilyn Manson fez uma versão de "Sweet Dreams", o original dos Eurythmics começou a passar nos sítios góticos. Talvez seja uma questão de uma banda que vista de preto fazer uma versão de "Smells Like Teen Spirit". Querem uma aposta? Querem mesmo?

E Marilyn Manson, queria ser gótico? Talvez não quisesse. Talvez não queira. E o mesmo acontece com todas as bandas recentes adoptadas pelo movimento gótico. Não têm escolha. São, como a palavra diz, adoptadas. Uma vez adoptadas, mesmo que maltratem os fãs, são nossas. Não há volta a dar-lhe. Foi um bocadinho o que aconteceu aos Placebo que de gótico só têm uma tendência para o depressivo (e o bissexual, que também vem do século XIX, olha o Byron). Mas a malta gosta. Acabou-se a conversa.

Outra questão. Porque é que algumas bandas fazem tudo e mais alguma coisa para serem góticas - inclusive imitar a técnica, o estilo artístico e temático - e nunca conseguem? Podia dar exemplos mas o facto é que essas bandas me passam pelos ouvidos e não ficam. Falta uma coisa importantíssima. Que é aquilo que os Placebo têm, por exemplo. Autenticidade. Feeling. Originalidade. Sentimento. Mas isto podia aplicar-se à música em geral, não só à música gótica. Nem todos os compositores de ópera ficaram na história. Da maioria nem ouvimos falar. E menos ouviremos à medida que o tempo passa.

A música gótica é como o Natal. É aquilo que um gótico quiser.
É o monge que faz o hábito, não é o hábito que faz o monge.

(Ou, com diria o outro: "Habituem-se. A música gótica não vai ser feita nos meios de comunicação social.")






E depois há bandas que decidem parodiar o movimento e usar e abusar de todos os clichés acima referidos, como os Type O Negative, e os góticos acham graça e deixam-nos fazer o que querem porque afinal o gótico é decadente e não há nada mais decadente do que dizer mal de si próprio, e assim nasceu a canção mais gótica que existe: "Black #1". Está lá a técnico, o artístico e o temático. É o exagero, é o absurdo, é o desvario. Já não é o gótico flamejante, é o gótico barroco! Ou o barroco do gótico, se preferirem.
Neste caso, um exemplo de gótico flamejante, para roubar ideias à arquitectura, e na minha opinião pessoal, é claro, seria um clássico como "Bela Lugosi's Dead" para os Bauhaus ou "Marian" para os Sisters of Mercy ou "Moonchild" para os Field of the Nephilim. Possivelmente, todas as bandas dos primórdios têm um exemplo de flamejante.
Possivelmente, pela simplicidade e despojamento, os Joy Division seriam o românico do gótico.

1 comentário:

Anónimo disse...

EXCELLENTE.
OBRIGADO POR EXISTIRES E SERES ASSIM... COMO ESTE TEXTO.

"A música gótica é como o Natal. É aquilo que um gótico quiser. "
É ISTO MESMO